Manifestação rejeita PL 522/2022 e contou com a participação de profissionais de Saúde, lideranças sindicais, estudantes e demais segmentos população
As manifestações contra mais uma tentativa de venda do patrimônio público no Paraná seguem. Desta vez, as mobilizações rechaçam o Projeto de Lei (PL) nº 522/2022. Criada por Ratinho Júnior (PSD) em regime de urgência, a medida possibilita que as gestões dos hospitais universitários no estado sejam concedidas para a iniciativa privada. Após reunião pública realizada na Câmara Municipal de Londrina e assembleias promovidas pelo Sindicato dos Técnicos-Administrativos da UEL (ASSUEL) na última segunda-feira (5), hoje foi dia de estudantes, profissionais da Saúde, lideranças sindicais e população ocuparem as ruas em frente ao Hospital Universitário (HU), na zona norte da cidade.
Ana Batalha, servidora pública aposentada no estado de São Paulo, reside em Londrina há 13 anos e é usuária dos serviços prestados pelo HU. Para ela, a terceirização levará ao fim da Unidade. “Estamos na luta para que o Hospital permaneça sendo público e não seja privatizado. Isso seria um caos. Esperamos que chegue nosso grito de socorro chegue até as autoridades”.
Um dos pressupostos mais criticados pelos trabalhadores e entidades da área é a falta de diálogo com o Palácio do Iguaçu. Nas últimas semanas, a gestão de Ratinho Júnior tem encaminhado de maneira autoritária, sem ampla discussão, uma série de legislações que repassam para o empresariado a administração de serviços e instituições públicas, a exemplo da privatização da Companhia Paranaense de Energia (Copel) aprovada em menos de uma semana.
“Não tem como dissociar ensino, pesquisa, extensão da assistência. O Hospital Universitário foi fundado baseado nestes pilares. A gente quer ser visto e discutir, ter a oportunidade de conversar sobre o que está sendo proposto e não desta maneira como está sendo apresentado, totalmente imposta. A gente já tem experiências em Londrina mesmo que os profissionais relatam uma realidade sucateada, sem medicamentos. E não queremos isso. O HU é um hospital de excelência. Nossa luta é saúde de qualidade para a população”, destaca Letícia Costa, enfermeira na Instituição.
Rita de Cássia Domansky, presidente do Conselho Municipal de Saúde, considera que para entidade a principal preocupação é a desassistência da população. De acordo com a liderança, o HU é o maior hospital com leitos disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Paraná. São atendidos 97 munícipios na região, contemplando aproximadamente 3 milhões de pessoas. Ela também indica os prejuízos notados em administrações que já foram condicionadas à terceirização.
“Nós, do Conselho, temos preocupação com o que temos visto historicamente, na terceirização dos hospitais da rede própria da SESA [Secretaria de Estado da Saúde] que houve prejuízo na assistência e isso reflete, inclusive, hoje na assistência prestada pelo HU. Desde o ano passado, os dois [hospitais] pequenos, secundários nossos são terceirizados e recebemos várias queixas de usuários sobre não atendimento, falta de medicação, insumos para trabalho. O HU acaba atendendo o que eles não estão dando conta. Se terceirizar, nós não vamos conseguir fazer este apoio para a população, ela ficará desassistida, porque, atualmente, o HU resolve praticamente 100% das demandas de alta complexidade. Nós temos hospitais filantrópicos conveniados, mas eles não atendem toda demanda, o HU que absorve”, conta.
Domansky também criticou a proposta de criação de um conselho com a finalidade de estabelecer as diretrizes de integração, avaliação e controle da relação entre a Secretaria de Estado da Saúde e os hospitais universitários. Para a enfermeira, a principal dificuldade é a exclusão de profissionais e segmentos da sociedade que atuam e fazem uso dos serviços de Saúde.
“Se você olhar a composição deste conselho, é preocupante porque ele é formado por pessoas estritamente ligadas ao governo ou indicadas por ele. Nós precisamos que tenha a participação da população, dos trabalhadores de Saúde, prestadores. Em nenhum momento, os hospitais universitários foram chamados para integrar esta discussão sobre este Projeto. Foi aventado há uns dois anos e a proposta era de que todos os agentes fossem ouvidos”, indica.
A mesma visão é partilhada por Maria Aparecida de Oliveira, gestora pública e servidora do HU há mais de três décadas. Ela ressalta que o PL fere a autonomia universitária ao retirar da comunidade acadêmica a gerência do Hospital e representa uma “grande ameaça” para toda a população, pois compromete a atual finalidade da Instituição que é o tratamento humanizado, qualificado e ágil dos pacientes.
“Não vamos ter em Londrina mais uma opção de hospital que seja integralmente SUS. Quando você entra em um hospital que não totalmente SUS, a primeira pergunta que te fazem na recepção é ‘qual é o seu plano de saúde?’ Nós não queremos que a recepção do HU faça esta questão antes de dizer ‘bom dia, no que eu posso te ajudar?’ Então, terceirizar significa não ter ensino e pesquisa de qualidade em Londrina, vai comprometer a formação em cursos fundamentais para a humanidade, gerar desqualificação dos trabalhadores, porque não vão investiram nisso. Significa não ter voz e nem vez no atendimento”, observa.
Para Oliveira, a ofensiva não tem justificativa, visto que o Hospital não possui dívidas. Ela aponta, ainda, as consequências para os trabalhadores que atuam nos hospitais universitários que enfrentarão desvalorização dos planos de carreira, flexibilização dos processos de contratação, sem realização de concursos públicos, remunerações mais baixas, precarização das condições de trabalho, afastamento das tomadas de decisões, características frequentes em ambientes cujos funcionários são terceirizados. “Uma grande insegurança. O Projeto não deixa claro como será esta relação de trabalho. O HU tem capacitação para seus profissionais de janeiro a janeiro. Com a privatização, esta qualificação ficará comprometida”.
Impactos na qualificação de novos profissionais
Jhenicy Rubira, residente em Enfermagem na Universidade Estadual de Londrina (UEL) é uma das estudantes que esteve no ato. Para ela, o Projeto de Lei também traz reflexos na vida dos estudantes na medida em que pode comprometer o desenvolvimento dos estágios, pesquisas, prejudicando, assim, a qualificação. Além disso, pode interferir no recebimento de bolsas, das quais muitos alunos dependem para sobreviver.
“Nós vemos que o HU é um gigante. Na educação, presta assistência a toda nossa 17º Regional de Saúde e outras cidades, estados. Observamos que o HU presta atendimento de qualidade a toda população da maneira mais integral que possa ter. E na educação, nós somos fruto. Eu estou aqui no HU sendo residente, é daqui que eu tiro minha especialização, recebo uma bolsa”, explica.
Ela reforça a importância do HU na formação dos profissionais e critica a falácia privatista de que a gestão realizada pela iniciativa privada poderá trazer benefícios, aumentando a produtividade e qualidade dos serviços oferecidos. “Antes de mais nada temos que quebrar este paradigma de que terceirizar resolve o problema. Nós viemos de uma gestão que está no segundo ano de mandato de muitos benefícios, a gente vê o HU crescendo exponencialmente, principalmente, na pandemia. Então, terceirizar não é a solução. Nós não temos um problema aqui imposto. O HU não é um mercado, não precisamos de lucro, mas de assistência para a população. O HU é da UEL. A UEL não existe sem o HU e o HU não existe sem a UEL”, adverte.
Cibele Lima, também residente em Enfermagem, avalia que a inclusão de graduandos e recém-formados no Hospital é extremamente importante, pois contribui para a qualificação não apenas dos novos profissionais que estão sendo inseridos no mercado de trabalho, mas para inovação dos procedimentos e formação continuada dos servidores que já atuam no setor, cooperando, assim, para que o HU seja um ambiente de aprendizagem ao mesmo tempo em que acolhe e oferece atendimento à sociedade.
“Nós estamos aqui reunidos para lutar contra esse PL que privatiza a administração dos hospitais universitários, visando, realmente, manter a qualidade dos serviços prestados à população. E este Hospital não é apenas da população, também é nosso, dos profissionais de Saúde. Aqui, nós temos contato com diversas experiências que agregam muito ao nosso conhecimento”, assinala Lima.
Tentativas de suspensão
Professores Marta Favaro e Airton José Petri, Reitora e Vice-Reitor da UEL, respectivamente, estão em Curitiba juntamente com representantes sindicais. A expectativa é que a iniciativa seja retirada de pauta ou ao menos o caráter de emergência. Porém, em entrevista à Rádio UEL FM, Ronaldo Gaspar, diretor do Sindicato dos Professores do Ensino Superior Público Estadual de Londrina e Região (SINDIPROL/ADUEL) informou que, apesar das críticas, a suspensão não está sendo considerada pelo governo do Paraná.
Marcelo Seabra, diretor da ASSUEL, esteve em reunião em deputados estaduais e o secretário de Saúde, Beto Preto nesta manhã. Ele sinaliza que parlamentares estão propondo alterações no Projeto de Lei. “O nosso desejo é que o Projeto seja retirado de pauta, mas isso parece muito difícil de acontecer. Então, essas modificações iriam minimizar os efeitos danosos. Continuamos insistindo no entendimento de que este Projeto prejudica a autonomia das universidades. Fala-se, inclusive, da participação maior das universidades no conselho previsto, critérios para seleção das fundações”, disse.
Segundo Seabra, caso as negociações sobre o PL não avancem, haverá nova assembleia com a possibilidade de deflagração de greve. “Na quinta-feira, caso não haja evolução na discussão com o governo, se ele se mantiver intransigente, vamos chamar assembleia com vistas a greve a partir de segunda-feira”, ele indica.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.