Entre os anos de 2012 e 2022, foram registradas 2.329 mortes de trabalhadores durante exercício de suas funções no estado
Em 2023, a SESA (Secretaria Estadual de Saúde) deixou de investir cerca de R$ 3 milhões em ações voltadas à prevenção e cuidado com a saúde do trabalhador paranaense.
A informação foi levantada em reunião da CIST (Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador), realizada no início deste mês, e divulgada pelo SindSaúde-PR (Sindicato das Trabalhadoras e Trabalhadores do Serviço Público da Saúde e da Previdência do estado do Paraná) que solicitou à pasta prestação de contas dos recursos repassados pelo governo federal para custear ações de promoção à saúde do trabalhador (saiba mais).
Elaine Rodela, diretora estadual do SindSaúde-PR, explica que o Ministério da Saúde, há mais de 20 anos, tem promovido debates sobre o bem-estar do trabalhador através do SUS (Sistema Único de Saúde). E como fruto destas discussões surgiu a Renast (Rede Nacional de Atenção Primária Integral à Saúde do Trabalhador).
Com o intuito de financiar a rede, o Ministério da Saúde envia periodicamente recursos aos estados que devem desenvolver programas de fiscalização, atividades de educação em saúde e segurança para prevenir adoecimento e mortes ocasionadas pelo trabalho.
Em 2023, o governo federal destinou R$ 3,5 milhões ao Paraná. Do montante apenas R$ 244 mil foram investidos em ações voltadas à saúde do trabalhador.
“O estado do Paraná recebe o recurso do governo federal e é de sua competência o desenvolvimento de ações e serviços que garantam a promoção, a prevenção, a assistência e a reabilitação na área de saúde do trabalhador”, afirma a liderança.
Para ela, o descaso com a classe trabalhadora reafirma o alinhamento do governo Ratinho Júnior (PSD) junto ao grande empresariado.
“Ao não ter uma política organizada e forte na área de saúde do trabalhador o governo se protege de estressar relações com o empresariado e mantém a classe trabalhadora em processo de adoecimento e exposição à morte. Ao não ter serviços e equipes em número adequado para inspecionar ambientes de trabalho, promover atividades educativas, fazer laudos de correção dos ambientes de trabalho, interditar os ambientes degradantes o governo também se omite em detectar trabalho análogo à escravidão, trabalho infantil”, adverte.
Rodela cita o exemplo do setor agropecuário, base eleitoral importante de Ratinho. O segmento é um dos que mais concentra acidentes de trabalho. Em julho do ano passado, oito trabalhadores morreram após explosão em um armazém de grãos localizado em Palotina, interior do Paraná. O caso segue em investigação, mas já durante o resgate, o Corpo de Bombeiros indicou a instabilidade do local administrado pela C. Vale – Cooperativa Agroindustrial.
“Sabemos as consequências danosas à saúde com o uso e abuso de agrotóxico. Dados já apontam que o manuseio, as aplicações de veneno podem causar câncer, por exemplo, não só aos consumidores como a quem faz a aplicação. Manter equipes de saúde fazendo inspeções sanitárias nessas áreas do grande capital causa estresse entre o empresariado e o governo. O que temos é os trabalhadores e as trabalhadoras, nas mais diversas áreas, expostos a riscos físicos, químicos e biológicos”, assinala.
Outra consequência é o adoecimento mental já que os trabalhadores são expostos a condições cada vez mais degradantes, jornadas extenuantes, insalubres e frequentes assédios. “Bater metas, por exemplo, pode gerar um processo crônico de ansiedade ou estar em um ambiente de trabalho gerador de competição e de hostilidade afeta a saúde mental”, acrescenta.
A cada 12 minutos, um acidente de trabalho é registrado no Paraná, segundo dados do MPT (Ministério Público do Trabalho). Entre os anos de 2012 e 2022, foram registradas 2.329 mortes de trabalhadores durante exercício de suas funções no estado.
No mesmo período, entre 2012 e 2022, ocorreram no Paraná 155.883 afastamentos pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) em razão de doenças e acidentes de trabalho.
Os principais motivos para os afastamentos são: fraturas (62% do total), traumatismos (13%), luxações (9%), ferimentos (7%) e amputações (5%), com os setores mais impactados sendo o de abate de suínos, aves e outros pequenos animais (5%), transporte rodoviário de carga (5%), comércio varejista em hipermercados e supermercados (3%), construção de edifícios (3%) e administração pública em geral (3%).
Apenas em 2022, foram observados 44.786 acidentes e 232 óbitos de trabalhadores e trabalhadoras com carteira assinada, aumentos de 8,1% e 3,6% em relação a 2021, respectivamente.
“É mais comum ouvir que o trabalho edifica as pessoas do que debatermos o quanto o trabalho adoece as pessoas. Pouco se fala do número de óbitos diários, o número de sequelados pelo trabalho. Ao não termos uma vigilância adequada também existe a subnotificação desses óbitos e adoecimentos. Então, os números que temos apesar de alarmantes ainda não estão estampados na grande mídia e se fossem divulgados ainda não seriam reais já que existe a subnotificação decorrente da falta de organização e estruturação adequada da rede de atenção integral à saúde do trabalhador”, destaca.
Quem cuida de quem cuida?
Ao mesmo tempo em que o dinheiro fica parado, o Centro Estadual de Saúde do Trabalhador e os oitos Centros Regionais de Saúde do Trabalhador sofrem com o sucateamento. Conforme informado pelo Portal Verdade, os locais enfrentam falta de equipamentos e profissionais.
Além de constante ameaça de fechamento, os Centros atuam com apenas 44% dos funcionários necessários (relembre aqui).
“Sobre a categoria podemos afirmar que estamos esquecidos em diversos aspectos. Sem reajuste no salário, com a nossa gratificação somando uma perda de 50% e outros retrocessos que prejudicam o desenvolvimento e a valorização profissional”, pontua.
Atualmente, os trabalhadores da saúde, no Paraná, têm encampado uma jornada de lutas em defesa do reajuste da GAS (Gratificação de Atividade de Saúde). O benefício é concedido à categoria devido o caráter insalubre e com risco de vida das funções que desenvolvem.
Levantamento do Ministério Público do Trabalho identificou que a profissão “técnico de enfermagem” é a segunda mais perigosa no estado, ficando atrás somente de “alimentador de linha de produção”.
“No campo da saúde dos trabalhadores da saúde, a omissão, o descaso se repete. Apesar da saúde pública ou privada ser o setor com maior número de adoecimento decorrente do trabalho, o estado nada faz permitindo o avanço dos problemas de saúde adquiridos no trabalho. É a contradição entre fazer saúde e descuidar da sua equipe que deveria ser considerada um preciosidade para a execução das políticas do governo”, desabafa.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.