Novo ato será realizado no fim desta tarde, a partir das 17h30, também em frente ao RU
Estudantes, docentes e demais servidores da UEL (Universidade Estadual de Londrina) se reuniram em frente ao RU (Restaurante Universitário) no início da tarde desta segunda-feira (27) para denunciar crimes de assédio e importunação sexual relatados na DASC (Divisão de Assistência à Saúde da Comunidade). O espaço, vinculado ao HU (Hospital Universitário), presta atendimento ambulatorial, nas áreas de clínica médica, ginecologia, enfermagem e odontologia a alunos e funcionários da Instituição.
As queixas ganharam visibilidade na última semana, após uma jornalista procurar a Ouvidoria da Universidade e a Delegacia da Mulher alegando que, durante consulta para tratar de um escape menstrual e marcar um exame preventivo, o ginecologista M.A.C, falou sobre posições sexuais enquanto gesticulava para demonstrar os movimentos. Desde a repercussão da violência por meios de comunicação locais e nacionais, mais cinco mulheres já se pronunciaram alegando serem vítimas do mesmo médico. Além dos crimes sexuais, os abusos envolvem violência obstétrica e lesbofobia.
“Os atos do dia 27 são de extrema importância para a nossa luta contra os crimes sofridos pelas pacientes da DASC-UEL e na nossa luta contra o assédio e abuso. Com eles, mostraremos nossa força, nossa voz e nossa indignação mobilizando o máximo de pessoas, além de mandar um recado importante para todes: não toleraremos mais sermos tratades assim”, indica Maria Julia do Carmo Mazzaro, estudante de Ciências Sociais na UEL, e atualmente membra da gestão do Centro Acadêmico do curso.
“Consideramos o caso emblemático: temos a expectativa que o médico nos acolha e ofereça atendimento respeitoso no momento que precisamos de cuidado. E o que recebemos são denúncias que remontam a mais de a década de diversas violências, inclusive assédio e importunação sexual, contra mulheres. As denúncias são sobre atendimentos na DASC e também na Maternidade Municipal”, complementa Meire Moreno, professora na rede estadual, doutoranda em Sociologia na UEL.
A docente destaca que os protestos não tem como objetivo chamar atenção somente para o episódio que motivou a denúncia mais recente, mas para toda a repressão e violência as quais as mulheres estão submetidas cotidianamente, em especial, para o acesso aos direitos sexuais e reprodutivos – área que foi extremamente negligenciada nos últimos quatro anos em face da ascensão de um governo de extrema-direita, liderado por Jair Bolsonaro (PL), e suas agendas contrárias à igualdade e diversidade de gênero.
“Por isso vamos protestar! Eles não passarão! Não mais! Nosso protesto é um recado para os agressores e para toda sociedade. Se mexeu com uma, mexeu com todas! Chega de Assédio! Queremos nossos corpos livres! No contexto da sociedade machista e patriarcal, crescemos sabendo que seremos vítimas. Isso não é admissível. Precisamos mudar esse quadro”, ela ressalta.
“Ouvidoria mais confiável”
O ato, convocado por coletivos da cidade como a Frente Feminista, foi organizado em reunião aberta realizada na última sexta-feira (24), no campus. O protesto iniciou às 12h e contou com aproximadamente 50 pessoas. Cartolinas e microfones foram disponibilizados para que os participantes se manifestassem.
Além disso, cartazes instrutivos foram expostos. “Não é não”. “Insistência sexual que causa incomodo não é flerte, é assédio”. “Chega de machucar as pessoas” – foram algumas das frases que puderam ser acompanhadas juntamente com informações sobre canais responsáveis por acolher as vítimas, a exemplo do SEBEC (Serviço de Bem Estar à Comunidade).
“O SEBEC está aberto para acolher a todas, todos e todes que precisarem. Muitas vezes a gente não tem os mecanismos mais adequados para estamos lá para pensarmos juntos e firmar ações que sejam de enfrentamento às violências”, afirma Carla Pagnossim, psicóloga, chefe de Serviço Social e Saúde Mental no Órgão.
Ainda, de acordo com a profissional, que atua no SEBEC há 20 anos, nas últimas duas gestões, ou seja, desde o mandato do professor Sérgio de Carvalho – à frente da Reitoria entre 2018 e 2022 – e na administração atual liderada pela professora Marta Regina Favaro, a Ouvidoria está mais assertiva no registro e encaminhamento das denúncias.
“A Ouvidoria está mais confiável, registrando os casos. Inclusive, quem já levou queixas à Universidade, via Ouvidoria, antes ou mesmo nos últimos anos e não sabe se ela foi registrada, volte a encaminhá-la, e se possível documente. Fale quando foi da primeira vez, se tiver datas, e-mails, acople todas as informações. A primeira demanda é ser vigilante nos registros e isto não era feito até pouco tempo atrás na Universidade Estadual de Londrina. Sempre que se podia tentava mediação, conciliação e não se registrava o que acontecia”, ressalta Pagnossim.
Política Institucional
Após mobilização no RU, os organizadores chamaram um cortejo até o Gabinete da Reitoria a fim de demonstrar apoio ao processo de investigação instaurado e cobrar celeridade. Os manifestantes foram recebidos pela Reitora e demais integrantes da equipe gestora.
Para Martha Ramírez-Gálvez, professora do Departamento de Ciências Sociais e integrante do grupo de trabalho criado pela Reitoria com o intuito de levantar mais informações sobre casos de assédio e violências de gênero na Universidade, o caso da DASC é um “pivô” para que o debate sobre tais opressões seja amplificado no ambiente acadêmico.
Ela conta que um relatório está sendo preparado e em breve será entregue à administração da UEL. A expectativa é que os dados coletados subsidiem a formação de uma política institucional de combate às violências de gênero. Atualmente, a Universidade conta com frentes que realizam o acolhimento de vítimas, a exemplo da Juntes (Comissão de Prevenção à Violência Sexual e de Gênero) do CECA. Também foi disponibilizado um canal específico para denúncias de preconceitos e abusos contra a mulher e comunidade LGBTQIA+. Saiba mais aqui.
“É muito importante que se denuncie, para que estas queixas cheguem na Universidade através dos canais institucionais. A Ouvidoria abriu recentemente um canal para recebe-las. Enquanto estas denúncias não forem formalizadas, a UEL não pode fazer nada. Então, é um convite para que todas, todos, todes denunciem e para que peçamos para que Universidade tome alguma atitude para resolver este problema que não é exclusivo da UEL, a maior parte das universidades têm criado políticas de prevenção a violência sexual e de gênero e a UEL não pode ficar a margem”, observa.
Marselle Nobre de Carvalho, professora do Departamento de Saúde Coletiva da UEL, pontua que a naturalização dos machismos, sexismos e demais desigualdades de gênero no cotidiano, dificulta a identificação do que é o assédio por parte da vítima e do agressor. Diante disso, a docente ressalta que casos de importunação, assédio estão condicionados à subnotificação, ou seja, as queixas tendem a ser ainda maiores.
“Isto não acontecendo apenas no HU, não é um caso isolado, mas é preocupante porque é um espaço de formação de estudantes que, provavelmente, estão aprendendo daquela maneira, achando que é normal comentar sobre o corpo do paciente, tocar partes do corpo sem consentimento dela ou sem ela saber que faz parte de algum procedimento ou até mesmo de desqualificar o serviço público de saúde, o que não deveria porque o Hospital é totalmente SUS [Sistema Único de Saúde]”, avalia.
Carvalho também pondera que espera que o episódio fortaleça o estabelecimento de uma política de enfrentamento às opressões de gênero na UEL. “Estamos, de fato, com a expectativa de que este caso seja um emblema para que políticas sejam disparadas a partir dele para que outras pessoas identifiquem o que é assédio e a comunidade universitária comece a combater o assédio de forma mais enfática do que tem feito até então”, indica.
Na última sexta-feira (24), por meio de nota, a Reitoria informou que o servidor envolvido foi afastado da Universidade. Indicou, ainda, que “procedimentos administrativos preliminares”, em caráter sigiloso, estão sendo conduzidos com base no regimento da Instituição. Veja documento na íntegra.
Além no ato, que aconteceu nesta manhã, os organizadores voltam ao RU no final da tarde, 17h30 para conversa e panfletagem com estudantes do período noturno. A finalidade é trazer mais informações sobre as formas de violência de gênero existentes (violência doméstica, assédio sexual, importunação sexual, violência obstétrica são alguns exemplos) e indicar quais são os canais para denúncia.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.