Lei de 2022 permite que qualquer cidadão com mais de 18 anos faça alteração sem precisar de processo judicial e motivo. Norma também facilitou mudanças de sobrenomes
Os Cartórios de Registro Civil do Paraná registraram 1.790 mudanças de nome nos dois primeiros anos da lei que permite a qualquer cidadão com mais de 18 anos realizar a alteração sem precisar de processo judicial e motivo. Os dados são da Associação do Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado do Paraná (Arpen-PR).
Entre os estados brasileiros, o Paraná ficou entre os quatro com mais registros de mudança, ficando atrás apenas de São Paulo (4.685), Minas Gerais (2.230) e Bahia (1.909).
A lei está em vigor desde julho de 2022 e flexibilizou o processo. As novas regras também ampliaram as possibilidades para alteração de nomes e sobrenomes diretamente em cartórios, independentemente de prazo, motivação, gênero, juízo de valor ou de conveniência, exceto em casos de suspeita de fraude e má-fé. Veja como funciona a seguir.
Antes da mudança legal era preciso processo judicial para a alteração do nome.
A diretora de Assuntos Jurídicos da Arpen/PR, Bettina Amorim, explica que, entre as pessoas que procuram o serviço estão, especialmente, pessoas transgênero e pessoas que não gostam ou não se identificam com o próprio nome.
“O nome acaba sendo um dos elementos mais essenciais para identificar uma pessoa na sociedade, na sua família. Então, nada mais natural que a pessoa queira ter um nome com o qual ela se identifique, com o qual ela tem um senso de identidade”, afirma.
Nicholas Baptista Ignacio passou pela mudança no início de 2023. Ele relata que não se identificava com o nome com o qual foi batizado e pensou sobre a alteração por cerca de um ano.
“Eu tinha um agnome, então era o mesmo nome do meu pai + Junior. Meu pai não foi uma figura muito presente ou positiva na minha vida, tanto que nem tenho contato faz alguns anos. Juntando isso com eu nunca ter gostado do nome, fez sentido para mim fazer a mudança”, afirma.
Os amigos já o chamavam pelo novo nome escolhido, ele, então decidiu fazer a troca oficialmente e alterar os documentos. O fato de não precisar de processo judicial foi um incentivo.
No caso dele, todo o processo demorou cerca de 3 meses.
“Na troca do primeiro nome foi um peso tirado das costas. É algo que eu me acostumei super rápido, porque não tive mais o incômodo de ter que usar um nome que eu já não gostava e que também não sentia que era ‘meu’, por ser herdado de outra pessoa”, detalha.
Para Bettina Amorim, é esta a intenção da desburocratização da retificação do nome.
“A ideia é que a gente possa realmente fazer com que as pessoas se sintam reconhecidas, se sintam com a sua dignidade concretizada, nesse direito que é tão essencial. Os Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais têm um papel de protagonismo nisso, porque cada vez mais a gente está se aproximando da população, no sentido de proporcionar serviços de maneira séria, desburocratizada, e muito mais viável economicamente do que pensando em uma via judicial”, defende.
Lei aumentou possibilidades
Desde 2018, a retificação de nomes diretamente em cartórios era possível para pessoas transexuais e travestis. A mudança passou a ser garantida depois de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
A lei de 2022 ampliou a mesma mudança para qualquer pessoa com mais de 18 anos.
A estudante Giulia Pacheco, de 28 anos, passou pelo processo de mudança do nome no fim de setembro. Ela é uma mulher trans e reforça a importância de um nome alinhado com a identidade de quem o carrega.
“Você pode fazer a transição social, pode passar a usar um nome, pode até ter o nome social no RG. Só que você está carregando um ‘cadáver’ ainda, e ele segue você e dá ‘oi’ de vez em quando: quando você vai fazer algum registro, algum cadastro que você tem que informar o documento, tem que passar os dados e esse nome de registro sempre está lá, seguindo você. Quando você faz essa retificação, você tem essa liberdade. Você pode ser você mesma, sem ter que ficar com essa pedra no caminho”, conta.
Todo o processo de retificação do nome de Giulia – entre juntar os documentos, enviar ao cartório e receber os documentos adequados – levou cerca de 25 dias.
Ela conta que já pensava em fazer a adequação do nome há algum tempo, mas a facilidade de fazer todo o processo sem precisar acionar a Justiça foi algo que a incentivou.
“Nunca esteve tão acessível como agora, porque as pessoas tinham que fazer uma ação judicial, era uma coisa muito desgastante, envolvia muito tempo, muito dinheiro, muita complicação. Hoje em dia está bem mais facilitado”, conta.
Catuxa Boujhers passou pela retificação do nome antes da lei e teve uma experiência muito diferente de Giulia.
Ela iniciou o processo judicial em 2009 e só conseguiu a adequação do nome sete anos depois, em 2016. Ao longo do processo, ela precisou apresentar laudos psicológicos, laudos médicos e levar um familiar próximo como testemunha.
Segundo Boujhers, todo o período que passou com o “nome morto” – termo utilizado para se referir ao nome pelo qual uma pessoa costumava se chamar antes da transição de gênero – a colocou em situações constrangedoras. Em algumas, teve direitos negados e, em outras, foi vítima de transfobia – inclusive no mercado de trabalho.
Ela afirma que a retificação do nome não é garantia do fim de episódios de preconceito, mas que é um direito conquistado.
“Você realmente se sente uma pessoa. É a sua dignidade, em primeiro lugar”, defende.
Hoje, Catuxa Boujhers é coordenadora do DigTrans, núcleo de pessoas trans e travestis do coletivo Grupo Dignidade, que defende os direitos da população LGBTQIAP+. Por meio dele, pessoas trans podem buscar apoio jurídico e orientações na hora de fazer a retificação do nome.
Além da questão processual, o grupo orienta também sobre aspectos financeiros e digitais que envolvem a retificação.
“A gente tem muitos casos de pessoas que nos procuram falando que não é respeitado o nome [social]. Você não aguenta mais, é uma ansiedade muito grande. Eu já passei por esse processo, eu entendo a ansiedade. Eu busco conversar com elas e com eles, mostrar a minha experiência: ‘No meu, lá atrás, foi assim. Aconteceu isso. Eu entendo tudo o que você está pensando…'”, conta.
Lei também flexibilizou mudanças de sobrenomes
A lei flexibilizou também mudanças de sobrenomes, possibilitando a inclusão de sobrenomes familiares, desde que tenha comprovação do vínculo, e inclusão ou exclusão de sobrenome por conta de casamento ou divórcio.
Da mesma forma, filhos podem acrescentar sobrenomes em virtude da alteração do sobrenome dos pais.
“Algumas pessoas pedem para incluir sobrenomes, especialmente de avós ou bisavós, no intuito de honrar alguma história de vida da família”, explica Bettina Amorim.
É exatamente o caso de Nicholas, além de mudar o primeiro nome, ele incluiu o sobrenome da família da mãe.
“Eu adicionei também o sobrenome Baptista, da minha mãe. Eu fui muito próximo dos meus avós maternos na infância, então, para mim, foi uma forma de homenagear eles também”, conta.
É possível mudar nome de bebês até 15 dias após registro
A lei de 2022 passou a permitir também a mudança de nome de recém-nascido em até 15 dias após o registro, no caso de não ter havido consenso entre os pais sobre como a criança vai se chamar ou em caso de erros.
A ação possibilita, por exemplo, a correção em casos nos quais a mãe da criança está impossibilitada de comparecer ao cartório por conta do parto e o pai ou declarante registra o bebê com um nome diferente do combinado.
Para realizar a alteração do nome e do sobrenome do recém-nascido é necessário que os pais estejam em consenso, apresentem a certidão de nascimento do bebê e os documentos pessoais de cada um deles.
Se não houver consenso entre os pais, o cartório deverá encaminhar o caso ao juiz competente para a decisão.
Como mudar o nome ou sobrenome no cartório?
Para realizar fazer a mudança do nome ou do sobrenome diretamente em Cartório de Registro Civil é necessário que o interessado tenha mais que 18 anos e leve os documentos pessoais, como RG e CPF, no cartório escolhido.
Bettina Amorim destaca que o processo pode ser feito em qualquer cartório, não necessariamente no qual a pessoa foi registrada.
O processo tem um custo, tabelado por lei, e que varia de acordo com o município onde é feito.
Após a alteração, o Cartório de Registro Civil comunica a alteração aos órgãos expedidores do documento de identidade, do CPF e do passaporte, assim como ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Caso a pessoa se arrependa da mudança e queira voltar atrás, será necessário entrar com uma ação em juízo.
Fonte: G1 PR