Imigrantes que fugiram da miséria na Venezuela veem adiado sonho de voltar para a terra natal
O fato de Nicolás Maduro ter se autoproclamado vencedor das eleições do último domingo foi um banho de água fria para os venezuelanos que moram na ocupação Flores do Campo, na zona norte de Londrina. O fim do regime chavista era a esperança que eles mantinham de poder voltar à terra natal. À frustração de ter o presidente por mais sete anos no poder soma-se o aumento da preocupação com os familiares e amigos que eles deixaram na Venezuela.
“Eu acreditava que esse regime iria acabar e que a economia iria melhorar. O país ia ter emprego e, num prazo de dois anos, eu pudesse voltar. Mas agora nem penso mais nisso”, afirma Mari Carmo (foto em destaque). Há três anos, ela deixou a cidade de Sucre, atravessou a fronteira, e foi parar em Roraima. Desde janeiro, está em Londrina.
As casas não concluídas do Flores do Campo – projeto do Minha Casa Minha Vida paralisado devido à falência da construtora – tornaram-se um chamariz para imigrantes que chegam ao Brasil a pé pelo município de Pacaraima, na fronteira com o país vizinho.
Estima-se que cerca de 300 famílias venezuelanas vivam no local, que começou a ser ocupado por brasileiros em 2016. A presença dos imigrantes na área é tamanha que praticamente não se ouve diálogos em português. “Eu tenho minha família ainda na Venezuela. Tinha esperança de que as coisas se acomodassem e pudéssemos voltar”, conta Mari Carmo.
A reportagem conversou com um grupo de venezuelanas na terça-feira (30), durante a entrega de produtos hortifrutigranjeiros feita semanalmente no local pelo Grupo Orar (www.orar.org.br), entidade sem fins lucrativos formada por cristãos. Eles levam alimentos doados por supermercados para as famílias do bairro.
Fraude
Estudante de comunicação, Mari Carmo decidiu vir com o marido e os três filhos para o Brasil preocupada com a educação das crianças. Segundo ela, a qualidade da escola é péssima na Venezuela e o sistema de saúde ainda mais precário. “A eleição foi uma fraude”, afirma.
Ela conta que não tinha idade para votar quando o ex-presidente Hugo Chávez deu início ao regime bolivariano, em 1998. Mas lembra que havia uma esperança de que a vida iria melhorar para a população mais pobre do país. Tanto que o primeiro voto dela, em 2006, foi pela reeleição de Chávez, que morreu de câncer em 2013.
A esperança do povo, segundo Carmo, foi sendo substituída pelo aumento da miséria. “Hoje, na Venezuela, só quem trabalha para o governo acha que a situação está boa”, declara.
Elizabeth Del Valle Muñoz é outra imigrante que mora no Flores do Campo. Ela saiu da cidade de Maturim e veio para o Brasil há cinco anos. Instalou-se primeiramente em Chapecó (SC) e juntou-se aos compatriotas de Londrina há dois anos. “A situação está muito mal na Venezuela. Não tem trabalho, não tem comida.”
A dona de casa se mudou para o Brasil com três de seus quatro filhos. Um ficou na Venezuela onde ela ainda tem 12 netos e as irmãs. A crise política aberta com a declaração de vitória de Maduro é motivo de preocupação. “Agora, com essa situação, essa confusão, ficou pior ainda. Estou muito preocupada”, alega.
Sonho adiado
Berqis de Ramos é outra venezuelana que tinha esperança de ver o fim do regime chavista na eleição de domingo. “Lá nós passamos necessidade, passamos fome. A comida é muito cara. Não temos dinheiro para nos vestir.”
Apesar disso, a dona de casa mantém esperança de um dia voltar. “Mas Maduro não quer deixar o poder e com ele não dá”, alega.
Ela está há um ano e meio no Flores do Campo e há cinco anos no Brasil (antes, viveu em Roraima). Não está trabalhando, mas o marido faz bicos de roçagem. “Glória a Deus, aqui nós estamos seguros e temos o que comer.”
Os imigrantes têm direito aos benefícios sociais que o governo paga aos brasileiros.
Segundo o pastor e líder da comunidade Luiz Rodriguez, há cerca de 300 famílias venezuelanas – incluindo a dele – ocupando imóveis no Flores do Campo. “Tem muitas mais nas outras favelas de Londrina”, aponta.
Rodriguez diz não ter dúvida de que a eleição de domingo foi fraudada. “Um presidente que fez 8 milhões de pessoas deixarem o país não tem como ser reeleito”, justifica.
De acordo com ele, mesmo vivendo numa ocupação com infraestrutura precária, a situação dos imigrantes no Brasil é bem melhor. “Nós estamos aqui tranquilos. O problema é que nossos familiares estão lá sofrendo, passando fome. Tem muita família chorando por causa dos parentes que ficaram na Venezuela.”
Fonte: Rede Lume