Familiares de vítimas em Londrina participam do encontro
Nesta quarta-feira (16) a partir das 17h30, no Plenarinho da ALEP (Assembleia Legislativa do Paraná), ocorre a audiência “Letalidade policial e o uso de tecnologias na Segurança Pública”. A discussão é proposta pelo presidente da Comissão de Igualdade Racial, deputado Renato Freitas (PT).
O encontro contará com a participação do delegado de Polícia Civil do Rio de Janeiro, Orlando Zaccone D’Elia Filho; do Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais do Amazonas, Luís Carlos Honório de Valois Coelho; do Coordenador-Geral de Políticas de Combate e Superação do Racismo do Ministério da Igualdade Racial, Luiz Paulo Bastos da Silva e da defensora pública e coordenadora do NUPEP (Núcleo da Política Criminal e da Execução Penal), Andreza Lima de Menezes.
Também estarão presentes familiares de vítimas e coletivos de diversas regiões do Paraná como o “Justiça por Almas” e “Mães de Luto em Luta” de Londrina. Integrante dos dois grupos, Hayda Melo explica que as principais reivindicações dos movimentos são: investigações aprofundadas, implementação de câmeras nas fardas e viaturas utilizadas por todos os agentes de segurança pública no estado bem como a realização periódica de exames toxicológicos.
Ela cita exemplos de estados como São Paulo que após adotarem a tecnologia reduziram a incidência de letalidade policial. De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, divulgados no ano passado, a violência policial caiu 72% no estado após a instalação de câmeras nos uniformes da Polícia Militar.
“Nossa expectativa é que os deputados do nosso estado atendam nosso pedido a favor do uso da tecnologia na segurança pública, pois acreditamos que com o uso de câmeras corporais, a letalidade policial no estado terá uma redução considerável, assim como estatisticamente está provado em outros estados”, indica.
Projeto apto para ser votado
O uso de câmeras nos uniformes e veículos policiais em todos os municípios paranaenses é tema do Projeto de Lei nº 448, apresentado pelo deputado Tadeu Veneri (PT), em 2019, quando ocupava uma das cadeiras da ALEP. No final de 2022, após quatro anos engavetado, o projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Com isso, a medida está apta para ser levada ao plenário.
A medida estabelece que os registros das gravações deverão ser arquivados pelo período de cinco anos para eventual uso em demandas judiciais e administrativas. O recurso pode proteger eventuais vítimas de abuso policial, como também ampara os próprios agentes em caso de dúvidas sobre a atuação.
“Eu penso que quando um policial usa câmera ele está se protegendo também. A gente quer proteger os bons policiais, e caso tenha algum que não esteja agindo dentro da lei como já tem sido vários policiais presos em nossa cidade, para que eles sejam devidamente punidos por estarem infringindo a lei, ainda mais por serem policiais são os que mais deveriam dar o exemplo”, ela observa.
Quem policia a polícia?
A representante ressalta o desconhecimento da população sobre o abuso de poder por parte dos agentes, impossibilitando a condução de investigações mais detalhadas, o que inclui o direito à defesa. “Muitas pessoas não sabem o que está acontecendo na nossa cidade, muitos jovens de 15, 16, 17 anos sendo mortos, tendo a vida interrompida, futuros advogados, professores, pais. Eles não estão dando a chance destes jovens se reabilitarem, nem de se defenderem, de provarem que são inocentes. Eles estão sendo advogados, promotores, juízes decretando a morte destes jovens”, diz.
Em 2022, levantamento do Gaeco (Grupo de Atuação de Combate ao Crime Organizado) identificou aumento de 17% no número de mortes decorrentes de intervenção policial no Paraná em comparação ao ano anterior. No total, foram registrados 488 assassinatos no estado.
Em Londrina, o crescimento foi ainda maior: 56%. Em 2021, foram contabilizadas 32 mortes, saltando para 50 em 2022. A maioria das vítimas é composta por jovens negros de até 29 anos (58%).
“Por que tantas mortes? Tantos jovens? Tantas famílias devastadas pelas cidades? Filhos sem pai, esposas sem marido, mães sem filho e o estado não dá um retorno, não investiga. As famílias têm dificuldade para ter acesso aos processos. As mães têm que ouvir que os filhos estavam fazendo coisa errada e que mereciam morrer por isso, a que ponto chegamos, que uma vida está valendo menos do que um celular, do que um carro? Onde a gente vai parar?”, acrescenta.
Melo reforça que os coletivos não são favoráveis à extinção das forças policiais, ao contrário disso, defendem que cumpram seus papeis que é garantir pela ordem, mas não cometer assassinatos. “Nós não somos contra a polícia, mas somos contra ela matar. O trabalho da polícia nunca foi matar, mas prender. E o que a gente tem visto é que na nossa cidade é muito alto o número de mortes por supostos confrontos”, assinala.
Os familiares contestam a versão da polícia de que as mortes ocorreram em confrontos. Eles questionam o argumento de que vítimas reagiram às abordagens e alegam que os jovens foram executados. “Que eles parem de matar os nossos filhos, parem de matar os nossos jovens, é só isso que a gente pede. Chega de tanta matança, de tanto sangue derramado, chega de tantas famílias destruídas, de tantas lágrimas derramadas por mães”, desabafa.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.