De mais de 6 milhões de empregados domésticos no país, apenas 23,3% têm carteira assinada. A média salarial é de um salário-mínimo (R$ 1.412), segundo dados de 2024.
A informalidade no trabalho doméstico é uma realidade persistente no Brasil. Há mais de 6 milhões de empregados domésticos no país, sendo 91,1% mulheres, 67% das quais são negras, apontam dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2023. Porém, apenas cerca de 1,4 milhão (23,3%) desses trabalhadores têm carteira assinada, com média salarial de um salário-mínimo – R$ 1.412 –, de acordo com dados do e-Social de março de 2024.
Para garantir igualdade de direitos trabalhistas entre empregados domésticos e demais trabalhadores urbanos e rurais, em 2013 foi aprovada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 72/2013, popularmente conhecida como PEC das Domésticas. Com a PEC, tornou-se obrigatório recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), jornada de trabalho fixa de oito horas por dia e 44 horas semanais, hora extra e proteção contra demissão sem justa causa.
Com a finalidade de estender os benefícios da CLT também a empregados domésticos, em 2015, ainda durante mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), foi aprovada uma lei complementar à PEC. A partir da complementação, novos direitos foram assegurados, como adicional noturno, seguro-desemprego e seguro contra acidentes de trabalho. Entretanto, os benefícios não se aplicam aos trabalhadores sem carteira assinada.
De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o trabalho doméstico é aquele realizado no âmbito residencial de forma contínua – por mais de dois dias na semana –, subordinada, e que não gera lucro para o empregador. Trabalhadores e trabalhadoras domésticas podem atuar, por exemplo, como jardineira(o), faxineira(o), cozinheira(o), motorista, cuidadores de crianças, idosos e de pessoas com deficiências, entre outros.
Conquistas históricas
Segundo Maria Gabriela Vicente, advogada da LBS Advogadas e Advogados e integrante da Rede Lado, trabalhadores domésticos foram historicamente excluídos de qualquer cidadania trabalhista, previdenciária e institucional, tendo seus direitos garantidos aos poucos em razão das lutas movidas pela categoria. “Antes da promulgação da PEC, as domésticas não tinham acesso a salário mínimo e a garantias como seguro-desemprego, salário-maternidade, auxílio-doença, auxílio-acidente de trabalho e aposentadoria via INSS”, explica a advogada.
Como destaca Vicente, a luta das empregadas domésticas por direitos trabalhistas é muito anterior à PEC. Em 1936, Laudelina de Campos Mello, empregada doméstica e militante da Frente Negra Brasileira (FNB), foi pioneira na luta por reconhecimento e direitos trabalhistas para a categoria. Foi Mello quem fundou a primeira associação de trabalhadores domésticos do país, em Santos/SP.
Em 1972, a criação da Lei do Empregado Doméstico determinou a finalidade deste tipo de trabalho, estabeleceu a contratação via Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e proibiu descontos salariais em valores gastos com alimentação e higiene, por exemplo. Para representar a categoria, em 1997, foi fundada a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), filiada à Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Apesar da luta histórica e a aprovação da PEC em 2013, Vicente observa que a maioria dos trabalhadores ainda estão na informalidade. Segundo ela, há uma grande difusão da contratação como diaristas para evitar a obrigatoriedade da formalização e, consequentemente, das garantias de direitos trabalhistas. “Ou seja, as garantias existem, mas apenas para uma parcela da categoria que consegue acessar o registro na carteira e, mesmo assim, o salário comum tende a ser o mínimo”, afirma.
A advogada frisa, ainda, que a informalidade no trabalho doméstico se agravou durante e após a pandemia da COVID-19, com denúncias de restrição da liberdade, horas excessivas de trabalho, entre outras. A especialista também lembra que uma das primeiras mortes por COVID-19 registradas no país foi de uma empregada doméstica que contraiu a doença de sua empregadora, no Rio de Janeiro/RJ.
De acordo com Vicente, a PEC das Domésticas representa um marco na luta por direitos trabalhistas da categoria, apesar do alto índice de informalidade e de dificuldades que ainda não foram superadas, como a baixa remuneração da categoria – que faz com que trabalhadores tenham que buscar por mais de uma fonte de renda. “Com o passar dos anos, novos desafios se somam a esses, como as próprias consequências da pandemia e a plataformatização do trabalho doméstico”, reitera a advogada.
Plataformização do trabalho doméstico
A plataformatização do trabalho chegou também ao segmento doméstico. Aplicativos como o Famyle e Mary Help possibilitam a contratação de modo direto e informal, e chegam a ficar com 30% do valor do serviço prestado. Segundo a advogada Maria Gabriela Vicente, essas plataformas criam novos desafios, como a dificuldade de identificar quem se responsabilizará pelos riscos à saúde e à segurança dos trabalhadores.
Para Vicente, nesse sentido, a plataformização tende a aumentar os níveis de precarização do trabalho doméstico, com mais um agravante. “O trabalho doméstico já parte de uma situação de precarização que perpassa questões estruturantes como machismo e racismo, e se soma ao recente sistema de precarização plataformizada”, afirma.
A advogada também defende que, frente a essa precarização, é preciso proteger os trabalhadores e regulamentar as plataformas. “Para isso, é necessário pensar em medidas de aumento de proteção social para estabilizar transições e lidar com lacunas de gênero e raça; entender, estudar e legislar acerca das plataformas e dos algoritmos que regem seu funcionamento, e ampliar as garantias da própria atividade doméstica como um todo”, destaca Vicente.
Enquanto políticas públicas para proteção dos trabalhadores domésticos não são criadas, associações, como o coletivo Tereza de Benguela, de Belo Horizonte/MG, lutam pelos direitos das diaristas e por melhores condições de trabalho para a categoria. O Coletivo também cobra a aprovação da Política Nacional de Cuidados, projeto de lei criado neste ano pelo governo federal, que segue em análise na Câmara dos Deputados.
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), “[a] Política Nacional de Cuidados terá a missão de garantir os direitos tanto das pessoas que necessitam de cuidados quanto das que cuidam, com especial atenção às desigualdades de gênero, raça, etnia e territoriais, além de promover as mudanças necessárias para uma divisão mais igualitária do trabalho de cuidados dentro das famílias e entre a comunidade, o Estado e o setor privado”.
Economia do Cuidado
Para entender melhor, criticar e buscar soluções para a precarização do trabalho doméstico no Brasil, a advogada Maria Gabriela Vicente destaca a importância do debate sobre a Economia do Cuidado. Trata-se de um conjunto de atividades econômicas em torno da alimentação, da saúde, da assistência social, da educação, e dos serviços pessoais e domésticos.
O trabalho de cuidar é colocado, na maioria das vezes, sob responsabilidade das mulheres. Um trabalho invisibilizado que toma muito tempo e esforço. “O problema não é o trabalho de cuidado em si, mas o local que ele ocupa no capitalismo e o modo de ele ser instrumentalizado como forma de opressão sobre corpos femininos e, em especial, corpos femininos negros”, afirma Vicente.
Dados de 2022, do IBGE, apontam que mulheres dedicaram mais de nove horas por semana aos afazeres domésticos ou ao cuidado de pessoas do que os homens. Segundo a advogada, “compreender como a Economia do Cuidado se manifesta no país é necessário para compreender todos os debates que envolvem o papel da mulher no sistema de produção e na sociedade”.
Fonte: Rede Lado