Se você leu a chamada dessa matéria e pensou logo em uma mãe divorciada, solteira ou viúva, nem sempre é assim. Um pai ausente não é necessariamente aquele que se separou da parceira e não vê os filhos todos os dias. Ele pode estar presente fisicamente, diariamente, e ainda assim, ser ausente.
Estamos falando de uma figura paterna (ou secundária) que pouco ou nada contribui na criação dos filhos. Isto é, que não participa ativamente não só da formação e da educação, mas também de responsabilidades, muitas vezes simples, como levar ao médico ou assumir os cuidados diários tanto quanto a mãe (ou figura primária). E isso independe do fato de morar ou não na mesma casa.
O pai é a figura central na criação dos filhos junto à mãe (mais uma vez, considere o cuidador secundário e primário). Mas, existe uma busca por apoio de outras pessoas para dar conta dessa árdua tarefa. Especialmente o das avós.
Enquanto 52% das mães contam com os pais de seus filhos, 30% contam com a ajuda das avós. Na falta do pai biológico, 23% das mães contam com pai/mãe não biológico da criança, 15% de outros familiares e 10% delas não têm apoio de ninguém. “Sou a única responsável”, elas assinalaram.
Os números são da pesquisa feita por Universa, chamada de “Estudo Materna: o que pensam e querem as mães”, realizada em dezembro de 2023 com mil mulheres, e a metodologia de Mind Miners, plataforma especializada em Consumer Insights.
Dentre as mães que recorrem às avós para apoio na criação de seus filhos, 29,57% são casadas e 25,15% estão em união estável, números muito próximos dos 28,57% de divorciadas e 34,35% de solteiras. Ou seja, eles estão ali, mas não estão.
“Vivemos em uma cultura em que o papel do cuidado das crianças é endereçado para as mulheres. É muito comum que, diante dessa sobrecarga, a mãe convoque sua mãe para revezar com ela, o que retroalimenta o lugar de responsabilidade que recai sobre mulheres no que diz respeito ao cuidado das crianças, perpetua um lugar desimplicado do pai no cuidado com os filhos e com as questões domésticas”, diz Arielle Rocha Nascimento, psicóloga clínica, especialista em reprodução assistida e maternidade.
Outro dado divulgado recentemente por Universa já mostrava essa realidade de outra forma, revelando que 32,53% das mães solo são casadas ou vivem em união estável.
Mãe solo, vale dizer, descreve uma mulher que cria filhos sem envolvimento ou apoio do outro genitor – numa dinâmica onde a criação (e, muitas vezes, o sustento) da criança recai inteiramente sobre ela. É aqui, ou num lugar bem próximo a essa solidão materna, que elas recorrem para suas mães. Já a mãe solteira se refere ao estado civil da mulher, o que não implica que ela seja mãe solo. O pai (ou figura secundária) pode estar ativamente envolvido no dia a dia da criança, compartilhando responsabilidades – financeiras, rotineiras e emocionais – sem ter relacionamento afetivo com a mãe (figura primária).
Entender a diferença é importante para reconhecer os diferentes desafios maternos. Um deles, a carga mental invisível que nos assombra todas as noites, faça chuva ou faça sol. Ou melhor, com ou sem aliança. Quem nunca deita na cama e revê mentalmente aquela imensa lista de tarefas, muitas não cumpridas? Não por acaso: 53% das entrevistadas se consideram as principais tomadoras de decisões no lar (entre compras e escolha de produtos, por exemplo), sendo que, entre as casadas, 55,84% são as principais decisoras. Dentre as que estão em união estável, 41,32% delas seguram as rédeas do lar.
Vamos levar para a terapia?
Toda mãe precisa da parceria na criação de um filho. Não se trata de colaboração, e sim de responsabilidade – palavra repetida aqui algumas vezes. Afinal ambos são responsáveis por, como dizem por aí, colocar a criança no mundo. Mas, quando não se pode contar com o par genitor, a mãe (viúva, solteira, separada ou até casada) precisa dessa ajuda de outras formas, tecendo a famosa e necessária rede de apoio.
E não podemos esquecer de mulheres que desejaram e realizaram o que se conhece como produção independente. “Vivemos modos de novas formas de parentalidade. A própria reprodução assistida, área em que atuo, dá notícias de formas inéditas de constituição familiar. Mães solos, parentalidade por gametas doados, adoção, etc. Precisamos falar sobre a parentalidade e seus efeitos na família, mas não para oferecer um manual que garantirá a família ideal, até porque não existe, e ainda bem”, analisa Arielle Rocha Nascimento, psicóloga especialista em reprodução assistida e maternidade.
Segundo a profissional, é importante nesses casos olharmos para a singularidade de cada história, para o que se transmite para os filhos, e para os laços que famílias e sujeitos podem constituir. A rede de apoio, aliás, não é exclusividade de quem não tem parceria: especialistas apontam o quão saudável ela é em qualquer maternagem. Mas, há quem – por alguma razão (muitas vezes ligada à culpa) – acabe querendo fazer tudo sozinha.
A recomendação é clara: não faça isso. Mães que são pai e mãe ao mesmo tempo ficam sobrecarregadas, e aceitar que não se pode fazer tudo sozinha é benéfico não só para as mães, como para os filhos – que serão cuidados por alguém com maior qualidade de vida, menos estresse e etc. Essa rede, portanto, é de suma importância. Porém, também é importante falar que ela não exclui a participação do segundo genitor – caso contrário, há impactos para os filhos.
Estudos mostram que crianças com o pai envolvido em sua educação têm, entre outras coisas, autoestima mais elevada, relações sociais e afetivas mais saudáveis, maior segurança emocional, menor probabilidade de abandonar os estudos ou se envolver com drogas, maior empatia e mais inteligência emocional. Por outro lado, um pai (ou figura secundária) que não cumpre seu papel, contribui para que seus filhos desenvolvam traumas emocionais, baixa autoestima, medo excessivo e até mesmo problemas de saúde física como puberdade precoce ou obesidade, até na vida adulta.
O que fazer se o pai não está presente, por qualquer que seja a razão? Contar com a rede de apoio, que não necessariamente precisa ser composta por mulheres. Que tal incluir nela um irmão, tio da criança? Um grande amigo? O avô? Achou estranho? Fica com a gente nas últimas linhas dessa reportagem. É que, quando o bebê nasce, é importante alguém se responsabilizar pelo seu cuidado, o que na esmagadora maioria das vezes é feito pela mãe.
O que não podemos ignorar é que, para ela fazer isso, é importante que o pai (ou outra pessoa que se faça presente) a proteja – criando um espaço que a sustente para que ela possa sustentar o bebê. Conforme o bebê cresce, e essa dependência absoluta de um cuidador exclusivo passa, é saudável que a dinâmica familiar passe a ser compartilhada em justa medida, entre as duas figuras parentais.
“Essa sobrecarga do cuidador, que hegemonicamente é a mãe, precisa ser olhada, não apenas nos divãs de cada mulher ou de forma privada de cada família, mas também de forma estrutural e social. Qual condição, como sociedade, oferecemos para que mulheres possam cuidar de seus filhos, da forma como eles precisam?”, explica Arielle Rocha Nascimento, psicóloga clínica, especialista em reprodução assistida e maternidade.
Construir uma rede de apoio que vá além das avós e que inclua os homens – sejam eles pais, novos parceiros, padrinhos? – é relevante não só para a família e criança em questão, mas para um movimento que pode ganhar força e beneficiar outras tantas famílias e crianças. Além de não sobrecarregarmos a mulher-mãe, estaríamos deixando de sobrecarregar as outras mulheres da roda, e convidando a todos para o cuidado com as crianças, e com o futuro.
Essa transformação (que os números apontam ser minimamente necessária) passa pela escolha de não naturalizarmos mais a sobrecarga materna, e sim questionar o imperativo da múltipla função, e a ideia de que na falta do pai apenas outras mulheres podem ajudar. A mãe que recusa o lugar de fazer tudo favorece um melhor cuidado de si e consequentemente da criança. Então, por onde começar?
Uma sugestão é começar por aí, por assumir para si e para os outros até onde você, gestante e mãe, é capaz de ir, sem prejudicar sua saúde física ou mental. Em seguida, pensar na construção da rede de apoio – com o pai da criança e quem mais couber nela. Vale ainda incluir nela serviços sociais (como creche e escolas públicas de qualidade) que podem ajudar a trazer mais suporte no dia a dia, ou empresas que olham para a maternidade de forma mais consciente (onde, quem sabe, você possa trabalhar). Sim, nós sabemos, não é tarefa fácil.
Mas, se tudo der certo, novas pesquisas trarão realidades mais justas para mães e filhos, com maior presença dos pais (genitores secundários) e de toda a comunidade. “Precisamos não apenas oferecer condições no âmbito familiar e afetivo para o cuidado materno, mas a sociedade precisa sustentar de forma ampla, a importância de se amparar quem cuida dos futuros membros de nossa sociedade”. conclui Arielle.
Fonte: Universa UOL