Advogado deve encontrar terreno fértil na CCJ e no plenário, onde as apostas estimam uma margem de mais de 41 votos
Com sabatina agendada para esta quarta-feira (21) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, o advogado Cristiano Zanin deve encontrar terreno fértil no colegiado. Nos bastidores, também é previsto que o indicado de Lula (PT) ao Supremo Tribunal Federal (STF) receba um sinal verde do plenário da Casa, onde seu nome deve ser avaliado nesta mesma data. Seja com mais de 50 votos, seja com mais de 60, como professam os mais otimistas, a expectativa é de que o candidato à Corte obtenha alguma folga acima da margem de 41 votos necessária à sua aprovação pelos parlamentares.
O nome de Zanin chega ao parlamento neste período da história do país após uma jornada de anos de engajamento na defesa do ex-presidente Lula nos processos relativos à polêmica Operação Lava Jato, um dos principais alvos de juristas e políticos do campo democrático e progressista nos últimos tempos. Como representante dos interesses do petista nessas ações, Zanin enfrentou o lawfare [método de utilização do sistema de Justiça como forma de perseguição política] e por isso se tornou, no meio da advocacia criminalista, símbolo de uma das maiores trincheiras travadas no âmbito do Judiciário na contemporaneidade.
Em um contexto em que boa parte dos parlamentares – inclusive aqueles do campo da direita liberal – não só repele como teme o modus operandi da Lava Jato, o fato de Zanin ter enfrentado o lawfare pode ser visto como uma credencial para um candidato ao STF no Congresso Nacional de hoje. “Se é necessário explicar por que Zanin tende a ter um amplo apoio, certamente isso tem relação com o fato de ele encarnar a caracterização do antilavajatismo. Estão muito presentes na memória do parlamento os embates que ele teve com o ex-juiz Sergio Moro”, observa o cientista político Leandro Gabiati.
Para o analista, o cenário de “reacomodação” dos olhares de parte do sistema político para o caso da Lava Jato pode influenciar os rumos da sabatina desta quarta. “Há um novo arranjo político no Congresso, que, se oportunamente foi a favor da Lava Jato, hoje é contra os excessos da operação e a considera como uma ameaça. O Zanin se encaixa certinho neste novo momento do Congresso, que se articula contra o lavajatismo”, emenda.
Críticas
Por outro lado, o advogado terá que enfrentar também alguns espinhos no caminho rumo ao STF. Entre as queixas que pairam sobre a sua indicação, está justamente o fato de ele ter atuado como advogado pessoal de Lula. A escolha atiçou, especialmente entre os mais críticos, a leitura de que o presidente da República estaria em busca de autoblindagem na Corte. Por conta disso, há uma ala que acusa o petista de não observar o princípio da impessoalidade, um dos parâmetros da administração pública.
A indicação chegou a ser criticada publicamente pela ONG Transparência Internacional, que se manifestou a respeito do assunto por meio de uma nota pública no início deste mês. A organização disse que a escolha “contraria compromissos assumidos internacionalmente pelo Brasil sobre independência do Judiciário, afronta o princípio constitucional de impessoalidade e trai a promessa de resgate das instituições democráticas”.
Esse aspecto não deve passar incólume aos senadores que deverão marcar presença na CCJ nesta quarta, mas tende a ficar mais restrito às manifestações vocalizadas pela oposição. “Os senadores mais ideológicos e muito identificados com o bolsonarismo é que devem fazer esse tipo de colocação. Mas imagine que você está sabatinando alguém que vai virar ministro do Supremo. Se um senador tem ou sabe que pode vir a ter processos correndo no STF, a tendência é que ele pense muito bem que tipo de colocação e com que tom fará isso porque, na prática, estará lidando com alguém que em poucos dias será empossado no tribunal”, projeta Gabiati.
Um levantamento publicado pela Folha de S. Paulo no início deste mês mostra que, dos 81 ocupantes do plenário do Senado, 35 foram ou ainda são alvo de inquérito criminal na Corte. O número representa mais de 40% do total de cadeiras na Casa. Nesse sentido, o analista acredita que o fato de Zanin chegar ao Senado com o nome já aprovado pela maioria dos parlamentares tende a contribuir para a dosagem das críticas que deverão surgir durante a audiência na CCJ. “Isso vai acabar amenizando o tom das colocações de alguns senadores. E, logicamente, facilitará ainda mais a aprovação dele no Senado”, calcula.
Mapeamento
Diferentes fontes ouvidas em off pelo Brasil de Fato nos bastidores do Congresso apontam que a relação pessoal entre Lula e Zanin não tende a se tornar um empecilho intransponível durante as horas de audiência na CCJ nesta quarta. É comum entre assessores políticos, parlamentares e analistas a leitura de que, mais do que o elemento da impessoalidade na indicação, importa o componente político que circunda o candidato ao STF.
A prova disso é o termômetro considerado pelo próprio presidente da República previamente ao anúncio público da indicação de Zanin, formalizado em 1º de junho. Antes de a confirmação vir à tona, o presidente e seus interlocutores mensuraram o nível de aceitação que o nome do advogado poderia ter. Entre ministros da Corte, por exemplo, a figura do jurista foi bem aceita pela maioria.
Lideranças partidárias do Congresso também foram sondadas e deram aceno positivo ao governo, entre elas o PP de Arthur Lira (AL), presidente da Câmara, que ainda no final de março disse não ter objeção ao nome de Zanin. No Senado, o partido tem seis membros, incluindo ex-ministros de Bolsonaro, como Ciro Nogueira (PI) e Tereza Cristina (MS). Os dois atuaram respectivamente à frente das pastas da Casa Civil e da Agricultura na gestão passada. “Ninguém anuncia um nome ao STF sem minimamente ter esse cálculo rascunhado no papel”, observa a cientista política Grazielle Albuquerque.
Após o anúncio, Zanin recebeu sinais positivos além dos muros dos bastidores. O ex-ministro Ricardo Lewandowski e os atuais ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e até Nunes Marques, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e constantemente associado aos interesses do ex-capitão dentro do STF, elogiaram em público a indicação. Em um gesto mais formal e menos acolhedor, mas não exatamente reprovador, o ex-advogado-geral da União de Bolsonaro e atual ministro do STF, André Mendonça, também se manifestou. Ao desejar sucesso a Zanin, o magistrado disse que a indicação “é uma prerrogativa do presidente da República e cabe ao Senado avaliar”.
A ala política também foi dando acenos aos poucos após a formalização do nome do advogado junto ao Senado. Membros de partidos como MDB e PSD, por exemplo, somaram-se aos que devem aprovar a indicação. Até a senadora bolsonarista Damares Alves (Republicanos-DF), que chegou a dizer que não receberia Zanin, acabou conversando com o candidato durante um almoço promovido pelo deputado Cezinha Madureira (PSD-SP) no último dia 15. No encontro, estiveram presentes 15 senadores e mais de 40 deputados.
Para a surpresa do mundo político, a parlamentar flexibilizou o tom bélico de suas tradicionais críticas aos elementos que circundam a figura de Lula e chegou a dizer que o advogado lhe pareceu uma figura “muito inteligente e agradável”. “A reunião está me levando a uma reflexão do meu discurso sobre ele. Estava muito incisiva em minhas críticas”, completou, em entrevista ao portal Poder360. Apesar disso, na terça (20), a senadora voltou a dizer que votará contra o nome indicado pelo presidente da República porque, segundo ela, “fere frontalmente o princípio da impessoalidade”.
O afago da semana passada, no entanto, ficou no ar e se somou à atmosfera majoritariamente favorável que o Senado parece apresentar hoje ao nome de Zanin. Na outra ponta estão nomes que tendem a dar prováveis votos de rejeição à figura do advogado. Na lista estão, por exemplo, os senadores Eduardo Girão (Novo-CE), Marcos do Val (Podemos-ES) e Rogério Marinho (PL-RN).
Em outra via, a configuração dos apoios que podem se converter em votos favoráveis ao advogado na CCJ e no plenário ilustra o resultado da peregrinação travada por Zanin nas últimas semanas, quando ele visitou parlamentares das mais diferentes legendas, incluindo nomes de grupos conservadores da Casa. É o caso de membros da bancada evangélica. Nesse cenário, o sucesso do advogado na articulação política tende a ser o principal elemento para garantir o aval da Casa.
“Acho que essa questão do veto ou da não aprovação da indicação tem mais a ver com o trânsito desse candidato no período de beija-mão, que é o período de transitar e conversar com os senadores e com a própria governabilidade do governo. E eu acho que o Zanin não está ameaçado nesse sentido. A questão da impessoalidade já foi, no jargão, precificada. Ela já está na conta”, analisa Grazielle Albuquerque.
Regras
Pela Constituição Federal, o presidente da República precisa observar quatro pontos que servem de referência à escolha de um futuro ministro do Supremo. São eles: indicar uma brasileira ou brasileiro nata (o) com idade acima de 35 anos, que tenha conduta ilibada e “notável saber jurídico”. No caso deste último ponto, diferentes críticos têm apontado que faltaria ao advogado maior repertório curricular e acadêmico. Sem mestrado e doutorado na área, Zanin é visto por alguns como alguém que não corresponde a esse critério.
No entanto, a Corte tem, entre todos os membros da atualidade, dois que nunca fizeram mestrado. São eles Dias Toffoli e a atual presidenta da Corte, Rosa Weber. “Eu acho essa uma questão muito complicada. O que é notório saber jurídico? É necessariamente um doutorado? E é um doutorado em qualquer instituição? Muitas pessoas fazem doutorado e depois nunca mais publicam nada, não seguem elaborando teses ou produzindo artigos, refletindo, trabalhando com dados”, ressalta Grazielle Albuquerque. A pesquisadora entende que o critério é carregado de subjetividade e pode ser avaliado dentro de cada contexto.
“Você tem, na história do STF, grandes nomes que não necessariamente vinham da academia, até porque existe a questão da prática da atividade. O notável saber jurídico às vezes está demonstrado na atividade jurídica, e não necessariamente na academia. Há nomes que conjugam as duas coisas e há outros que não”, emenda a cientista política. Para a pesquisadora, a experiência de Zanin em julgamentos de porte internacional também pode ser colocada na conta, por exemplo.
“Ele se vale da reversão de um caso rumoroso, não só no Brasil, mas internacionalmente. Ele tem vitórias não só em Cortes locais como também no âmbito internacional por conta do caso do Lula, portanto, transformar o critério do notável saber jurídico em um necessário espaço acadêmico não me parece que tenha lastro nem história do STF nem dentro de algumas realidades”, encerra.
Pelas regras vigentes, se ocorrer de os parlamentares rejeitaram uma indicação ao STF, o presidente da República precisa formalizar o nome de um outro candidato ao posto. As chances de reprovação do nome de Zanin, no entanto, são vistas como muito distantes também por conta de um outro motivo: no Senado, a tradição é acatar a sugestão do presidente da República. Para se ter uma ideia, foram apenas cinco as vezes em que a Casa vetou um nome nos mais de 130 anos de existência do Supremo. Todos esses episódios se deram durante o governo do marechal Floriano Peixoto (1891-1894), ainda no século XIX.
Fonte: Brasil de Fato