O número de pessoas em insegurança alimentar grave no Brasil disparou no último ano. Segundo a pesquisa Vigisan (Inquérito Nacional Sobre Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia Covid-19 no Brasil) 33,1 milhões de brasileiros se encontram nessa situação
Entre o último trimestre de 2020 e o primeiro de 2022, a Insegurança Alimentar (IA) grave subiu de 9,0% para 15,5%, incorporando, em pouco mais de 1 ano, 14 milhões de novos brasileiros ao exército de famintos do país. Este é um dos resultados trágicos apresentados pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN) [1] nesta quarta (8).
A pesquisa revelou que “41,3% dos domicílios estavam em situação de Segurança Alimentar (SA), enquanto em 28,0% havia incerteza quanto ao acesso aos alimentos, além da qualidade da alimentação já comprometida (IA leve). Restrição quantitativa aos alimentos ocorria em 30,1% dos domicílios, dos quais 15,5% convivendo com a fome (IA grave). Em termos populacionais, são 125,2 milhões de pessoas residentes em domicílios com IA e mais de 33 milhões em situação de fome (IA grave). A desigualdade de acesso aos alimentos se manifesta com maior força em domicílios rurais, 18,6% dos quais enfrentando a fome em seu cotidiano”.
Das famílias em IA grave, 25,7% residem na região Norte e 21,0%, no Nordeste. A fome está presente em 43,0% das famílias com renda per capita de até 1/4 do salário mínimo, e atinge mais as famílias que têm mulheres como responsáveis e/ou aquelas em que a pessoa de referência (chefe) se denomina de cor preta ou parda.
O II VIGISAN identificou também a coexistência entre a IA e a Insegurança Hídrica (falta ou escassez de água), indicando que 42,0% das famílias em situação de Insegurança Hídrica estão também sujeitas à fome.
Mostrou também que 22,3% das famílias cujos responsáveis têm até quatro anos de estudo ou não tinham escolaridade estão em situação de IA grave, o dobro daquelas com oito anos de estudo (10,2%). E que 36,8% das famílias tinham renda per capita média de até 1/2 salário mínimo. Dentre essas famílias, cerca da metade vivia com, no máximo, 1/4 de SMPC para atender às suas despesas. Em 14,3% dos domicílios havia pelo menos 1 morador/a procurando emprego, e em 8,2%, a pessoa responsável pela família estava desempregada.
A Covid-19 ceifou vidas em 6,1% das famílias brasileiras. Para agravar todas as situações de vulnerabilidade, em 42,5% delas a pessoa vitimada pela doença contribuía para o atendimento às despesas domiciliares. A junção dessas condições, e possivelmente outras, levou ao endividamento de 38,2% das famílias e à necessidade de cortes em despesas essenciais em 57,1% dos domicílios.
Contexto
Segundo a pesquisa, um processo de destruição de instituições e políticas públicas iniciado em 2016 impulsionou as desigualdades sociais levando uma piora da Insegurança Alimentar. A progressiva crise econômica, a pandemia e o desmonte das políticas públicas que poderiam minimizar o impacto das duas primeiras explicam o aumento da Insegurança Alimentar e da fome entre o final de 2020 e o início de 2022.
Mesmo o Auxílio Brasil, vigente no período do Inquérito, não mitigou a grave situação social do povo brasileiro: a fome ainda estava presente em 21,5% dos domicílios das famílias que receberam o benefício.
Em 2021, a extinção do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Bolsa Família (PBF), substituídos pelos programas Alimenta Brasil e Auxílio Brasil, respectivamente, reconhecidos por analistas como frágeis e limitados na abrangência populacional fez com que apenas metade dos 100 milhões de pessoas antes atendidas pelo PBF e pelo Auxílio Emergencial permanecesse com acesso ao Auxílio Brasil.
O I VIGISAN, conduzido no final de 2020 pela Rede PENSSAN e parceiros1 , revelou que 55,2% dos domicílios brasileiros estavam em condições de Insegurança Alimentar (IA) e 9,0% conviviam com a fome. Mais do que efeitos da crise sanitária da Covid-19, tais restrições de acesso à alimentação expunham um quadro preocupante de deterioração socioeconômica e profundas desigualdades na sociedade brasileira, anterior à pandemia e agravado por ela. Esse quadro persistiu em 2021, com desemprego elevado, precarização do trabalho, perda de direitos sociais e queda do poder aquisitivo – enquanto a Covid-19 seguia ceifando vidas às centenas de milhares, num ritmo aterrorizante, chegando a mais de 660 mil mortes em abril de 2022.
“Grupos sociais foram deslocados para a borda inferior da sobrevivência, desprovidos de renda suficiente, de moradia adequada, de serviços sanitários, de acesso à educação e aos serviços de saúde, passando, também, em seu cotidiano, a conviver com a fome. Ou seja, esses grupos sociais são desdenhados pelas elites econômicas do país e deserdados por um Estado gerenciado sob a doutrina neoliberal e sob a obsessão pelo equilíbrio fiscal e controle de gastos”, conclui a pesquisa.
[1] Trata-se de um inquérito representativo da população brasileira, com abrangência das 5 macrorregiões (rural e urbana) e as 27 Unidades da Federação. Foram incluídos na amostra 12.745 domicílios, com entrevistas face a face de uma pessoa adulta. A coleta de dados ocorreu entre novembro de 2021 e abril de 2022, com a utilização de questionário contendo a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), em sua versão de oito perguntas.
Fonte: Rádio Peão Brasil