Para pesquisadores, anúncios revelam racismo enraizado na sociedade brasileira
Levantamento recém-publicado pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ebape) demonstra a interferência do racismo e sexismo no mercado de trabalho. A investigação identificou 285 anúncios que restringem o recrutamento de mulheres brancas para exercer funções de cuidadora de crianças ou idosos e realização de trabalhos domésticos. A busca foi realizada em sites que anunciam novas oportunidades de emprego como LinkedIn, Catho e Vagas.com.
No artigo “Racismo, sexismo e resquícios do escravismo em anúncios de empregos”, que reúne resultados do estudo, os pesquisadores Ana Flávia Rezende da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e Luís Fernando Silva Andrade vinculado a Universidade Estadual Paulista (UNESP), ponderam que, embora o trabalho doméstico seja exercido predominantemente por mulheres negras no país (65%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), ainda persiste o ideal de uma trabalhadora branca para contratação.
Deste modo, os professores destacam que a utilização de expressões como “boa aparência”, “cabelos compridos”, “boa higiene” nos anúncios é um eufemismo que tenta mascarar a discriminação racial, já que valorizam caraterísticas físicas frequentemente associadas a pessoas brancas. A reprodução de um projeto colonial também pode ser observada na publicização de vagas que estipulam jornadas extenuantes e sem acesso a direitos trabalhistas.
“A boa aparência não é vinculada a características de pessoas negras, que historicamente são vistas como sujas. O cabelo, as tranças, os dreads. Isso tudo são exemplos de características que as pessoas relacionam com corpos que não estão limpos. Também tem a questão de relacionar corpos negros a trabalho pesado, suor e odores”, explica Andrade.
Ainda com base no mapeamento, foram identificadas menções a “preferencialmente mulheres brancas” em anúncios veiculados nas cidades de Pindamonhangaba, estado de São Paulo, e Araxá em Minas Gerais, por exemplo.
“As vagas encontradas para trabalhadoras domésticas, além de definir como perfil desejado ‘possuir boa aparência’, também indicavam a preferência por ‘mulher’. Uma das vagas de babá acrescenta ao perfil desejado: ‘sem filhos pequenos’ e ‘sem marido’, já a segunda vaga explicitava que o ideal era que a candidata fosse ‘mãe’. A vaga para cuidadora de idosos, por sua vez, estipula que o perfil ideal é uma mulher ‘jovem’ (entre 25 a 35 anos), tenha ‘disponibilidade para trabalhar todos os dias de semana (inclusive finais de semana) e dormir no trabalho”, acrescenta o relatório.
Lei veda discriminação
A Lei federal nº 9.029, de 13 de abril de 1995, proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional ou idade.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.