Em setembro último, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sancionou a Lei nº 14.965, que visa unificar os concursos públicos federais. A proposta tramitou no Congresso Nacional por duas décadas.
A norma vale apenas para concursos federais, excluindo seleções para o Ministério Público, empresas públicas ou de economia mista que não dependam de recursos do Palácio do Planalto para custeio de despesas com pessoal.
Uma das novidades é a possibilidade de realização das provas total ou parcialmente à distância.
Em entrevista ao Portal Verdade, Lincoln Ramos, diretor da FENASPS (Federação Nacional de Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social) e do SindPRevs/PR (Sindicato dos Servidores Públicos Federais em Saúde, Trabalho, Previdência Social e Ação Social do Estado do Paraná) avalia as novas regras que terão um período de transição e serão obrigatórias a partir de 1º de janeiro de 2028.
Confira entrevista na íntegra:
PV: No início de setembro, o governo federal anunciou novas regras para realização de concursos. Uma das novidades é a possibilidade de realização das provas total ou parcialmente à distância. Como você avalia as novas diretrizes?
A primeira observação é que é uma lei extremamente generalista. O objeto dela não é detalhar como vai funcionar o concurso público, mas traçar linhas gerais. A principal mudança é realmente o fato de podermos ter concursos virtuais, de a prova ser feita através de plataformas online. Isto tem um lado positivo, mas também tem a observação de alguns cuidados. O lado positivo é que facilita para o concursado, já que ele não precisará fazer viagens longas quando o concurso é fora do seu domicílio.
Isso, obviamente, barateia o custo do investimento para fazer o concurso, mas como é uma plataforma virtual tem que estar atento à questão da segurança da prova, do ambiente virtual para que não haja fraudes. Então, vai depender de como essas plataformas vão ser estruturadas e fornecidas pelo próprio governo. Deixa um ponto de interrogação se será bom ou ruim. Se vão conseguir executar procedimentos de segurança que realmente evitem problemas ou não. Isso, nós vamos ter que aguardar para ver o que o tempo vai nos dizer em relação à segurança desses dispositivos.
PV: Quais as principais consequências da mudança para o funcionalismo federal?
Em relação às consequências para o funcionalismo público federal, na verdade, como é uma regra generalista, não traz muito aspecto nem positivo nem negativo para o servidor público, não tem essa conotação. Eu acho que o benefício é mais para o concurseiro, para a pessoa que vai prestar o concurso, que passa a ter algumas benesses e, claro, alguns cuidados e preocupações.
O grande problema para o funcionalismo público é o que advém dos processos de terceirização, por vezes, a quarteirização, que você acaba diminuindo os postos de trabalho do servidor público federal e aumentando as contratações temporárias. Isso gera problemas na qualidade do serviço prestado, pode levar à descontinuidade do serviço, então, temos consequências diretas para o servidor e para a população em geral.
PV: Você considera que a medida pode levar a falta de isonomia entre os candidatos ou, ao contrário disso, poderá contribuir para a democratização do acesso aos concursos? Poderia explicar?
Um dos quesitos sobre essa legislação é a democratização do acesso. Não resta dúvida que, tirando a parte da segurança do processo, que é uma parte importante e tem que ser observada, é um instrumento que melhora a democratização do acesso ao concurso público. Muitas pessoas que teriam interesse de fazer concursos públicos federais, muitas vezes acabam não conseguindo fazer pelo custo.
Porque as provas são normalmente nas capitais, o pessoal que é do interior, além do próprio valor da taxa de inscrição, tem que se deslocar, por vezes, se hospedar, o que aumenta o valor para participar desses concursos. Abrindo a possibilidade de fazer através de uma plataforma virtual, certamente, diminui muito o custo, o que facilita para a pessoa que está prestando esse concurso conseguir ter acesso, em especial, aquelas comunidades mais carentes, tanto de capitais quanto, principalmente, pessoal do interior.
PV: De acordo com a ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, as novas normas visam evitar a “judicialização dos concursos”. Como analisa este argumento?
Quanto a judicialização, essa é uma questão que já considero um pouco mais complexa. Eu particularmente não concordo com a ministra de Gestão e Inovação. O fato de eu regulamentar melhor os processos de concurso público e de abrir a possibilidade de que esses concursos também possam ser feitos via internet, isso não garante por si só que não haja ainda possibilidades de judicialização. A grande maioria dos processos de judicialização de concurso público envolve editais mal elaborados, ou seja, editais que não deixaram as regras claras e, portanto, geram dúvidas.
Também prova mal elaborada, questões que levam a dúvidas ou má interpretação ou até mesmo respostas equivocadas, gerando o cancelamento daquela questão. E ao cancelar uma questão, pela via judicial, muda toda a fórmula de cálculo desse certame, o que acaba gerando uma reclassificação, uma nova classificação.
Acho que essa questão de judicialização, vai muito além da simples questão de regularização, porque quem vai produzir essas provas precisa estar atento nas questões, para que essas questões não gerem dúvidas e eventualmente questionamentos judiciais, assim como quem vai fazer os editais também precisa estar bastante atento nas regras para que não haja esse tipo de questionamento. Acho que tem pontos muito mais importantes e muito mais complexos que envolve essa parte da judicialização.
Editais
As provas poderão ser classificatórias, eliminatórias ou classificatórias e eliminatórias, independentemente do tipo ou dos critérios de avaliação. A lei estabelece que a avaliação dos conhecimentos será feita mediante provas escritas, objetivas ou dissertativas, e provas orais, que cubram conteúdos gerais ou específicos; por meio da avaliação de habilidades, com a elaboração de documentos e simulação de tarefas próprias do posto, bem como testes físicos compatíveis com suas atividades; pela avaliação de competências, com avaliação psicológica, exame de higidez mental ou teste psicotécnico, conduzido por profissional habilitado nos termos da regulamentação específica.
O regulamento também define que a abertura de um concurso deverá ser motivada pela evolução do quadro de pessoal nos últimos cinco anos e a estimativa das necessidades futuras em face das metas de desempenho institucional para os próximos cinco anos; denominação e quantidade dos postos a prover, com descrição de suas atribuições; inexistência de concurso público anterior válido para os mesmos postos, com candidato aprovado e não nomeado; adequação do provimento dos postos, em face das necessidades e possibilidades de toda a administração pública; e estimativa do impacto orçamentário-financeiro.
O texto diz ainda que, se houver um concurso anterior ainda válido, com pessoas a serem nomeadas, fica liberada a abertura excepcional de um concurso desde que o número de aprovados ainda a serem nomeados não complete o quadro de pessoal.
Já estados e municípios poderão ter suas próprias normas para concursos.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.