O documento de maior abrangência, busca captar apoio de organizações em todo Brasil e demais países
As dificuldades de dialogar com o prefeito de Londrina, Tiago Amaral (PSD), acerca da incorporação das Secretarias Municipais do Idoso, Assistência Social e Políticas para as Mulheres pela nova pasta nomeada “Família e Desenvolvimento Social” permanecem.
Conforme apontam lideranças, uma semana após a reunião solicitada com o poder Executivo local, no último 17 de janeiro, o órgão ainda não emitiu nenhum comunicado se irá rever a decisão. O pedido parte de mais de 40 entidades que assinaram manifesto classificando a extinção das três secretarias como “um grande retrocesso” (relembre aqui).
Em entrevista ao Portal Verdade, Sueli Galhardi, presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, avalia que a reunião não atendeu as expectativas. De acordo com ela, já naquele momento, a atual gestão não sinalizou que pretende recuar e nem mesmo demonstrou interesse em aprofundar o debate.
“O prefeito [Tiago Amaral] é como se ele estivesse em campanha, falando das suas perspectivas de atuação, suas demandas e dificuldades. Depois pudemos argumentar mostrando para ele os nossos pontos de vista, análises consistentes de quem trabalha com políticas públicas há muitos anos, de quem representa órgãos de defesa de direitos humanos há muitos anos. E quando terminamos a reunião a resposta foi ‘então está bom, tchau gente’. Então, o que significa isso? Significa que não amarrou nenhuma perspectiva de um retorno”, indica.
A liderança destaca a urgência da decisão já que das secretarias dependem uma série de programas. “Uma semana é tempo suficiente para a pessoa dar um retorno. Nós estamos preocupados com a execução das políticas públicas”, reforça.
Ainda, Sueli pontua que o apoio de diferentes organizações à permanência das secretarias, que são referências no país, não foi considerado durante a conversa. Londrina é pioneira na implantação de secretarias específicas para o atendimento à mulher e à população idosa.
“Nós temos um grupo de articulação das três políticas e esse grupo vem discutindo estratégias de sensibilização, para que nos escutem, que ele [Tiago Amaral] realmente reveja o posicionamento. Quando nós temos 40 entidades apoiando e são entidades representativas da sociedade e das populações atendidas, nós temos que respeitar esse movimento. Nós acreditamos nisso, que nós temos que respeitar essa construção”, assinala.
Mesmo assim, ela indica que permanece a estratégia de levar a situação ao conhecimento de órgãos nacionais e internacionais, que atuam em defesa e proteção de direitos.
“Continuamos dando visibilidade ao retrocesso que está acontecendo no município de Londrina, porque nós temos consenso de que isso é um grande retrocesso, como já foi dito, somos referência nacional”, evidencia.
Com este intuito, representantes dos três segmentos elaboraram um novo manifesto, visando abrangências nacional e internacional, ou seja, a intenção é comover todo o Brasil e outros países, a fim de que possam somar na luta pela manutenção das três secretarias, sem nenhuma espécie de reestruturação que venha afetar a manutenção dos serviços prestados (acompanhe documento abaixo).
“Contra as inúmeras manifestações locais, o prefeito está irredutível na junção das três estruturas em uma pasta denominada “Secretaria da Família e Desenvolvimento Social”. Com tal ato, o prefeito desconsidera o longo e exaustivo processo de construção de tais políticas, ignorando suas especificidades, suas estratégias, sua independência orçamentária e de recursos humanos e técnicos, promovendo, consequentemente, seu desmantelamento e atingindo negativamente as pessoas que delas precisam. O prefeito contraria sua promessa de campanha de investimento em recursos financeiros e humanos para melhorar o atendimento à população”, diz o documento.
“Entendemos que não podemos ficar só na cidade de Londrina, temos que abrir essas informações para vários órgãos e espaços como Câmara de Deputados, outras entidades públicas que possam também interferir no sentido de nos apoiar nessa luta”, explica Sueli.
A assistente social destaca, entre outros elementos, a importância de respeitar a participação popular na gestão das políticas públicas.
“A ideia do manifesto é dar visibilidade ao que está acontecendo na cidade de Londrina, e estamos pedindo apoio a esses órgãos de defesa, para que interfiram a favor dessa sociedade que nós queremos, que é uma sociedade que possa respeitar o estado democrático de direito, com a participação de todos os órgãos de controle da sociedade civil”, pontua.
Sueli também compartilha a preocupação com a perda de recursos não apenas municipais, visto que as secretarias também concorrem a editais estaduais e nacionais de financiamento. Participar das disputas, ela adverte, só é possível pela institucionalização das pastas.
“Se fundir e se tornar uma diretoria, no caso a pessoa idosa e da mulher, dentro da assistência, nós vamos perder recursos nas três políticas públicas, inclusive na assistência social, porque dentro do Sistema Único de Assistência, que é um sistema nacional, nós só conseguimos captar recursos para a cidade de Londrina, porque temos uma secretaria municipal de assistência social também. Então, isso inviabiliza”, alerta.
Economizar, mas como?
Sueli também crítica a falta de informações mais detalhadas por parte da atual legislatura, que tem apontado a eficiência e corte de gastos como principais motivações para a fusão. Porém, ainda não foi detalhado como se dará, por exemplo, a distribuição de recursos para cada uma das três frentes, o que dificulta o planejamento das respectivas áreas, que atendem, principalmente, camadas vulnerabilizadas da sociedade.
“Não está claro a proposta dele [Tiago Amaral], porque ele não colocou qual é a sua proposta, só fala em integração e otimização de recurso, então, nós sabemos que isso vai trazer um prejuízo imenso para toda a população atendida”, diz.
“Os argumentos utilizados pelo prefeito são sempre ligados à economicidade. Primeiramente, que na política pública estamos falando de vidas, de pessoas, estamos falando de investimento. A economicidade ela pode se dar em outros setores”, ela acrescenta.
Angela Tomasetti, presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa de Londrina, também indica que até o momento não foi apresentado por parte da Prefeitura, nenhum plano de como se dará a chamada “reforma administrativa”, que deverá ser enviada à Câmara Municipal de Londrina, após o recesso legislativo, em fevereiro.
“O prefeito justificou a intenção de unificação das Secretarias para o contingenciamento de gastos, mas não foi informado quais valores seriam economizados, de que forma funcionaria a unificação e como isso seria estruturado. Na realidade, apesar de a reunião ter iniciado com o pedido ao prefeito para explicar de que maneira ele pretende a unificação, não nos apresentou nenhuma informação a esse respeito”, adverte.
A advogada ressalta o descumprimento do compromisso assumido durante campanha. No transcorrer da corrida para Prefeitura de Londrina, os setes candidatos – incluindo Tiago Amaral – assinaram uma carta em que garantiam a manutenção e investimento das secretarias municipais.
“A atual gestão firmou um compromisso em campanha, afirmando que fortaleceria as políticas públicas, investindo financeiramente e com recursos humanos para melhorar o atendimento dado ao cidadão londrinense. Nos entanto, logo nos primeiros dias de mandato, fomos surpreendidos com a notícia de unificação das secretarias”, observa.
Desigualdade impõe políticas específicas
Sueli também questiona a declaração da secretária, Marisol Chiesa, que deverá ficar a frente da nova pasta. Segundo ela, mesmo com a fusão, nenhuma das três áreas sofrerá prejuízos. Ainda, em entrevista ao Portal Bonde, a secretaria disse que “não tem como dividir um ser humano. Ele tem que ser visto na sua totalidade”.
Porém, a presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher ressalta a diferença entre integração e fusão. Além disso, face às desigualdades de gênero, renda, pertencimento étnico-racial, é fundamental que as políticas sejam planejadas de maneira dialogada, interseccional.
“Integração das políticas não significa fusão dessas políticas, que têm estruturas próprias, sistemas diferentes. Esse não seria um argumento que para nós, que nos convence, exatamente porque nós entendemos que as políticas públicas elas têm que ser fruto desse processo de discussão de diálogo entre a sociedade civil o controle social, e nós somos órgãos de representação dessas populações que atendemos”, reflete.
Confira manifesto na íntegra:
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.