A agenda de mobilização permanece na cidade ao longo de toda semana
A greve dos trabalhadores da educação básica do Paraná começou com programação intensa em Londrina. De manhã, os educadores se reuniram na sede da APP-Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Paraná).
Sob o mote “se é grave, é greve”, o local ficou lotado. Diretores da entidade, pontuaram a legalidade da greve a todos os trabalhadores independentemente do tipo de vínculo (concursado ou temporário) e apesar das tentativas do governo Ratinho Júnior (PSD) tentar criminalizar o movimento (saiba mais aqui).
Ainda durante a manhã, os professores e funcionários de escola, realizaram ato na Prefeitura de Londrina. Na ocasião, os profissionais entregam uma carta ao prefeito, Marcelo Belinati (PP), solicitando que ele apoie a luta dos trabalhadores e auxilie a destravar o diálogo junto ao governador, que tem se recusado a receber a categoria para discutir a proposta (veja aqui).
“O projeto chamado de ‘Parceiro da Escola’ é um apelido que esconde o seu real interesse. O que nós temos é um projeto de lei proposto pelo governo Ratinho Júnior que quer entregar as escolas públicas para as empresas privadas no Paraná”, indica Rogério Nunes, professor da rede estadual, secretário de Assuntos Jurídicos da APP-Sindicato Núcleo Londrina.
“Esse projeto vem praticamente para destruir a escola pública no seu formato público, na sua função pública. Porque nós acreditamos que o recurso público precisa ser totalmente trabalhado para a rede pública. E, com esse projeto, nós passamos com uma parceria público privada. Ou seja, nós damos nossos recursos públicos para uma empresa privada gerenciar a nossa escola. Em outras palavras, a gente está dizendo que a nossa escola não é boa. E vem do próprio governo que disse que nós somos o primeiro lugar no IDEB, a melhor educação”, pondera Bruno Garcia, representante da diretoria de Saúde e Previdência da APP-Sindicato Núcleo Londrina.
As escolas sob risco de terceirização têm aproximadamente 175 mil matrículas. De acordo com a SEED, as empresas escolhidas devem receber R$ 800 por mês por estudante matriculado. O valor estimado é de R$ 140,5 milhões mensais, chegando a R$ 1,7 bilhão por ano.
Ato no Núcleo Regional de Educação
Já no período da tarde, os educadores promoveram protesto em frente ao Núcleo Regional de Educação (NRE). A manifestação reuniu aproximadamente 400 pessoas entre professores, funcionários de escola, estudantes e comunidade em geral.
Ana Luiza de Carvalho, estudante do terceiro ano do Colégio Barão do Rio Branco, ressalta que, apesar de estar próximo de concluir o ensino médio, se preocupa com os impactos do projeto para os demais alunos e professores. Ela avalia que a iniciativa irá afetar a qualidade do ensino na medida em que intensificará a precarização do trabalho docente com a adoção de metas cada vez mais inatingíveis.
Além disso, a discente lembra que, a partir do momento em que as empresas privadas assumirem a gestão das escolas, incluindo a contratação de profissionais, a tendência é que os salários sejam cada vez mais achatados, já que a lógica mercadológica, prevê como objetivo maior, a obtenção de lucro.
“Porque se a gente tem professores que estão trabalhando com salário baixo, é triste, né? Porque querendo ou não eles amam trabalhar com isso, vai cai a qualidade da nossa educação também”, diz.
A mesma avaliação é compartilhada por Davi Luiz, também estudante do Colégio Barão do Rio Branco e membro do grêmio estudantil Junção Alternativa Estudantil. “A gente está saindo, mas estamos aqui hoje para lutar pelos nossos que virão”, complementa.
Questionados pela reportagem, os dois estudantes disseram que nenhum representante da SEED (Secretaria Estadual de Educação) ou do NRE foram à escola apresentar o projeto.
Precarização do trabalho
Yuri Madalosso é formado em Filosofia e, atualmente, leciona Projeto de Vida e Ensino Religioso em nove escolas. Ele comenta sobre a rotina, a necessidade de se dividir entre tantos colégios para que possa complementar uma jornada de 40 horas, o que leva, praticamente, a ter que pagar para trabalhar.
“Um gasto enorme com transporte, que o salário não dá conta. E ao contrário do que a nossa querida SEED divulgou, eu não ganho R$6 mil. Isso me deixou bastante irritado pessoalmente. É muito estafante”, adverte.
O docente classifica o projeto como “catastrófico”. De acordo com ele, a falta de debate e as ameaças de descontos no pagamento para aqueles que aderirem à paralisação, entre outras sanções têm preocupado a categoria.
“Ao contrário do que a SEED fala, não teve discussão e ainda teve a ironia de colocar que está aberto ao diálogo. Os professores estão preocupados, os alunos idem, especialmente, nas escolas periféricas”, observa.
Para o professor, os principais reflexos do projeto são diminuição da segurança do trabalho, dos salários e benefícios, que, segundo ele, já são poucos. “Precarização do ensino, com maior rotatividade de professores, a perda da autonomia democrática da própria escola, o que já é um fato”, complementa.
“Então, aluno ou aluna, é pior pra você, viu? O Ratinho não quer sua saúde e nem a sua instrução, tá bom?”, ressalva.
Outra preocupação apontada pelos educadores é a falta de assistência aos estudantes com deficiência.
“Na lógica da empresa, que é a lógica do lucro, não cabe um conjunto de direitos que são importantes na educação. Os estudantes da educação especial, por exemplo, têm direito a um atendimento personalizado, professor de apoio, isso tem um custo e deve ser assim. Na lógica da empresa, isso não entra”, assinala Nunes.
Os manifestantes solicitaram que a chefe do NRE, Jessica Pieri, viesse dialogar com o grupo, mas ela não compareceu à mobilização. Durante todo o tempo, as portas do órgão ficaram fechadas enquanto os educadores se dividiam entre o pátio, as calçadas e sinais, onde realizaram panfletagem.
Lideranças sindicais também enfatizaram a truculência contra os colegas que acompanham a votação em Curitiba. Quatro ônibus saíram de Londrina rumo à capital paranaense para participar do ato estadual “Não venda minha escola”, convocado pela APP-Sindicato com apoio de outras entidades como UPES (União Paranaense dos Estudantes Secundaristas), FES (Fórum das Entidades Sindicais) e Coletivo de Sindicatos de Londrina.
“O ato de hoje no NRE em Londrina foi importante para mostrar ao governo do estado e o legislativo estadual que os trabalhadores e seus filhos, os alunos das escolas, não querem que as escolas sejam privatizadas”, pondera Laurito Porto Lira, diretor de formação do Sindicato dos Bancários de Londrina e Região.
O sindicalista observa que, trabalhadores e trabalhadoras de Londrina e região representados pelas entidades que compõem o Coletivo de Sindicatos de Londrina e Região, entendem que privatizar significa um processo de exclusão da população que necessita dos serviços ofertados pelo estado para que algum grupo empresarial acumule lucro, ou seja, enriqueça.
“A educação é apenas um dos setores que estão sendo entregues para a iniciativa privada explorar, isso já esta ocorrendo no sistema de saúde e com as estradas aqui no estado”, alerta.
O projeto foi aprovado, na noite desta segunda-feira (3), em primeiro turno durante sessão remota, em articulação da bancada governista.
Nesta terça-feira (4), os deputados aprovaram em segundo turno, por 38 votos a favor e 13 contra, o projeto que terceiriza a gestão em 204 colégios estaduais, pouco mais de 10% da rede estadual de ensino.
Deputados da bancada de oposição, protocolaram documento no STF (Supremo Tribunal Federal), na intenção de reverter a decisão que autoriza o governo Ratinho Júnior a privatizar serviços de gestão da educação no estado.
A APP-Sindicato declarou que a greve segue por tempo indeterminado. Em entrevista à jornalista e diretora executiva do Portal Verdade, Elsa Caldeira, o presidente da APP-Sindicato, Márcio André Ribeiro explicou as motivações para a paralisação, apontou as tentativas de assédio e práticas antissindicais cometidas pela SEED e salientou a orientação de que os pais e demais responsáveis não encaminhem os estudantes para as escolas enquanto a greve estiver vigente.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.