Praticamente metade dos trabalhadores negros ocupados estava na informalidade
Esta segunda-feira, dia 20 de novembro, marca o Dia Nacional da Consciência Negra. Essa data foi instituída oficialmente pela Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011, e remete ao dia em que foi assassinado o líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi, no ano de 1695. Símbolo de resistência, o protagonismo de Zumbi é alvo de apagamento a partir de uma história eurocêntrica, que privilegia a supremacia branca.
Mediante o dia, o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) publicou boletim especial no qual evidencia as dificuldades para ingresso e permanência de trabalhadores negros no mercado de trabalho. Os dados partem da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PnadC-IBGE), e referem-se ao 2º trimestre de 2023.
Como ratificado por diversos estudos, trabalhadores negros enfrentaram mais dificuldades para conseguir um posto, principalmente, aqueles com vínculo formal bem como para progredir na carreira. Mulheres negras encaram adversidades ainda maiores do que os homens, por vivenciarem a discriminação por raça e gênero.
De acordo com o levantamento, embora representem 56,1% da população em idade de trabalhar, apenas um em cada 48 trabalhadores negros ocupa função de gerência, enquanto entre homens brancos, a proporção é de um para 18 trabalhadores.
Ainda, segundo o relatório, no segundo trimestre de 2023, enquanto a taxa de desocupação de trabalhadores brancos era de 6,3%, entre mulheres negras o índice saltava para 11,7% – quase o dobro.
Mais de um quarto das mulheres negras aptas a compor a força de trabalho declararam se encaixar em uma das seguintes situações: estavam desocupadas; não tinham procurado trabalho por falta de perspectiva ou estavam ocupadas, mas com carga de trabalho inferior à que gostariam (26,6%). Entre os homens brancos, essa taxa foi de 11,2%.
Piores postos de trabalho
Também com base na pesquisa, quando conseguem ocupação, as condições de trabalho de negras e negros são mais desfavoráveis. Em geral, conseguem se colocar em postos mais precários e têm maiores dificuldades de ascensão profissional. Apenas 2,1% dos trabalhadores negros – homens ou mulheres – estavam em cargos de direção ou gerência no final do ano passado.
A proporção de negros empregadores também é menor. Enquanto 1,8% das mulheres negras eram donas de negócios que empregavam funcionários, a proporção entre mulheres brancas foi de 4,3%. Entre homens negros, o percentual ficava em 3,6%. Entre homens brancos, a proporção foi maior: 7%.
Informalidade
A informalidade também é maior entre trabalhadores negros. Praticamente metade dos negros ocupados estava em trabalhos desprotegidos: 46,5% das mulheres negras e 45,8% dos homens negros. Entre trabalhadores brancos, essa proporção foi de 34%.
Uma em cada seis mulheres negras ocupadas trabalha como empregada doméstica – uma das ocupações mais precarizadas em termos de direitos trabalhistas e reconhecimento (15,8%). Trabalhadoras domésticas negras sem carteira assinada recebiam, em média, R$ 904 por mês – valor R$ 416 abaixo do salário mínimo em vigência.
No 2º trimestre de 2023, trabalhadores negros ganhavam, em média, 39,2% a menos que brancos. Conforme demonstrou o Portal Verdade, mesmo com igual nível de escolaridade, a diferença no rendimento se mantém, atingindo 13% (relembre aqui). Com isso enquanto o rendimento mensal de empregados no setor privado com carteira assinada atingiu R$ 3.547 no período, a remuneração de mulheres negras cai para R$ 2.017 no setor. A diferença é de R$ 1.530 a menos no bolso nas trabalhadoras.
Para Tamara Vieira, professora na educação básica e doutoranda em Sociologia na UEL (Universidade Estadual de Londrina) há consenso de que existe racismo no Brasil, porém, tanto os poderes públicos como a população têm dificuldades de identificar os agressores e, inclusive, de virem a se reconhecer como um deles.
“A dificuldade de reconhecimento do agressor está relacionado a fatores como criminalização do racismo, de desnaturalizar o privilégio de ser branco e consequentemente os ganhos que se tem por ser branco, apenas pelas características físicas. Por outro lado, temos a diminuição da dor que sentimos pela violência do racismo e suas consequências psicológicas, sociais e econômicas”, diz.
Pesquisa intitulada “Percepções sobre o racismo no Brasil”, realizada pela Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec), sob encomenda do Instituto de Referência Negra Peregum e do Projeto Seta (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista), divulgada em agosto deste ano, observou que para 81% da população, o Brasil é um país racista.
De acordo com a docente as discussões sobre trabalho escravizado e processos de abolição ainda são tabus e contribuem para a perpetuação das violências. “A abolição não significou a inserção dos negros na sociedade brasileira como mulheres e homens livres, detentores de direitos, de uma cidadania plena como bem pontua José Murilo de Carvalho na obra ‘Cidadania no Brasil’. Falar sobre abolição significa falar do ressarcimento das populações negras e indígenas”, avalia.
De acordo com a pesquisadora, a falta de debate beneficia os grupos dominantes, mantendo uma lógica de poder baseada no pertencimento étnico-racial e sob o qual a negritude é alvo de opressões diversas.
“Reconhecer quem é o agressor implica saber quem são as pessoas que se privilegiam com a exclusão do negro na sociedade brasileira e, consequentemente, puni-las por serem beneficiadas por esta violência. Temos que garantir mecanismos de eficiência de ressarcimento, de políticas de ações afirmativas seja no que diz respeito a obrigatoriedade dos conteúdos africana e afro-brasileira, estabelecidos pela Lei nº 10.639, ou seja, eu tenho uma lei, mas não tenho recursos para avaliar a aplicação”, ressalta.
Medidas
Também nesta segunda-feira o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), lança o segundo Pacote pela Igualdade Racial, um conjunto de 13 ações apresentadas pelo Ministério da Igualdade Racial, em parceria com outras dez pastas e órgãos federais.
No Pacote pela Igualdade Racial, constam titulações de territórios quilombolas, implementação de um programa que reserva até 30% de vagas em cargos de comissão e funções de confiança no âmbito da administração pública federal para pessoas negras, entre outras iniciativas que garantem ou ampliam o direito à vida, à terra, à inclusão, à memória e à reparação.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.