Trabalhadores apontam falta de diálogo nas decisões tomadas pela presidência, incluindo a abertura de fundação que poderá vender pesquisas ao setor privado
Na última terça-feira (15), trabalhadores do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) paralisaram as atividades por 24 horas contra uma série de decisões da presidência do órgão, ocupada pelo economista Marcio Pochmann.
A principal crítica é a criação da Fundação IBGE+, entidade pública de direito privado, cujo objetivo é desenvolver pesquisas conforme demanda do mercado. Para os servidores, a nova fundação colocaria em risco a autonomia do IBGE e a confiabilidade dos estudos.
Vinícius Staub, técnico do IBGE e coordenador do ASSIBGE (Sindicato Nacional dos Trabalhadores do IBGE) no Paraná, conta que a criação da entidade não foi discutida com a categoria. Para ele, a medida é mais uma demonstração do autoritarismo da atual gestão.
“A principal reivindicação da categoria é a nossa surpresa e indignação com essa fundação privada que surgiu sem nenhuma transparência, feita às escuras, sem discussão por parte de um presidente que boa parte de nós, inclusive eu, acreditávamos que seria muito mais democrático, que faria uma gestão muito diferente no IBGE”, observa.
Entre os riscos previstos, o Sindicato aponta a captura da produção de informações estatísticas e geocientíficas por interesses privados, na medida em que a fundação poderá vender pesquisas e levantamentos ao setor privado. Confira nota completa aqui.
“Ele [Marcio Pochmann] gestou por nove meses em segredo a criação dessa fundação privada, não falou nem para os quadros técnicos mais elevados do órgão, não dividiu com os trabalhadores esse projeto que ele tem de abrir as portas do IBGE para o investimento privado. O nosso medo é que os interesses do IBGE sejam capturados pelo dinheiro”, complementa Staub.
Os servidores chegaram a pedir a exoneração de Marcio Pochmann. A reivindicação levou o presidente do IBGE, a divulgar um “comunicado da presidência” no qual rebate a mobilização dos servidores que pedem sua saída e diz ter respaldo ministerial para as mudanças que vem promovendo no órgão.
O IBGE conta com quase quatro mil funcionários em todo o país. A entidade é responsável por realizar levantamentos que fundamentam políticas públicas e a alocação de recursos.
Além disso, o IBGE é encarregado de conduzir pesquisas cruciais, como o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), que mede a inflação; o PIB (Produto Interno Bruto), que avalia a atividade econômica do país, além de coletar informações sobre o mercado de trabalho e, ainda, realizar o Censo, uma abrangente pesquisa que retrata a realidade demográfica e socioeconômica do país.
Aumenta terceirizações, diminui autonomia
A liderança também chama atenção para a contratação de novos trabalhadores temporários e celetistas para a fundação, o que além de precarizar ainda mais o quadro, visto a ausência de concursos públicos, deixam os funcionários com menor autonomia para o desenvolvimento das funções.
“Os nossos trabalhadores fazem protestos, greve, entregam cargos, sempre que tem alguma ameaça da autonomia técnica, da lisura das nossas pesquisas. E ele [Marcio Pochmann] quer encher essa fundação privada, chamada de IBGE+, só com indicados, trabalhadores temporários ou celetistas que não vão ter nenhuma condição de proteger o IBGE como a gente costuma fazer. Além disso, toda a lógica dessa instituição é de entrega aos interesses privados, sem nenhum tipo de controle da sociedade”, assinala.
Face as críticas a “IBGE +”, a direção emitiu nota na última segunda-feira (14), sinalizando que as limitações orçamentárias atuais da empresa “requerem a reorganização das relações público-privadas no Instituto”.
Teletrabalho
Segundo Staub, outra pauta levantada pelos trabalhadores diz respeito a implementação do teletrabalho. O servidor pontua que muitos funcionários que estavam neste modelo foram convocados para retomar as jornadas integralmente presenciais sem aviso prévio e desconsiderando o desempenho que, de acordo com ele, até aumentou em alguns estados, a exemplo do Paraná.
“Havia prometido que quando fosse mudar o regime teletrabalho, ele [Marcio Pochmann] ia conversar com os trabalhadores antes. Não foi verdade, mudou de supetão, conversando só com as instâncias superiores do IBGE, forçando um processo muito rápido sem prestar atenção sequer nos dados que a gente tem de, por exemplo, aqui no nosso estado Paraná, a gente tem aumento de produtividade com o teletrabalho”, afirma.
Staub também menciona a situação enfrentada por servidores alocados no Rio de Janeiro, região onde ficam a maioria dos trabalhadores do IBGE. Uma das unidades, localizada na avenida Chile, centro da cidade, concentra 700 funcionários. Porém, conforme orientação do direção, eles serão transferidos para outro prédio, onde está a sede Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), no bairro do Horto. Os trabalhadores rejeitam a mudança por considerarem o local “muito mais longe e de difícil acesso”.
Ainda, segundo Staub, esta seria mais uma decisão unilateral da presidência. “Eles não foram consultados, sendo que existem outras opções de prédio com preço parecido, até mais baratos. Parece que o INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] tinha oferecido um prédio de graça e por algum motivo o Marcio Pochmann não escutou nenhuma crítica sobre a mudança para esse prédio”, evidencia.
Quem é Marcio Pochmann?
Nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para comandar o IBGE, em julho de 2023, Marcio Pochmann é economista, professor na UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas) e na UFABC (Universidade Federal do ABC), ambas localizadas em São Paulo.
Próximo ao Partido dos Trabalhadores (PT), Pochmann exerceu o cargo de secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade na Prefeitura de São Paulo entre 2001 e 2004, durante governo de Marta Suplicy (PT). Também ocupou, ao longo de sua carreira, a presidência do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 2007 a 2012, e da Fundação Perseu Abramo entre 2012 e 2020.
Em seus livros e publicações em veículos de comunicação, Pochmann ficou conhecido pelas críticas às políticas econômicas mais liberais e pela defesa de um Estado mais forte. O economista também se manifestou contra as Reformas Trabalhista e da Previdência, que foram aprovadas pelos governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), respectivamente.
À época, a escolha do economista que gerou ressalvas entre representantes do mercado financeiro. Porém, Staub evidencia que este perfil desenvolvimentista não é um problema. “Eu acho importante dizer que, dentro do nosso Sindicato, a gente não tem acordo com aquilo que os noticiários, os colunistas econômicos apontaram quando ele entrou. De forma nenhuma é um risco aos dados do Brasil ter um economista desenvolvimentista, ligado originalmente aos sindicatos, por incrível que pareça. Isso não é um problema técnico”, assinala.
O sindicalista também garante que mesmo sob gestões de perspectiva neoliberal, o órgão conseguiu conduzir estudos sobre múltiplas desigualdades e violências existentes no país.
“O nosso problema com o Marcio Pochmann, jamais foi ele. Foi uma surpresa que ele é politicamente muito duro, de fazer acusações. Ele foi em um sindicato, no encontro de uma central sindical, uma colega nossa estava lá, e ele a acusou de ser fascista, que o Sindicato havia cooptado. Ele sabe jogar muito bem para tentar enfraquecer a gente e não está tentando de forma alguma dialogar. Eu acho que talvez seja o antissindicalista mais experimentado que a gente já enfrentou”, adverte.
Staub salienta o desejo da categoria por mais diálogo. “Ele [Marcio Pochmann] ainda tinha espaço de voltar atrás, de conversar com o IBGE e terminar a gestão pacificamente com as inovações que quer fazer, que não são todas absurdas de forma nenhuma. Todas podem ser discutidas cada uma por seu mérito. Essas últimas movimentações que estão fazendo, é essa sim que estão recebendo críticas, porque elas são absurdas. A questão da IBGE+, ele fez em segredo porque sabia que ia ser polêmico e por isso não trouxe para discussão. Eu acho isso gravíssimo, essas atitudes dele, e não o perfil da pessoa como um todo, nem todas as ideias que ele trouxe”, avalia.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.