PL 522/2022 concede administração de hospitais universitários para setor privado
Na última quarta-feira (30), Ratinho Júnior (PSD) deu mais um passo na corrida pela privatização do patrimônio público no Paraná. Desta vez, a ofensiva é para aprovar, em caráter de urgência, o Projeto de Lei (PL) nº 522/2022. A medida dispõe sobre a gestão dos hospitais universitários estaduais, possibilitando que a administração seja terceirizada para iniciativa privada.
O deputado estadual Arilson Chiorato (PT) classifica a atitude como “oportunismo do governador” que está valendo-se de um período de desmobilização devido às festividades de final de ano, Copa do Mundo, proximidade do recesso parlamentar para aprovar, em regime urgência, uma série de medidas que lesam direitos da população paranaense, dificultando acesso à saúde, educação, segurança de maneira gratuita e com qualidade.
“O PL da terceirização tira a autonomia e a gestão das universidades sob os hospitais. Permite também o contrato de empresa privada para fazer isso. Um erro do governo. O hospital universitário além de prestar um serviço de extensão, de atender a sociedade, é um local, onde os profissionais que estão se formando participam, fazendo residência, há também a aplicação de pesquisas. Tudo será prejudicado com este modelo. É uma inversão de valores do papel universitário que é ficar de portas abertas para a população”, avalia.
Uma das unidades afetadas é o Hospital Universitário de Londrina. Criado em 1971, o espaço tem como finalidade o desenvolvimento de ensino, pesquisa e a extensão de serviços à comunidade. Atualmente, é o único hospital público de grande porte no norte do Paraná, atendendo pacientes de aproximadamente 250 cidades no estado além de outras regiões do país.
Martha Favaro, Reitora da Universidade Estadual de Londrina (UEL), conta que a Instituição foi surpreendida com a medida. De acordo com ela, em maio deste ano foi realizada uma reunião com a presença de membros da Universidade, Secretaria Estadual de Saúde (SESA) e Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI). No encontro foi definido que um grupo de trabalho acompanharia os debates sobre a organização dos hospitais universitários. Mas desde então, não foram convocadas novas conversas.
“A apresentação do Projeto de Lei nos espantou muito e nos coloca numa situação de bastante insegurança porque pelas especificidades dos nossos hospitais universitários é fundamental que nós participemos efetivamente das discussões de um projeto que propõe a revisão das formas de gestão dos nossos hospitais”, aponta.
Os hospitais universitários são órgãos suplementares das universidades estaduais e sua gestão é de responsabilidade das instituições de ensino superior, no exercício de sua autonomia. O PL busca redistribuir a administração em três áreas, são elas:
Gestão Acadêmica: tem por finalidade o gerenciamento dos processos acadêmicos de ensino, pesquisa e extensão, por meio de instrumentos de controle de qualidade da formação acadêmica e de avaliação institucional;
Gestão Administrativa: tem por finalidade a gestão das decisões atinentes administração necessária para o pleno funcionamento da instituição hospitalar;
Gestão Hospitalar Assistencial: tem por finalidade a coordenação do planejamento estratégico das ações de saúde a serem desenvolvidas em nível ambulatorial e hospitalar e a determinação de critérios de qualidade e quantidade.
Para as universidades ficou reservado apenas interferir nos “termos de relação” com a fundação de apoio que será contratada na gestão acadêmica e administrativa. A fixação dos termos da relação com a fundação de apoio no tocante à gestão hospitalar assistencial será da SESA.
A legislação prevê, ainda, a criação de um conselho com a finalidade de estabelecer as diretrizes de integração, avaliação e controle da relação entre a Secretaria de Estado da Saúde e os hospitais universitários para a gestão hospitalar assistencial, porém este órgão contará com a participação de apenas um representante do conselho de reitores das universidades e nenhum representante da classe trabalhadora, dos técnicos administrativos e docentes.
“Na divisão das funções, nós temos um papel insignificante, nós não estamos lá com todos reitores e reitoras das universidades que possuem hospitais universitários. E nem a representação de todas as superintendências ou das direções destes hospitais. Os nossos hospitais universitários são muito diferentes em constituição, tamanho, abrangência, atendimento. Portanto, nós precisamos ter um conselho que, de fato, reconheça estas particularidades e abra espaço de discussão efetivo. Tem alguns aspectos que precisam ser discutidos com mais atenção considerando a importância dos hospitais e as suas características”, avalia Favaro.
Para a Reitora, as consequências do Projeto ainda são incertas, mas ela considera que as atividades prestadas pelo Hospital Universitário de Londrina serão restringidas, afetando não apenas a formação dos estudantes da área da saúde, mas a população mais amplamente. A fim de reverter esta situação, ela indica que estão organizando uma agenda de mobilizações até mesmo para que a sociedade tenha mais informações sobre mais esta tentativa de privatizar a saúde pública no estado.
Nesta quinta-feira (1º), representantes da UEL e do Hospital Universitário estiveram reunidos para discutir a medida. Em nota publicada no final da tarde de ontem, as lideranças expressaram “consternação” com a nova ofensiva. Acompanhe o documento aqui.
“Nós estamos trabalhando conjuntamente. O Hospital Universitário é Universidade Estadual de Londrina. Então, nós e a Superintendência do Hospital estamos conversando desde que tomamos conhecimento do Projeto de Lei e estamos fazendo um amplo movimento de mobilização das nossas representações no Legislativo, dos espaços organizados, dos nossos conselhos, da comunidade, das entidades da área da saúde”, afirma.
Estelionato eleitoral
Para Marcelo Seabra, presidente do Sindicato dos Técnicos-administrativos da UEL (ASSUEL), Ratinho Júnior aproveita que possui apoio da maioria das cadeiras da Assembleia Legislativa (ALEP) para aprovar projetos sem promover nenhuma discussão com a população, impossibilitando que a sociedade conheça mais profundamente os modos como ela será afetada. Ele destaca também que o pacote de privatizações (escolas estaduais, Copel, sistema penitenciário, entre outros) não foram contemplados no programa de governo do mandatário que acaba de ser reeleito por mais de 4 milhões de paranaenses.
“É importante dizer também que o Ratinho antes da eleição, não colocou no seu programa de governo nenhum destes pontos, ou seja, trata-se de um estelionato eleitoral, porque não apresentou nenhum destes e projetos e agora vem travestido de bom moço quando, na verdade, nós sabemos o que está por trás disso, é a venda, precarização de serviços, aumento de tarifas e no caso dos hospitais universitários comprometimento da qualidade dos serviços prestados à população”, ressalta.
Seabra observa também as consequências para os trabalhadores que atuam nos hospitais universitários que enfrentarão desvalorização dos planos de carreira, flexibilização dos processos de contratação, sem realização de concursos públicos, remunerações mais baixas, precarização das condições de trabalho, afastamento das tomadas de decisões, características frequentes em ambientes cujos funcionários são terceirizados.
“É incoerência achar que possa conciliar qualidade do atendimento com lucro, essas empresas veem para lucrar e as consequências serão, prejuízos para os usuários, serviços deteriorados e os trabalhadores também serão prejudicados através de arrocho salarial, não qualificação, dispensa a qualquer momento, é um pacote completo de maldades”, avalia.
Na próxima segunda-feira (5), parlamentares da bancada de oposição irão se reunir na ALEP para avaliar o PL. Na terça-feira (6), forças sindicais chegam à Curitiba para demonstrar rechaço à determinação, buscando frear que ela avance na Casa, visto que “se aprovada, será o caos para a saúde no Paraná”, adverte Seabra.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.