Terceirização atinge desde contratação de funcionários a oferta das aulas; assunto é pauta da 8ª Conferência Estadual de Educação adiada após acidente que vitimou sete trabalhadores a caminho do evento
Prevista para ocorrer no último fim de semana (dias 12 e 13 de agosto) a 8ª Conferência Estadual de Educação com a temática “Por uma educação humanizadora”, da APP Sindicato, entidade que representa as trabalhadoras e trabalhadores em educação pública do Paraná foi adiada após acidente na BR-376. Na noite da última quinta-feira (11) sete servidores da educação paranaense (professores, agentes educacionais e motorista) morreram após batida envolvendo um caminhão e a van na qual a delegação de educadores de Cambará seguia para Curitiba, cidade escolhida para sediar o encontro.
Em entrevista exclusiva ao Portal Verdade, Márcio André Ribeiro, presidente da APP-Sindicato em Londrina, comentou o momento difícil que a categoria está enfrentando e apontou que a prioridade agora é atender as famílias das vítimas. Ouça aqui.
Também em entrevista ao Portal Verdade, Ivonyr Aires, secretário educacional no Núcleo Sindical de Londrina, explica que as finalidades do evento são reafirmar as lutas em defesa do direito à educação pública de qualidade e pela valorização dos profissionais da educação. Para subsidiar o encontro, foram realizadas conferências regionais nos 29 núcleos sindicais do Paraná entre os meses de maio e julho deste ano.
Aires aponta também que uma das principais pautas levantadas pela categoria é a rejeição ao modelo privatista de educação proposto pela gestão de Ratinho Júnior (PSD) no estado. “O evento visa promover o debate de propostas que se contraponham ao processo de empresariamento e de desmonte da educação pública, que vêm sendo implementado de forma autoritária, avassaladora e cruel pelo governo de Ratinho Júnior, por meio de seu secretário/empresário da educação, Renato Feder”.
Márcio André Ribeiro reforça o posicionamento contrário do coletivo aos processos de privatização em curso. De acordo com ele, podemos observar a financeirização da educação básica no Paraná através de diferentes ações “às vezes disfarçadas e em outras escancaradas”, a exemplo da tomada de recursos públicos por empresas privadas de educação, o que compromete o investimento nos serviços gratuitos e direitos constitucionais.
“A iniciativa privada busca nos recursos públicos aumentar a sua margem de lucro sempre. O recurso de um país está no seu produto interno bruto [PIB] e constitucionalmente uma parte deve ir para a educação pública. O recurso de empresas privadas de educação não vem de mensalidades de estudantes, isso é muito pouco. Então, elas vão onde o recurso está que é justamente nos poderes públicos: federal, estadual e municipal. Eles buscam captar esses recursos que fatalmente deixam de ser destinados para as escolas públicas, professores e funcionários”, pontua.
Funcionários de escolas e professores temporários
De acordo com Ribeiro, os trabalhadores de escolas (como zeladores, colaboradores da limpeza, entre outros serviços) têm sido contratados diretamente por empresas privadas situadas em diferentes regiões do estado. De acordo com levantamento da APP-Sindicato, publicizado em novembro de 2021, a gestão de Ratinho Júnior destinou R$ 422,796 milhões em um ano para contratos de terceirização de mão de obra nas escolas estaduais.
A quantia foi recebida por apenas 13 empresas em todo território paranaense e a maior parte dos contratos (82%) é de caráter emergencial, ou seja, firmados sem a concorrência de um processo licitatório, o que eleva seus valores. Ainda, de segundo a organização, os contratos custaram R$ 178 milhões a mais do que o gasto previsto com os 9,7 mil funcionários temporários demitidos em 2021.
“Os funcionários agora são contratados por uma empresa particular e depois presta serviço dentro da escola e não tem absolutamente nenhum vínculo com a Secretaria de Educação. O governo está gastando mais do que antes para contratar essas empresas, os funcionários que antes recebiam do estado estão recebendo menos e tendo que trabalhar mais, essa diferença obviamente vai para o bolso dos empresários, então, são atravessadores”, explica Ribeiro.
Ribeiro lembra também do processo de contratação de professores temporários. No processo em andamento, a responsabilidade da seleção dos docentes está a cargo de uma empresa privada [Instituto Consulplan]. “Não vai demorar muito para que alguma empresa particular assuma a contratação destes profissionais para a Secretaria de Educação”.
“Gambiarra pedagógica” no novo ensino médio e ensino profissionalizante
Outro movimento privatista citado por Ribeiro é a contratação de uma universidade privada para que esta selecione monitores, que por sua vez, serão responsáveis por acompanharem vídeos-aulas no ensino médio de oferta regular. Atualmente, eles estão inseridos na sexta aula, mas Ribeiro alerta que a tendência é que a presença de monitores e vídeo-aulas (em substituição a docentes em sala de aula) seja empregada em outros momentos.
Para ele, os reflexos desta medida podem ser observados na precarização das condições de trabalho e qualidade da educação ofertada a sociedade, visto que muitos destes profissionais não são professores. “A gente não sabe se eles são graduados, onde e de que forma possuem esta qualificação”, adverte.
Em dezembro de 2021, a SEED anunciou que os cursos técnicos integrados de Administração, Agronegócio e Desenvolvimento de Sistemas passariam a ter aulas ministradas por professores de uma faculdade privada. A pasta justificou a medida afirmando que enfrenta dificuldade de encontrar “profissionais habilitados para trabalhar os componentes específicos desses cursos técnicos, especialmente em cidades menores”.
A APP-Sindicato rebateu a alegação do órgão, classificando-a como “gambiarra pedagógica” e informando que desde 2019, docentes estão se qualificando para implementar os novos currículos nas escolas.
“É um sistema que precariza absurdamente a educação pública, destrói a qualidade. Ao invés de termos de professores concursados, que demonstrem a sua qualificação em universidades respeitadas, com pós-graduações, e que dessa forma tenham formação continuada e sejam devidamente acompanhados e cobrados na qualidade de seu trabalho, passamos a ter monitores. É muito óbvio a queda na qualidade na educação prestada à população, mas neste modelo não é a qualidade que importa, o que importa é agradar os empresários para que eles possam agradar de volta a classe política que lhes ofertou essa possibilidade”, conclui Ribeiro.
Em março, estudantes de cursos técnicos realizaram protestos em todo estado contra a terceirização das aulas. Entre as reinvindicações, os alunos se recusaram a assistir as vídeo-aulas ofertadas pela universidade privada contratada pela SEED e solicitaram a volta de professores em sala de aula. O contrato firmado entre o governo estadual e a faculdade custou R$ 38,4 milhões aos cofres públicos.
A 8ª Conferência ainda não tem data prevista para acontecer, mas no próximo sábado (20), a APP Sindicato convoca o funcionalismo para assembleia online a partir das 8h30. O encontro debaterá o indicativo de paralisação e ato estadual no 30 de agosto, aprovado pelo Conselho Geral da APP no último dia 9, entre outras pautas.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.