Na última quarta-feira (21), na sede da APP-Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Paraná) – Núcleo Londrina, ocorreu a mesa: “Educação antirracista: práticas possíveis”.
O evento, organizado pela Secretaria Executiva da Mulher Trabalhadora e dos Direitos LGBTQIA+ e Secretaria de Promoção de Igualdade Racial e Combate ao Racismo da APP, reuniu lideranças da cidade e do estado a fim de debater caminhos para uma educação mais inclusiva.
Sandra Rocha, professora da rede estadual, pontua a importância do evento. De acordo com ela, refletir sobre um ensino que reconheça as diversidades torna-se fundamental frente a casos de intolerância e discriminação.
“Sempre estamos recebendo denúncias de algum ato racista nas escolas. Então, estamos aqui com esses sujeitos e também o deputado Renato [Freitas], discutindo todas as possibilidades de uma educação antirracista. Tem o pessoal da capoeira com ações que já estão acontecendo em algumas escolas, pessoal do hip-hop também faz ações nas escolas, são vários personagens e possibilidades de trabalhar na escola de uma forma antirracista, ou seja, com o acolhimento afetivo da população negra, da criança negra”, diz.
“A gente recebe muitas denúncias de racismo nas ruas, estádios, ambientes de trabalho, mas o que a gente percebe é que a maioria das denúncias de racismo são do ambiente escolar, frequentemente, de estudantes contra estudantes. Cria um cenário de animosidade que gera evasão escolar, traumas. Também de professores contra estudantes, pré-adolescentes, o que acaba sendo muito mais violento porque o aluno não encontra um suporte, onde se socorrer”, analisa o parlamentar.
Homem negro e constante alvo de ataques racistas, o deputado estadual Renato Freitas (PT), preside a Comissão de Igualdade Racial na ALEP (Assembleia Legislativa do Paraná). Atualmente, dos 54 deputados estaduais que formam a Casa, apenas três se autodeclaram negros.
“A educação representa para a juventude negra não só uma possibilidade para mobilidade social, mas, sobretudo, a salvaguarda da vida e da liberdade, haja vista que aqueles que morrem e são presos são jovens negros, com ensino fundamental incompleto, ou seja, aqueles que possuem ensino fundamental completo já se veem mais longe da morte e da prisão. A evasão, em grande medida, se dá pelo racismo, nosso povo não se vê em sala de aula, acredita que aquele lugar não lhe cabe”, complementa Renato.
Levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) identificou que mais de 70% dos jovens de 14 a 29 anos que abandonam a escola são negros.
Além do deputado, a mesa contou com as participações de Mãe Omim, do Ilê Axé Opô Omin, localizado na zona Norte da cidade, Robson de Ogun, da Associação de Ogãs, Mestre Zé do Guanabara vinculado ao projeto Jogando Capoeira na Escola, Luciane Santos, idealizadora da marca londrinense Zuri Bonecas Negras, Lígia Braga, representante do movimento hip-hop.
Sandra reforça, ainda, a necessidade de implementação da Lei nº 10.639, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio.
“Nós já temos mais de 20 anos da Lei 10.639, que inclui na LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional], a história e cultura africana e afro-brasileira, mas ainda a escola não implementou totalmente essa Lei. A escola, assim como a sociedade, é um espaço racista. Então, nós estamos aqui discutindo as possibilidades de uma escola não racista. Enquanto houver racismo, nós temos que discutir porque nós precisamos empoderar nossas crianças”, acrescenta Sandra.
Levantamento da APP-Sindicato, divulgado no último dia 13, relevou que o Paraná é um dos estados com menor adesão ao programa nacional de educação em relações étnico-raciais. O estado ficou entre os últimos entes federativos a adotarem a política, com um total de 76,6% de aderência por parte dos municípios.
Movimento hip-hop e luta antirracista
Para Lígia Braga, representante do movimento hip-hop em Londrina, o gênero oportuniza que os jovens se expressem com maior liberdade, sobretudo, os oriundos de camadas mais marginalizadas.
“Acredito que só nas ruas, em contato direto com a juventude, através de uma forma de arte, de lazer da juventude, a gente consegue acessar e potencializar as narrativas dessa juventude. Então, potencializar que eles falem por si, que denunciem, que se coloquem, às vezes, através de poesias, rimas, mas que, de fato, eles se apoderem da luta e transforme em arte. A gente espera que eles levem isso para outros espaços que ocupam”, assinala.
Ela destaca as contribuições do movimento para as partilhas não apenas de violências, mas também de formas de resistência. “As batalhas de rima são relatos, as músicas de rap são relatos. Então, se um menino preto, uma menina preta, relata violências e também relata afetos e empoderamentos, isso é produção da luta antirracista. A luta antirracista se potencializa quando as pessoas falam, quando as pessoas se colocam. O movimento hip-hop e as batalhas de rima vêm muito nesse sentido, dá voz, incentiva essas pessoas a se colocarem”, avalia.
Lígia também pontua a repressão policial sofrida nas batalhas. Porém, segundo ela, as tentativas de criminalização e estereótipos partem não apenas das forças de segurança pública, mas da população de maneira mais ampla.
“Às vezes, a gente não apanha nas rodas culturais da polícia, mas os vizinhos ainda olham torto para a gente, as pessoas ainda falam que a gente não está fazendo nada ali, que a gente está usando substâncias, que a gente está bagunçando, estragando as praças, sendo que a gente está promovendo a arte, a cultura nas praças, revitalizando. Acredito que o preconceito e a discriminação é algo que acompanha o movimento e a cultura hip-hop há muito tempo, não só aqui, no Brasil inteiro”, indica.
Escola também é lugar de capoeira
Há um ano, a capoeira também tem adentrado duas escolas do município, incluindo um colégio rural, através do projeto coordenado pelo Mestre Zé do Guanabara. A liderança lembra que a expressão que mistura arte marcial, dança e música é símbolo de resistência do povo negro.
A capoeira reconhece a ancestralidade e luta por liberdade. “A capoeira, sobretudo, é fruto da escravidão. E sendo filha do sofrimento, a capoeira se desenvolveu dentro de um sistema de opressão. A capoeira foi perseguida, sofreu muito preconceito. Pensava-se que ‘a capoeira era coisa de malandro’, fez parte do Código Penal brasileiro. As lutas dos capoeiristas sempre foram muito grandes e o racismo é mais uma delas”, adverte.
As primeiras referências à capoeira como resistência do povo escravizado estão vinculadas ao Quilombo dos Palmares, em Alagoas, no século 17. Documentos do período relatam que soldados declaravam dificuldade de capturar negros desarmados, porque eles se defendiam com uma “estranha técnica de esquivas e pontapés”.
“Tudo que vem do negro sempre chega por último. A capoeira está conseguindo angariar o espaço que merece. Quando um mestre de capoeira como eu, sendo negro, vindo da periferia, consegue entrar, mostrar sua arte dentro das escolas, com certeza, isso está diretamente vinculado ao combate do racismo, porque o meu corpo está lá”, finaliza.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.