A pasta do governo do Paraná se recusa a garantir uma reforma ou um novo espaço devido ao território não ser demarcado
Por Isadora Stentzler – Brasil de Fato/Paraná
A pequena escola erguida a tábuas no meio da Tekoha Guarani, no município de Guaíra, no Oeste do Paraná, pode se tornar alvo de um apagamento étnico da cultura indígena Avá-Guarani pelo recente parecer da Secretaria de Educação do Estado do Paraná (Seed).
O espaço, construído sem planta e com materiais de sucata, representa um risco iminente para cerca de 25 crianças que estudam no local. Mesmo assim, a pasta do governo do Paraná se recusa a garantir uma reforma ou a construção de um novo espaço devido ao território não ser demarcado, o que é contestado pelo Ministério da Educação (MEC).
Na voz do cacique da comunidade, Ronaldo Martinez Esquivel, na semana passada, e após mais de um ano de luta, a Seed emitiu um parecer negando a construção de uma nova escola e a reforma da atual estrutura localizada na aldeia.
O parecer da Seed, assinado por Nivaldo Vieira Lourenço e Gabriel Felipi de Araújo Silva, argumenta que a construção não é possível devido à falta de demarcação da terra e aos litígios em andamento.
A secretaria tenta amenizar, afirmando que todos os estudantes indígenas estão sendo atendidos em escolas municipais e estaduais do município de Guaíra e que há vagas suficientes para todos.
No entanto, a realidade apresentada pelo cacique Ronaldo contradiz essa versão oficial.
Em um vídeo enviado ao Brasil de Fato Paraná, o cacique mostra que a estrutura possui diversos vãos entres as tábuas, o que permite a passagem de vento e também da chuva. O próprio quadro para uso dos professores é preso por arames e o teto não é completamente fechado, o que impede a aula em dias de chuva e frio.
Embora as crianças vão até às escolas da cidade, o cacique explica que a manutenção de uma unidade de ensino na Tekoha é necessária para que não haja o chamado apagamento cultural.
Segundo ele, nessas escolas oferecidas pelo estado, as crianças são proibidas de usar seus cocares, adereços, e até de falar a própria língua com os colegas. A situação acaba contribuindo para a evasão escolar, denuncia, fazendo com que esses alunos retornem à comunidade na busca pela garantia das suas tradições, ainda que a estrutura que possuam seja deteriorada.
Ronaldo afirmou que uma visita por representantes da Secretaria foi feita na comunidade, mas as respostas não foram animadoras.
“A Secretaria veio ver como está a situação, mas não querem fazer e colocam essa desculpa de que a terra não é demarcada. Eu fiquei um pouco mal depois de tanta luta, tantos dias, documento aqui, correndo atrás. Acredito que o único caminho seja via judicial”, desabafou o cacique.
Parecer da secretaria e orientação nacional
O parecer da Seed destaca que, para qualquer construção ou melhoria nas escolas, é necessário que o terreno esteja em nome do estado do Paraná ou que haja um Termo de Cessão de Uso ao Estado. Entretanto, a indefinição sobre a demarcação da Terra Indígena Guassú Guavirá (território onde está inserida a Tekoha Guarani) impede que essas condições sejam atendidas, deixando a comunidade em uma situação de total abandono.
A reportagem procurou o Ministério da Educação que foi incisivo sobre esse ponto: “O fato de o território não estar em áreas demarcadas, não impede a construção de uma escola por parte dos responsáveis legais, visto que o direito à educação é assegurado pela Constituição Federal”.
O Ministério lembra ainda que os estados e municípios são autônomos para organizar seus sistemas de ensino. Além disso, conforme a Resolução CNE/CEB n°5 de 22 de junho de 2012, os estados possuem competência para criar e regularizar as escolas indígenas como unidades próprias, autônomas e específicas no sistema estadual de ensino.
A reportagem também localizou uma Ação Civil Pública de 2018 em que foi sugerida a construção da escola em um espaço “neutro”, localizado em estrada desativada e que corta a área ocupada pela aldeia, chamada de ‘Estrada 2’.
Conforme o ACT, o Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná disse, no documento, que a área estava sob jurisdição dos municípios, fora das áreas de litígio.
Sobre isso, O MPF disse que a Justiça determinou a construção da escola, mas que ela foi indeferida.
“Não há no momento decisão determinando que o Estado do Paraná construa a escola indígena bilingue. O caso está no TRF4, com recurso apresentado pelo MPF, a espera de ser julgado. Por isso, o MPF não pode notificar a SEED para construção de escola. Eventual multa também deverá ser arbitrada pelo juiz”, explicou, em nota, a assessoria de imprensa do MPF em relação a esse ACT.
Em paralelo, esclareceu a nota, o MPF está cobrando na Justiça o cumprimento provisório de sentença para que o direito à educação bilíngue – já reconhecido pela Justiça – seja atendido pelo Estado do Paraná independentemente da construção de escolas nas aldeias
Procurado, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR) disse que não foram localizados processos sobre esse tema.
Já a Seed não quis comentar essa questão.
Dificuldades de judicialização
Em entrevista ao Brasil de Fato Paraná, o procurador Raphael Otavio Bueno Santos, disse que o Ministério Público Federal (MPF) está ciente da situação, mas enfrenta dificuldades em judicializar a construção de novas escolas nas aldeias. “Em Guaíra, a proposta do Estado era ampliar a escola do Tekoha Marangatu para atender todas as aldeias, mas houve discordância entre os caciques devido a conflitos políticos”, explicou.
O procurador destacou que, embora o Estado do Paraná seja judicialmente obrigado a contratar professores bilíngues, não há uma obrigação legal para construir escolas nas aldeias.
“Os próprios indígenas, conforme suas possibilidades, providenciaram locais para as aulas. Judicialmente, o MPF não conseguiu obrigar a SEED a construir as escolas, e a SEED não se sensibilizou com a situação (…) Se a situação ganhasse uma dimensão maior, talvez houvesse alguma mudança, mas, por enquanto, não há visibilidade suficiente para que isso aconteça”, esclarece.
A reportagem procurou a Fundação dos Povos Indígenas (Funai) e o Ministério dos Povos Indígenas, mas não foi respondida até à publicação desta reportagem. Espaço segue aberto.