Programa extingue consulta pública para eleição de diretores em escolas cívico-militares e de tempo integral
Encerrou na última quinta-feira (14), os “testes online” do “Banco de Talentos”, programa que visa selecionar candidatos que poderão assumir a função de diretor em escolas de tempo integral e cívico-militares da rede estadual de ensino do Paraná. De acordo com Edital nº 97/2023, o chamamento está condicionado à vacância, ou seja, quando há desistência ou afastamento definitivo do servidor que ocupava o cargo de diretor das instituições de ensino.
A iniciativa tem sido amplamente criticada por entidades e trabalhadores da educação que a classificam como mais um ataque à gestão escolar democrática, princípio estabelecido na LDB (Lei de Diretrizes Bases da Educação Nacional) de 1996.
“É importantíssimo ressaltar que a APP-Sindicato [Sindicato dos Professores e Funcionários de escola do Paraná] que tem mais de 75 anos de história, sempre defendeu a gestão democrática na escola e nós não abriremos mão dessa defesa, ou seja, nós defendemos que a comunidade escolar entende o que é melhor para ela e precisa ter o direito de escolher os seus dirigentes, as diretoras e diretores, pessoas que convivem naquela comunidade há bastante tempo, são conhecidas e têm as condições de entender a particularidade de cada região”, ressalta Márcio André Ribeiro, docente da rede estadual de ensino e presidente da APP-Sindicato Núcleo Londrina.
O nome “Banco de Talentos” foi inspirado em iniciativa lançada em São Paulo, ainda sob a gestão de João Dória (PSDB). Para o professor, o rechaço à proposta significa a defesa da democracia, visto que o programa determina o fim da consulta pública para eleição das equipes gestoras que deverão ficar responsáveis pelas escolas.
“O que o governo vem fazendo é justamente encerrando com a gestão democrática das escolas, pois na resolução que o governo emitiu para que essas escolas sejam transformadas em cívico-militares ou de tempo integral, um dos pontos principais é que deixa de existir, a consulta à comunidade para escolha de diretores de escola e passa a ser incumbência do NRE [Núcleo Regional de Educação] determinar quem será”, ele pontua.
“Isso já extingue completamente o processo da gestão democrática, mas para dar ares de menos imposição, de legitimidade, a SEED [Secretaria Estadual de Educação] terceirizou um processo de seleção que nós entendemos que não é legitimo, não é justo, basta ler o edital. Terceirizou para empresas particulares ligadas à educação”, continua a liderança.
Conforme anunciado pelo Portal Verdade, em setembro, a base governista de Ratinho Júnior (PSD) aprovou na ALEP (Assembleia Legislativa do Paraná) Projeto de Lei nº 672/2023. A medida, proposta pelo poder Executivo, altera as regras para eleição de diretoras e diretores das escolas estaduais, também modifica as formas de acompanhamento e avaliação das equipes gestoras.
Entre as mudanças, está a regra de que para o pleito ser considerado válido é preciso ter a participação de pelo menos 30% dos membros de cada comunidade escolar. Caso não atinja esta taxa de adesão, a SEED irá indicar o novo diretor. Ainda, se não houver concorrentes, a pasta também irá estabelecer um representante (relembre aqui).
Ainda, de acordo com o edital, para a formação do Banco de Talentos, “a Secretaria de Estado da Educação contará com apoio técnico do Vetor Brasil”. Com sede em São Paulo, a empresa tem estabelecido convênios com secretariais estaduais e municipais de educação de todo o país, terceirizando a contratação de profissionais.
“Potencializar o serviço público brasileiro formando uma rede de profissionais engajada e diversa, buscando mudanças positivas em escala” – esta é apresentada como uma de suas principais missões. Para isso, oferece o que denomina de “soluções” como trainee de gestão pública, “atração e seleção de gestores escolares” cuja finalidade é “gestão de talentos em todos os níveis das redes educacionais, das Secretarias às escolas. Apoiamos a construção de uma cultura de liderança e transformação educacional através das pessoas”.
“A empresa Vetor que vai cuidar desse Banco de Talentos é uma empresa ligada a Fundação Lemann, que é uma gigante da educação privada no país, mas que invade a educação pública atrás de recursos. Isso já acontece há anos e vem avançando com uma determinação feroz. A SEED não tem preocupação nenhuma com a democracia ao invés disso terceiriza tudo que é possível para empresas particulares ganharem mais dinheiro ainda”, alerta Ribeiro.
A organização foi chamada em 2016 pela gestão do prefeito Marcelo Belinati (PP), então recém-eleito em Londrina, para ajudar na seleção da pessoa que chefiaria a Secretaria Municipal de Educação.
Ribeiro também chama atenção para os “critérios de avaliação extremamente subjetivos do edital” que incluem possuir formação em curso superior e não ter sido condenado e/ou cumprido pena estabelecida em sentença criminal transitada em julgado nos últimos cinco anos.
A seleção dos candidatos é composta de cinco etapas: inscrição, elegibilidade, conclusão cadastral, testes online – através dos quais os concorrentes respondem a questões de lógica, leitura e interpretação de texto, competência em liderança escolar – sendo esta última subdividida nos seguintes aspectos: atributos pessoais, atributos relacionais, atributos gerenciais, fatores comportamentais. Por fim, os inscritos realizam uma entrevista por competências também remota.
“Nós não concordarmos e orientamos que as pessoas não se inscrevam. As inscrições são abertas para o estado inteiro, não é apenas para Londrina, inclusive, pessoas de outras cidades poderão ser indicadas posteriormente para dirigirem escolas da região de Londrina”, destaca o sindicalista.
Ribeiro acrescenta o caráter eleitoreiro da iniciativa. “Deixa de existir no Paraná, a gestão democrática das escolas com a intervenção terceirizada de empresas privadas através da SEED. Entendemos que é uma maneira velada de os cargos de secretarias de escolas mais uma indicação política que ficará a cargo de deputados estaduais da região, é isso que vai acontecer no final das contas, estamos alertando antecipadamente, quando o processo estiver acontecendo nós conseguiremos provar o que estamos apontando neste momento”, assinala.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.