A moradia é um dos problemas estruturais do capitalismo, que teve início com a expulsão dos camponeses para as cidades, criando as condições precárias e dependentes de sobrevivência dos trabalhadores, conforme visto no artigo anterior. No caso do Brasil, o problema teve início quando a Corte Imperial começou a preparar a introdução do capitalismo nos anos 1800 (sec. XIX). A emissão de um “Alvará”, que era o que hoje chamamos de “Lei”, para impedir que os escravizados libertos tivessem acesso à terra e, consequentemente à moradia, assim como os imigrantes que começaram a ser trazidos da Europa, para serem trabalhadores assalariados em substituição àqueles trabalhadores.
Lembrando que os escravizados eram pessoas retiradas brutalmente de seus países, de suas famílias e aldeias e trazidas para o Brasil para trabalharem de modo forçado para quem os comprassem. E que os índios resistiram a essa imposição por conhecerem o território e conseguirem fugir da escravização
realizada pela elite branca europeia colonizadora. Por resistirem a esse julgo é que essa elite escravista passou a disseminar a ideia de que os índios seriam “preguiçosos”!!
São Paulo, que teve um rápido crescimento com a constituição de um mercado de trabalho urbano vinculado ao complexo cafeeiro, experimentou uma grande aglomeração de trabalhadores habitando de forma precária gerando problemas de várias dimensões, como a sanitária e de transporte, conforme explicou BondukiI. A falta de acesso à terra impedia que as pessoas produzissem o necessário à sua subsistência, dentre este, sua própria moradia. O Alvará ou Lei de Terras, proclamada em 1850, é uma das origens desse problema. As senzalas eram precárias, sem privacidade e outros problemas, mas ao serem
libertados, os escravos ficaram totalmente sem abrigo e meios de subsistência.
Importante lembrar que no capitalismo o trabalho assalariado é sua estrutura produtiva principal, diferentemente do modo de produção anterior que era baseado no trabalho escravo (nas Américas) e no do servo (principalmente na Europa). Assim, vê-se que o início da industrialização e, consequentemente, da urbanização do Brasil, em fins do século XIX, causa pela primeira vez o problema da escassez de moradia. A greve geral de 1917 teve entre suas reivindicações a proibição de despejo de operários grevistasII. Naquela época as moradias dos operários eram construídas pelas indústrias, com financiamento do EstadoIII. Ficavam próximas às fábricas, possibilitando o fácil acesso da casa ao trabalho, a atração dos trabalhadores e o controle patronal sobre sua mão de obra. Os patrões perceberam, com a greve, a facilidade que os trabalhadores tinham para se organizar morando próximos à fábrica, num mesmo bairro. O Estado assumiu o problema e passou a atuar de duas formas: a) financiar a moradia para os que tinham emprego e, b) tratar como caso de polícia os que não tinham onde morar.
Importante lembrar que não havia, naquela época, ônibus e outros meios de transporte público como conhecemos atualmente.
Pode-se afirmar que a proibição de acesso à terra, a industrialização e o respectivo aumento populacional, decorrentes da introdução do modo de produção capitalista no Brasil, estão na origem da falta de moradias. No próximo artigo será discorrido sobre o Estado como organizador da produção da moradia popular, iniciando pelas instituições criadas no início do século XX para atender a demanda por habitação, até o início do governo Vargas.
REFERÊNCIAS
I BONDUKI. N. G. A origem da habitação social no Brasil: o caso de São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo : FAU-USP, 1994.
II FGV. Atlas histórico do Brasil. In https://atlas.fgv.br/verbetes/greve-geral-de-1917 acesso em 21/02/2023.
III MOTTA, Luana. A Questão da habitação no Brasil: políticas públicas, conflitos urbanos e o direito à cidade. In https://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/wpcontent/uploads/2014/04/TAMC-MOTTA_Luana_-_A_questao_da_habitacao_no_Brasil.pdf acesso em 21/02/2023.
Gilson Bergoc
Doutor e Mestre pela FAU USP. Arquiteto e Urbanista, docente da Universidade Estadual de Londrina na área de urbanismo e planejamento urbano e regional. Integrante do Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Urbana. Coordenador de Projeto Integrado – Pesquisa e Extensão da UEL e do núcleo de Londrina do BR Cidades. Ex-Prefeito do Campus da UEL e ex-Diretor de Planejamento Físico Territorial do IPPUL.