Após recomendação do Ministério Público, Pasta volta atrás sobre extinção da matéria, mas responsabiliza direções escolares pela oferta
A Secretaria de Estado de Educação do Paraná (SEED) não tem cumprido resolução do Ministério Público que recomenda a manutenção da disciplina de Arte nos anos finais do ensino fundamental. O órgão foi acionado após intensa mobilização de professores, estudantes e diversas associações em defesa do componente curricular, visto anúncio de supressão da matéria, emitido pela Pasta em dezembro de 2022, já durante recesso escolar.
Sem diálogo com as comunidades escolares, a gestão Ratinho Júnior (PSD) aprovou a extinção do campo de conhecimento que deveria ser substituído pela aula de “Pensamento Computacional”, área sem legitimidade científica (relembre aqui). Face aos protestos, convocados pela Sindicato dos Trabalhadores de Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato) e demais instituições, o secretário de Educação, Roni Miranda, informou em 11 de janeiro, que a disciplina de Arte seria mantida com ajustes na matriz curricular e horários a fim de garantir que ambos os componentes chegassem às salas de aula.
Contudo, apesar da Instrução Normativa 008/2022, publicada no último dia 17, estabelecer a obrigatoriedade do ensino de Arte nos oitavos e nonos anos, a responsabilidade da oferta é atribuída às direções das escolas. Na compreensão de um professor que leciona a disciplina na rede estadual de ensino ouvido pela reportagem, e que preferiu não se identificar por receio represálias, a SEED está negligenciando seu dever de realizar a organização curricular, competência que não é da esfera dos diretores e coordenadores.
“Vejo com preocupação porque o estado está transferindo uma responsabilidade que é dele para um gestor escolar que não tem autonomia para definir currículo, mas para organizar o planejamento e o melhor funcionamento da escola”, afirma.
A prescrição considera, assim, que a grade curricular deverá ser composta por cinco aulas diárias de 50 minutos em três dias da semana e de seis aulas diárias de 50 minutos nos demais dois dias. Diante disso, cabe às equipes gestoras, segundo o documento, organizar o horário dos docentes e viabilizar transporte para os estudantes.
Efetivamente, a resolução tem inviabilizado que a disciplina seja garantida no cotidiano escolar, já que muitas unidades escolares com dificuldade de ajustar os horários, estão recuando da oferta da disciplina. Dados levantados com exclusividade pelo Portal Verdade, indicam que, até o momento, 142 colégios não estão contemplando Arte em seus planos pedagógicos.
“É grave porque eles usam como argumento a questão do transporte. Mas ele também não se sustenta por si só porque os alunos com transporte social, indo ao setor, apresentando comprovante de residência, atestado de matrícula e grade curricular, é feito alteração do horário. Aos alunos do transporte rural também é feito ajuste, não entendi porque o transporte se tornou um empecilho. Em Londrina, já temos escolas que tem aula em período integral, com seis e cinco aulas e todas possuem transporte social, nenhum aluno foi prejudicado”, pontua o docente.
Para o professor, ao rever a decisão tomada anteriormente sobre o fim da disciplina, a SEED reconhece que estava equivocada, porém ao incumbir às administrações escolares pelo oferecimento do componente curricular, além de não exercer sua função, demonstra mais uma atitude autoritária, já que não discute com as equipes pedagógicas as dificuldades que elas estão enfrentando para ajustar as grades curriculares e tampouco apresenta proposições para solucioná-las.
“Quando você entra em um embate e tem diversas federações, Ministério Público, universidades, todos se voltando contra o seu posicionamento é sinal que você errou, mas como uma criança mimada e pirracenta, sustenta 27 aulas. A sexta aula, eu até entendo que é importante que tenha, já que possuímos a perspectiva da educação integral, mas porque não colocar seis horas aula diárias para estas turmas? São perguntas que faltam respostas. Mas a SEED recuou e transferiu responsabilidade, jogou para os chefes de núcleo para que eles convençam os diretores. Eu vejo com ressalva, foi um grande passo para a categoria, mas a SEED não passa segurança. Estamos preocupados com o passo seguinte, qual é o próximo pacote de prejuízos que virá? ”, questiona.
Ainda, de acordo com o docente, a mobilização para que a disciplina de Arte seja oferecida universalmente, não lesando o direito de nenhum estudante no acesso ao conhecimento, permanece. Na última semana, professores, estudantes, arte-educadores, aprovaram a criação da Associação do Professorado de Arte do Paraná (APROAP).
Entre as atividades previstas pela organização, está a criação de programas de formação continuada para profissionais da área. Ele enfatiza as contribuições do componente curricular para o desenvolvimento de um ensino crítico, humanizado em contraposição às políticas educacionais de viés tecnocrático, modelo privilegiado pelo governo de Ratinho Júnior.
“O componente precisa ter visibilidade. Ele é transversal, trabalha o indivíduo a partir da sua própria construção. Temos um erro no pensamento educacional brasileiro que entende que se mecanizarmos tudo, melhora-se a qualidade de aprendizagem. Mas não, quando a gente trabalha com a subjetividade em diálogo com as questões tecnológicas, nós conseguimos avançar. Quando a gente olha a matriz curricular do componente curricular [Arte], observamos um amplo campo de conteúdos, divididos em quatro linguagens, todos eles trabalham com expressividade do sujeito, a descoberta, pesquisa, estímulo à reflexão”, observa.
Precarização do trabalho docente
Outro reflexo apontado pelo professor, é o sucateamento do trabalho docente, visto que a situação tem gerado insegurança entre os profissionais que não sabem se conseguirão assumir as aulas e completar a carga horária. Para ele, os impactos poderão ser percebidos, principalmente, nos próximos dias, já que nesta semana está ocorrendo a distribuição de aulas – processo que também está sendo contestado pela categoria, visto a mudança de critérios para classificação do professorado no acesso às aulas sem aviso prévio e com arbitrariedades (saiba mais aqui).
“Os professores estão aflitos. É prematuro para apontar como afetou, mas se não houver o componente curricular Arte, o impacto é grande. O professor terá que migrar para outras unidades curriculares como Projeto de Vida, para poder fazer complementação de carga horária. Cidade pequena que tem duas ou três escolas, o professor terá grande dificuldade para fechar um padrão que é formado por 15 horas em sala de aula e mais cinco de hora-atividade, que dirá conseguir [aula] extraordinária”.
O docente compara a situação com a realidade do ensino noturno, modalidade em que os professores enfrentam dificuldade para compor a carga horária mesmo que menores. Com isso, além do rendimento mais baixo já que não sobram aulas extras, os professores são obrigados a se dividirem em mais de uma escola para conseguirem integralizar a jornada de trabalho.
“Um exemplo do noturno, professores de Sociologia, Filosofia, Química, Física não conseguem fechar o padrão e acabam fazendo complementação de carga horária com Ciência, Ensino Religioso, História quando sobra. Isso para fechar um padrão, não estou falando de 40 horas semanais de trabalho, mas apenas 20 horas”, indica.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.