Medida foi aprovada em primeiro turno. Agora, só volta ao plenário após audiência pública
Após articulação de coletivos contra o Projeto de Lei nº 203/2021, vereadores aprovaram, nesta quinta-feira (6), a realização de uma audiência pública para discutir à medida que autoriza entidades sem fins lucrativos a fazer a gestão de espaços públicos voltados ao esporte, lazer e cultura na cidade.
Proposto pelo vereador Fernando Madureira (PP), o “Programa Vida Saudável” estabelece que associações não governamentais podem ficar responsáveis pela manutenção de quadras, campos esportivos, ginásios, o que inclui o pagamento de despesas básicas como energia elétrica.
Conforme anunciado pelo Portal Verdade (relembre aqui), representantes de 20 associações, oriundas de diferentes regiões de cidade, aprovaram por unanimidade rechaço ao projeto durante reunião realizada no Canto do Marl, na última quinta-feira (5). No dia seguinte, ocuparam as galerias da Câmara Municipal de Londrina, durante sessão que aprovou, em primeiro turno, a regulamentação.
Para os coletivos, a iniciativa possibilita a privatização dos espaços públicos, dificultando ainda mais o acesso das camadas mais pobres. A reunião era uma das principais solicitações dos grupos. “Valeu a pena o nosso esforço de mobilização para mostrar realmente o que queremos, uma audiência pública, neste primeiro momento, porque tem pontos do projeto que a gente precisa reavaliar e com certeza fazer mudanças”, afirma Maria Giselda de Lima Fonseca, representante da Comissão de Esportes do Centro de Direitos Humanos e atleta na Associação Amigos da Bocha Sul-Americana.
Fonseca questiona o argumento do autor do projeto de que não se trata de conceder a administração para a iniciativa privada. De acordo com ela, a parcela mais vulnerável da população ainda sofre com a desinformação sobre as reais finalidades da iniciativa.
“Como que não é um projeto de privatização se para ter um espaço você tem que ter CNPJ, utilidade pública? Ele [vereador Madureira] imagina o que é uma pessoa da periferia saber o que é utilidade pública? A gente que tem advogados na nossa Associação, teve dificuldades para conseguir a documentação na Câmara e ter utilidade pública. Imagina aquela pessoa que quer trazer crianças e idosos para atividade física e ter que se preocupar com burocracia e documentação?”, pondera.
PL é aprovado com ampla maioria no primeiro turno
Dos 19 parlamentares, apenas 5 votaram contra: Lenir de Assis (PT), Lu Oliveira (PL), Mara Boca Aberta (Pros), Professora Flávia Cabral (PTB) e Roberto Fú (PDT). Os demais apoiaram o projeto que vem tramitando desde 2021.
“Eu votei contra por entender que o espaço público quem tem que cuidar é o poder público, criando vários projetos através da Fundação de Esportes para atender a população. Não sou contra as pessoas que montam suas escolinhas, que ficam com as chaves de campos em vários bairros de Londrina, mas tem pai que não tem condição de pagar. E se o projeto é fornecido pelo poder público, todas as crianças poderão participar e ter igualdade para todos”, explica o vereador Roberto Fú.
O representante do Partido Democrático Trabalhista também fez denúncias na tribuna. Segundo ele, centros comunitários criados a partir de recursos da população, têm sido utilizados para outros fins que não os interesses dos moradores.
“O centro comunitário foi construído com recursos da própria população e hoje se tornou uma academia praticamente particular. Só entra e participa das aulas, quem paga, eu acho isso uma injustiça muito grande. Não tem prestação de contas e é um espaço público. Quem quer montar suas academias que aluguem espaços particulares, que construa um salão, o espaço público tem que ser respeitado”, evidencia.
A vereadora Lenir de Assis também reforça o entendimento de que é dever do estado garantir a oferta de serviços culturais e esportivos para toda população. “Nós temos muitos ginásios, praças, campos na cidade e é papel da Prefeitura zelar por eles, colocar iluminação, fazer com que estes espaços estejam limpos e acessíveis e com segurança. O fato de delegar esta responsabilidade para iniciativas outras e, inclusive, cobrar por este uso, é extremamente preocupante”, observa.
Para a vereadora e presidenta da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Paradesporto e Lazer, Flávia Cabral, a realização de uma audiência pública é “pré-requisito” para a votação do projeto que não é uma pauta simples. “Vamos ouvir a população e a partir disso, nos debruçar sobre o projeto, ver a possibilidade de criação de emendas, para que fique um projeto que agrade Londrina de maneira abrangente e não um segmento apenas”.
“A comunidade precisa ser ouvida, a população não está sendo consultada. As nossas praças não podem ser usados como se tivessem donos. A comunidade que vota, paga seus impostos não pode ser feita de massa de manobra. Muitas pessoas nem sabem o que está acontecendo. Não podemos dever nossos espaços públicos, é dever do município cuidar do lazer da população”, acrescenta Joel Gaspar, representante do Conselho de Esportes da Zona Sul.
A data da audiência pública ainda não foi definida, mas a expectativa é que seja em agosto, pois os vereadores entram em recesso por 15 dias a partir da próxima semana. As lideranças solicitaram que o debate ocorra à noite para que os trabalhadores também possam participar.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.