Secretário Nacional da Criança e Adolescente é alvo de denúncias enviadas ao Ministério e à Corregedoria
O Brasil de Fato teve acesso a uma série de denúncias contra o Secretário Nacional da Criança e Adolescente, Claudio Augusto Vieira da Silva. Os relatos descrevem um ambiente hostil de trabalho no Ministério dos Direitos Humanos (MDH), comandado pelo advogado Silvio Almeida até a última sexta-feira (6).
No documento, encaminhado à então ministra interina da pasta, Esther Dweck, no domingo (8), os servidores apresentam algumas situações que qualificam como “práticas de extrema gravidade que vem ocorrendo de maneira sistematizada”, no âmbito da Secretaria Nacional da Criança e do Adolescente (SNDCA) do MDH, e pedem abertura de investigação e o afastamento do secretário. Os servidores preferem não se identificar.
Em um dos casos, uma empresa terceirizada teria entrado com processo após um caso de humilhação contra uma de suas trabalhadoras.
“Ele perguntava: ‘então você quer ser exonerada?’ então ou a gente concordava com tudo, ou era esse tipo de ameaça”, disse uma ex-servidora do MDH. “Eu estou te falando aqui, estou com vontade de chorar, porque eu nunca me senti tão mal”, desabafou.
A servidora relatou diversos casos que configurariam assédio moral, como ameaças públicas de exoneração, constrangimento e desqualificação de funcionários em reuniões, negativa do direito a férias e críticas às mulheres que gozavam de licença-maternidade.
Outra ex-servidora compartilhou prints de mensagens trocadas com o secretário durante suas férias, nas quais o chefe questiona a liberação do período de descanso remunerado. Segundo ela, durante chamada telefônica, o secretário ameaçou abrir um processo administrativo para apurar a suposta irregularidade na concessão das férias. Logo após a conversa, funcionários da pasta foram convocados para uma reunião com o secretário em que, segundo relatos, Vieira “desqualifica” o trabalho da servidora que estava ausente diante de sua equipe.
“Ao iniciar a reunião, o secretário tomou a palavra se dirigindo à minha equipe, para questionar ‘como eu consegui autorização para tirar as férias, já que ele não a autorizou’, sugerindo, desta feita, a possibilidade de burla do procedimento administrativo de autorização de férias. Alegou a não comunicação formal ao setor e não indicação de um colaborador responsável pela coordenação, enquanto estivesse fora. Dois dos colaboradores, presentes na reunião, me relataram que ficaram muito constrangidos quando o secretário perguntou a eles ‘o que tinham a dizer sobre a minha atitude’”, relata a servidora.
“Esta é uma prática contumaz do secretário, para além de destituir a diretora de suas competências e atribuições, oprime a maioria da equipe. Com controle doentio, usa ‘brincadeiras’ preconceituosas e pejorativas, sobretudo contra as mulheres; transforma o ambiente em opressor, portanto enfermiço”, completa, afirmando ainda sentir-se “desrespeitada, ultrajada como mulher e profissional”.
Em outra situação, uma das diretoras subordinadas ao secretário relatou casos que configurariam assédio moral à secretaria-executiva da pasta. Pouco tempo depois, a secretária foi exonerada a pedido do secretário.
Servidores pedem por mudanças imediatas
“O guia elaborado pela CGU apresenta 34 exemplos de condutas de assédio moral, das quais 14 práticas podem ser atribuídas, de maneira sistematizadas, ao comportamento do Secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Claudio Augusto Vieira da Silva, contra diversas pessoas que trabalham na SNDCA”, diz a denúncia dos servidores enviada a Dweck. Entre as práticas listadas no texto, está a privação de acesso a instrumentos de trabalho, a sonegação de informações necessárias à realização de suas tarefas, indução ao erro, crítica pública e sistemática de resultados individuais, além do assédio para que servidores não exerçam os seus direitos estatutários ou trabalhistas.
Os servidores afirmam no documento que “é frequente que o secretário se dirija com gestos e falas de menosprezo às Coordenações-Gerais, Diretoria e à Secretaria Executiva do Conanda”, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Segundo a denúncia, há casos de “brincadeiras” e comentários maldosos sobre mulheres, sugerindo que não engravidem, ou criticando as servidoras que gozam de licença-maternidade.
“O governo federal não pode mais pactuar com assédio moral e práticas misóginas, racistas, machistas e autoritárias, sobretudo no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania!”, cobram os servidores.
“A Política Nacional da Infância e Adolescência do Brasil precisa avançar, esse avanço não será possível com um Secretário Nacional que acha que existe ‘gravidez desnecessária’ e constrange as trabalhadoras da SNDCA a não engravidarem para não terem direito à licença-maternidade. Esse avanço não será possível com uma pessoa que fecha as portas da SNDCA para a construção conjunta com a sociedade civil e ainda desqualifica a atuação do terceiro setor. Esse avanço não será possível com uma pessoa que não compreende sobre infâncias e adolescências diversas, pois não possui letramento racial, de gênero e de classe”, diz o e-mail, enviado à ministra.
O Brasil de Fato entrou em contato com a corregedoria, responsável pelo processamento de denúncias contra servidores da pasta. Inicialmente, o órgão negou que houvesse processos em andamento. No entanto, a reportagem teve acesso aos números de protocolos das denúncias realizadas e voltou a questioná-los sobre o andamento dos processos ou os motivos para um eventual arquivamento, mas não obteve retorno.
A reportagem insistiu por um posicionamento do secretário nacional da Criança e Adolescente, Claudio Augusto Vieira da Silva, sobre as denúncias, também sem retorno. Assim que respondidos os questionamentos, serão incorporados a esta matéria.
Após aceitar o convite para assumir a pasta, a nova ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, afirmou que vai apoiar as investigações em curso sobre situações de assédio e violações de direitos no MDH. “Quanto às denúncias, é muito importante que os órgãos responsáveis façam as apurações devidas, e é isso que a gente está encaminhando”.
Relatório interno aponta casos de assédio moral
Segundo o Relatório de Gestão Correcional da Corregedoria do MDH, relativo ao exercício de 2023, o órgão apreciou 24 demandas que envolviam indícios de “condutas supostamente caracterizadoras de assédio moral ou sexual, nepotismo, inobservância de normas legais e regulamentares, entre outras, tendo sido efetivamente concluídas dez delas”.
O próprio relatório destaca que, “em relação aos citados procedimentos, destaca-se a prevalência do tema assédio moral, tendo sido esse o objeto de maior frequência nas apurações” da corregedoria. Como resultado, segundo o documento, foram instaurados dois processos administrativos disciplinares e nove procedimentos investigativos.
Guia Lilás
Em agosto de 2023, a Controladoria-Geral da União (CGU) lançou o Guia Lilás, com orientações para prevenção e tratamento ao assédio moral e sexual e à discriminação no governo federal.
O documento descreve o assédio moral como a “violação da dignidade ou integridade psíquica ou física de outra pessoa por meio de conduta abusiva”, e se manifesta “por meio de gestos, palavras, comportamentos ou atitudes que exponham o servidor, o empregado ou estagiário ou o terceirizado, individualmente ou em grupo, a situações humilhantes e constrangedoras, degradando o clima de trabalho e muitas vezes impactando a estabilidade emocional e física da vítima”.
O guia afirma ainda que o “assédio moral no ambiente de trabalho expõe as pessoas a situações de humilhação, constrangimento, intimidação, agressividade, menosprezo, causando-lhes sofrimento psíquico ou físico, interferindo negativamente tanto na sua vida pessoal quanto na sua vida profissional”.
Entre os exemplos de assédio moral descritos pelo documento da CGU estão: privar a pessoa do acesso aos instrumentos necessários para realizar o seu trabalho, contestar sistematicamente todas as suas decisões e criticar o seu trabalho de modo exagerado ou injusto, em especial na frente de outras pessoas, pressionar para que não exerçam seus direitos estatutários ou trabalhistas e interferir no planejamento familiar das mulheres, sugerindo que não engravidem. Situações que se enquadram nos relatos obtidos pela reportagem.
Fonte: Brasil de Fato