Dívida do estado com o funcionalismo público já chega a 37%. Além do pagamento, trabalhadores denunciam sucateamento da educação pública no Paraná
“Mais um calote nos servidores”, é desta forma que Marcelo Seabra, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Técnico-Administrativos da UEL (ASSUEL) explica o não pagamento da data-base pelo governador Ratinho Junior (PSD) em entrevista ao Aroeira, da Rádio UEL FM. Estabelecida juntamente com a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) em 1943, a data-base de uma categoria profissional corresponde ao período destinado à correção salarial, e encaminhamento de discussões para melhoria das condições de trabalho bem como ampliação de direitos e benefícios. Ouça:
Ronaldo Gaspar, professor do departamento de Ciências Sociais da UEL, presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Superior Público Estadual de Londrina e Região (SINDIPROL/ADUEL), também comenta que mesmo após semana intensa de manifestações por todo o estado, o governador Ratinho Júnior (PSD) não apresentou nenhuma proposta que garanta o pagamento da data-base. “Continuamos com esta imensa defasagem salarial que hoje está em torno de 37% [considerando também as perdas acumuladas durante a gestão de Beto Richa] e crescendo. Hoje, a inflação tem se acentuado e podemos chegar no final do ano com cerca de 48%”, ele adverte.
Segundo Gaspar, a situação torna-se cada vez mais insustentável e o prazo estabelecido pelo governo (03 de julho) para aprovação da lei da data-base devido ao período eleitoral deverá ser contestado pela categoria. O dirigente também aponta que as mobilizações continuam: “precisamos manter a organização agora no segundo semestre para se não conseguirmos nada em relação a nossa data-base, nós tenhamos ao menos força para começar o ano de 2023 com uma grande mobilização, quiçá uma greve do funcionalismo estadual”.
Márcio André Ribeiro, professor da rede estadual de ensino e presidente da APP-Sindicato em Londrina ressalta que a alta defasagem salarial compromete a qualidade de vida e até mesmo a subsistência dos servidores. A APP-Sindicato representa todos os professores e funcionários de escolas, totalizando cerca de 120 mil servidores concursados e temporários no Paraná.
Embora a arrecadação do estado tenha crescido 17%, levando o governo a registrar R$ 7,2 bilhões de superávit em 2021, Ribeiro não tem expectativas de que o pagamento ocorra brevemente. “Este é um governo sem nenhum compromisso com os serviços públicos e com os servidores públicos. Um governo apenas para as elites, para a classe empresarial em todos os segmentos, o que traz uma dificuldade muito grande no diálogo. Desde o início, este governo sempre teve muita dificuldade em dialogar com as organizações e representações sindicais do funcionalismo público, muita falta de vontade de discutir o que é de direito, em princípio, de todo trabalhador brasileiro que é a reposição inflacionária anual”.
Manifestações
2022 tem sido mais um de ano de luta para o funcionalismo público no Paraná. No último 29 de abril, dia que marcou sete anos do massacre do Centro Cívico cometido pelo governo Beto Richa (PSDB), trabalhadores ocuparam as ruas de Curitiba-PR para cobrar a concessão de data-base do último período (12,13%), mais o percentual de 3,39% referente a data-base de 2015 – já ratificado por lei e decisão judicial.
Sem resposta, servidores estaduais organizaram o Dia de Paralisação Geral pela Data-Base, em 21 de junho. Com isso, diversas ações foram realizadas como panfletagem no campus da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e representantes do Fórum das Entidades Sindicais (FES) participaram de reunião com o chefe da Casa Civil, João Carlos Ortega e deputados estaduais governistas e de oposição. Na conversa, também foram pautadas outras reinvindicações como o fim do confisco na aposentadoria que já atinge 14% e garantia de cumprimento das progressões de carreira, quinquênios e anuênios relativos aos anos de 2021 e 2022.
Na quinta-feira (30), Renato Feder, Secretário Estadual de Educação, tinha visita agendada ao Colégio Estadual Professora Adelia Dionisia Barbosa, em Londrina-PR. Dirigentes regionais da APP-Sindicato ficaram em frente à escola esperando o representante da pasta a fim de discutir as demandas do funcionalismo, porém, Feder não compareceu.
Contratação temporária e prova didática
Além do reajuste salarial, a categoria de profissionais da educação tem solicitado ao governo a suspensão da obrigatoriedade de prova didática no edital de contratação via processo seletivo simplificado (PSS). Entre as justificativas, a APP-Sindicato indica que a exigência do envio de um vídeo por parte do candidato, desrespeita o princípio da igualdade de condições entre os concorrentes, visto que não todos que possuem dos recursos e conhecimentos técnicos para a gravação.
A realização de prova didática constitui um passo de contratação através de concursos públicos e não de regime de trabalho temporário e, portanto, ainda mais precarizado. “Uma prova que é um custo exorbitante via contratação de uma empresa [Instituto Consulplan] para prepará-la. Uma prova de nível de concurso público que poderia ser, de fato, um concurso público, mas o governo se nega e a destina apenas para contratação temporária, inclusive, exigindo aula em YouTube e outras plataformas, questões que não estamos preparados para fazer e não é nossa função, nosso papel é pedagógico. Mesmo isto temos tido dificuldade de reverter e convencer o governo de que esta exigência é descabida. Mas continuamos resistindo e lutando pelos direitos de todos nós”, afirma Márcio Ribeiro.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.