Liminar de Luís Roberto Barroso indica irregularidades e racismo em decisão da Câmara de Curitiba
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou na noite desta sexta-feira (23), que a Câmara de Curitiba devolva o mandato do vereador Renato Freitas (PT), cassado de maneira irregular por seus pares. Com a decisão do STF, Renato Freitas não apenas retomará a vaga no Legislativo municipal como poderá ser candidato a deputado estadual na chapa do PT.
Em sua decisão liminar, Barroso diz que a Câmara de Curitiba desrespeitou as regras necessárias para fazer a cassação e aponta indícios de racismo no processo. A decisão foi publicada horas antes de o vereador Renato Freitas ter um encontro com o Papa Francisco, em Assis, na Itália, neste sábado (24). Depois de a Arquidiocese de Curitiba dizer que não era o caso de cassar o vereador por se manifestar dentro de uma Igreja, o próprio Sumo Pontífice aceitou receber o curitibano em uma audiência.
Renato Freitas
No texto de sua liminar, Barroso diz que a cassação, por implicar a perda de um mandato outorgado pelo povo, precisa seguir estritamente a lei. E afirma que a Câmara não tinha o direito de estabelecer em seu regimento que o prazo para o procedimento de cassação era de “90 dias úteis”, quando um decreto federal, que tem autoridade maior, estabelece 90 dias corridos.
Mais do que isso, Barroso é muito claro ao dizer que houve racismo estrutural na cassação. “Como fenômeno intrinsecamente relacionado às relações de poder e dominação, esse racismo estrutural não deixa de se manifestar no âmbito político. Não por acaso, o protesto pacífico em favor das vidas negras feito pelo vereador reclamante dentro de igreja motivou a primeira cassação de mandato na história da Câmara Municipal de Curitiba. Não à toa, a população afrodescendente é sub-representada no legislativo local: são apenas 3 vereadores negros em um universo de 38 parlamentares (em uma cidade em que 24% da população é negra)”, diz o texto.
Cassação ilegal
Renato Freitas, vereador negro e periférico eleito para seu primeiro mandato em 2020, foi acusado de quebra de decoro parlamentar. Isso porque ele entrou na Igreja do Rosário, no centro histórico de Curitiba, no dia 5 de fevereiro, durante uma manifestação antirracista. Os manifestantes protestavam contra o assassinato de dois homens negros. E houve discursos dentro da igreja, erguida originalmente por escravos.
Depois da manifestação, cinco representações foram levadas ao Conselho de Ética da Câmara. A Corregedora Amália Tortato (Novo) viu indícios de quebra de decoro e sugeriu a abertura de procedimento contra o vereador. O Conselho de Ética decidiu por cinco votos contra dois que a punição adequada seria a cassação.
O plenário da Câmara acabou aprovando a cassação em duas sessões especiais. No entanto, as sessões foram anuladas pela Justiça e precisaram ser refeitas. Quando o presidente Tico Kuzma (Pros) remarcou as sessões, porém, o prazo decadencial para o procedimento já havia sido ultrapassado. Mesmo assim, a Câmara levou a cassação adiante.
Deputado estadual
Depois de cassado, Renato Freitas registrou sua candidatura a deputado estadual, que já vinha sendo planejada. No entanto, como a cassação resulta na perda de direitos políticos, o Tribunal Regional Eleitoral decidiu que Renato estaria inelegível até 2032. E por isso rejeitou o registro da candidatura. A defesa recorreu ao STF para rever essa decisão e também uma outra do Tribunal de Justiça que negava a retomada do mandato.
Com a decisão de Barroso, Renato Freitas retorna à Câmara e pode ser candidato a deputado. Seus pares especulam que após toda a repercussão causada pela investigação e pela cassação, suas chances de conseguir uma vaga na Assembleia Legislativa são reais.
Com a volta de Renato à Câmara, quem deixa o mandato é a suplente Ana Júlia Ribeiro (PT), também candidata a deputada estadual.
Sem quebra de decoro
Em declaração enviada ao Plural, o advogado Guilherme Gonçalves, líder da equipe de defesa de Renato Freitas disse que “a liminar do ministro Barroso é magnífica”. “O mais importante, o mais bonito, o mais inovador é esse reconhecimento por um dos mais competentes ministros do STF, é que o ato punido foi um ato legítimo de liderança política, de um discriminado, de um perseguido em favor de seus irmãos negros”, disse Gonçalves.
“A decisão não reconhece só a ilegalidade da cassação do Renato Freitas. A liminar reconhece sobretudo a injustiça, a inconstitucionalidade e a inexistência de quebra de decoro da parte de um menino periférico que ousa superar o apartheid social, que incomoda pelo que ele faz, mas que representa uma parte da sociedade política que não faz mais sentido que fique de fora do debate político brasileiro. E nesse sentido, mais do que restaurar a legalidade, a decisão do ministro Barroso restaura a Justiça, e livra a cidade de Curitiba dessa vergonha”, afirmou.
Além de Guilherme Gonçalves e sua equipe, atuaram na defesa de Renato os advogados Kakay, Edson Abdala e Luiz Carlos da Rocha.
Veja quem votou na cassação ilegal
Autores da denúncia
Eder Borges (PP)
Pier Petruzziello (PP)
Osias Moraes (Republicanos)
Pastor Marciano Alves (Solidariedade)
Votaram a favor
Alexandre Leprevost (Solidariedade)
Amália Tortato (Novo)
Beto Moraes (PSD)
Denian Couto (Pode)
Ezequias Barros (PMB)
Flávia Francischini (União)
Hernani (PSB)
Indiara Barbosa (Novo)
João da 5 Irmãos (União)
Jornalista Márcio Barros (PSD)
Leonidas Dias (Solidariedade)
Marcelo Fachinello (PSC)
Mauro Bobato (Pode)
Mauro Ignácio (União)
Noemia Rocha (MDB)
Nori Seto (PP)
Oscalino do Povo (PP)
Sargento Tânia Guerreiro (União)
Serginho do Posto (União)
Sidnei Toaldo (Patriota)
Tico Kuzma (Pros)
Tito Zeglin (PDT)
Toninho da Farmácia (União)
Zezinho Sabará (União)
Votaram contra a cassação
Carol Dartora (PT)
Dalton Borba (PDT)
Herivelto Oliveira (Cidadania)
Marcos Vieira (PDT)
Maria Letícia (PV)
Professora Josete (PT)
Professor Euler (MDB)
Abstenção
Salles do Fazendinha (DC)
Fonte: Redação Jornal Plural