Assassinato de Marielle Franco completa cinco anos sem identificação de mandantes. Mulheres continuam legado da parlamentar, responsável por defender direitos humanos
1.826 dias e ainda não sabemos quem mandou matar Marielle Franco e por quê? Nesta terça-feira (14), o feminicídio político de Marielle (PSOL), mulher negra, feminista, cria da Maré – complexo de favelas localizado na zona Norte da capital fluminense – bissexual, socióloga, vereadora pelo Rio de Janeiro, eleita com mais de 40 mil votos em 2016, completa cinco anos. Após evento na Casa das Pretas, espaço coletivo para troca de experiências, saberes e resistências promovido por mulheres negras, o carro de Marielle foi atingido por 13 tiros que tiraram a vida dela e de seu motorista Anderson Gomes.
As investigações levaram à prisão de dois executores: o policial militar reformado Ronnie Lessa, por ter atirado na vereadora; e o motorista e ex-policial militar Elcio de Queiroz. Porém, os motivos e os líderes do atentado permanecem desconhecidos. Se por um lado, as respostas das forças de segurança pública demoram a chegar, por outro, a barbárie cometida contra Marielle tem impulsionado a movimentação, sobretudo, de outras mulheres contra opressões múltiplas, a exemplo das discussões sobre violência política de gênero.
De acordo com dados do Ministério Público Federal, no período de agosto de 2021 (momento em que a Lei nº 14. 192 foi sancionada e passou a tipificar a violência política contra mulher como crime) a novembro de 2022, ao menos 112 processos relacionados ao tema foram registrados. A cada 30 dias, aconteceram sete casos envolvendo humilhações, constrangimentos, ameaças entre outras repressões que visaram prejudicar a candidatura ou mandato de uma parlamentar em razão dela ser mulher.
A legislação define a violência política contra a mulher como “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher”. O texto estabelece, ainda, que “serão garantidos os direitos de participação política da mulher, vedadas a discriminação e a desigualdade de tratamento em virtude de sexo ou de raça no acesso às instâncias de representação política”. São punições possíveis, aplicação de multa e reclusão.
No último pleito, a bancada feminina cresceu 18% na Câmara Federal. Foram eleitas 91 deputadas em 2022 face a 77 em 2018. Mas o número ainda é muito pequeno e desigual. Do total de 513 parlamentares, somente 17,7% são mulheres. No Senado, das 81 cadeiras, apenas 10 são ocupadas por mulheres, representando 12,3% da Casa. Ainda, entre os 26 estados e Distrito Federal, tão só Rio Grande do Norte e Pernambuco são governados por mulheres. Entretanto, elas correspondem a maioria do eleitorado no país (52%), conforme informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“A política ainda é vista como um campo destinado aos homens. Trata-se de uma compreensão misógina que tem sido reproduzida ao longo dos anos de que o ambiente público deve ser ocupado por eles, que teriam, supostamente, mais habilidade para exercer a liderança, tomar decisões ao passo que mulheres devem cuidar do espaço privado, do lar, zelar pelos afazeres domésticos, filhos e demais dependentes. A divisão sexual do trabalho é eminentemente sexista e afasta mulheres dos espaços de poder”, avalia Camila Monteiro, cientista política e estudiosa da sub-representação das mulheres na política.
Sementes de Marielle
A pesquisadora ressalta que, mulheres negras por serem ainda mais vulnerabilizadas, uma vez que acometidas pelo “duplo nó” do sexismo e racismo, conforme anunciado por Lélia Gonzalez, enfrentam dificuldades ainda maiores para ingressar e permanecer na vida pública. “As tentativas de afastá-las da política podem ser observadas em diferentes momentos. O primeiro obstáculo já inicia antes mesmo de assumir o posto, com a falta de recursos para as campanhas, apoio do partido, da base aliada, de espaço dos meios de comunicação, culminando em violências maiores como silenciamentos, assédios”, observa.
Acompanhe a seguir trecho do último discurso de Marielle Franco na tribuna. Na sessão, a vereadora adverte para que não seja mais interrompida, após sucessivas interferências de colegas em seu discurso. A fala foi realizada em 08 de março de 2018, seis dias antes ao atentado que a vitimou.
Ao todo, entre as 91 mulheres eleitas em 2022, apenas nove são negras. Isto quer dizer que, mulheres negras são menos de 2% dos responsáveis pela proposição e aprovação de leis no país, embora correspondam a 28% da população, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O contingente também representa um recuo ante a 2018, quando 14 mulheres negras ocupavam as cadeiras da Câmara dos Deputados.
Contudo, também é possível vislumbrarmos alguns pioneirismos no mesmo período como a primeira deputada federal negra eleita pelo Paraná. Aos 39 anos, a professora e historiadora Carol Dartora (PT), recebeu 130.654 votos, o que a levou ao segundo cargo político, após mandato na Câmara Municipal de Curitiba. Vejam quem são parlamentares negras eleitas em 2022:
Daiana Santos (PCdoB-RS)
Denise Pessôa (PT-RS)
Carol Dartora (PT-PR)
Erika Hilton (PSOL-SP)
Benedita da Silva (PT-RJ)
Dandara (PT-MG)
Taliria Petrone (PSOL-RJ)
Jack Rocha (PT-ES)
Marina Silva (REDE)
Na última quarta-feira (8), o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou uma série de medidas voltadas às mulheres. Entre elas, está o Projeto de Lei nº 1086/23, que institui o Dia Nacional Marielle Franco de Enfrentamento da Violência Política de Gênero e Raça, a ser comemorado anualmente em 14 de março. O texto está em análise na Câmara dos Deputados.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.