Estudo ratifica atribuição do trabalho doméstico e de cuidado predominantemente a mulheres, reproduzindo desigualdades de gênero
O aumento nos valores cobrados pela prestação de serviços voltados aos cuidado de crianças, como matrículas em creches, tem levado a menor participação de mulheres no mercado de trabalho. A constatação parte de um estudo desenvolvido pela ECA Internacional, empresa cujo ramo é a mobilidade laboral.
Segundo a pesquisa, em todo o mundo, os custos dos cuidados infantis aumentaram 6% somente no ano passado. No Brasil, com o alto preço das mensalidades apenas 30% das crianças com menos de três anos estão inseridas em creches.
Em 2023, quase 3 mil crianças com até três anos estavam na fila de espera por uma vaga em creche período integral em Londrina. Com base em resolução do Conselho Nacional de Educação, a matrícula na pré-escola é obrigatória a partir de quatro anos.
Ainda, de acordo com o levantamento, o PIB (Produto Interno Bruto) global poderia ser cerca de 10% mais elevado se a presença de mulheres no trabalho correspondesse a dos homens.
Melina Caldani, atuou como educadora parental em Londrina. Ela ressalta que grande parte das queixas trazidas pelas mães referiam-se aos ambientes corporativos, já que, embora haja pressão social para que as mulheres exerçam a maternidade, após o nascimento, elas são condicionadas ao ambiente doméstico e, portanto, apartadas dos espaços públicos.
“Tenha filhos, mas trabalhe como se você não tivesse, é dito para as mulheres. Só no primeiro ano do bebê, por exemplo, uma mãe acaba se ausentando do trabalho, depois que ela volta da licença-maternidade, no mínimo uma vez por mês, se o bebê dela for saudável porque as consultas de puericultura [visitas periódicas para acompanhar o desenvolvimento da criança] no primeiro ano são mensais”, pontua.
A profissional evidencia a sobrecarga enfrentada pelas mães, que mesmo quando moram com companheiros, são mais responsabilizadas tanto pelos afazeres domésticos como pelo cuidado dos filhos.
“A criança entra na escolinha, é previsto que ela tenha 12 episódios de virose no primeiro ano, normalmente, quem acaba fazendo este corre para pediatra é a mulher, a mãe, por ser a principal cuidadora, isso sem falar nas horas dedicadas a amamentação que seria o equivalente a aproximadamente 40 horas semanais. É muito exigido dela e a cobrança no trabalho também vem em forma de produtividade como se ela não estivesse amamentando, pelas faltas que ela acaba tendo e muitas mulheres se não são demitidas ou acabam tendo que escolher entre a família ou a carreira”, ressalta.
No Brasil, entre 2019 e 2020, do total de 825,3 mil postos perdidos, cerca de 71% eram ocupados por pessoas do sexo feminino. Enquanto o número de homens ocupados assalariados caiu 0,9% de 2019 para 2020, o de mulheres diminuiu 2,9% no mesmo período.
Conforme informado pelo Portal Verdade, mulheres dedicam, em média, 11 horas semanais a mais do que homens ao trabalho doméstico e de cuidado com terceiros como filhos e demais dependentes (relembre aqui).
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.