Já ouviu esta expressão: “O povo antigo é que era forte. Vivia muito!”?
É possível ter histórias na família e em conhecidos algum idoso que, no passado, “viveu até quase aos cem anos!”.
Mas hoje, olhando em volta, vemos muitos idosos de 80, 90 ou até cem anos.
Na verdade, o fato é que hoje estamos “durando” mais que “o povo antigo”.
Aqueles antigos muito idosos que nossos pais e avós referiam, eram sobreviventes que conseguiam ultrapassar as diferentes barreiras de mortalidade.
Senão, vejamos. A coisa de 3 a 5 décadas atrás, morriam muitas crianças antes de completar um ano de vida. É a chamada Mortalidade Infantil. Nos anos 1950, a cada mil crianças que nasciam no Brasil, 117 morriam antes de completar um ano de vida. Mesmo em 1980, este número era alto: 83/mil nascidos vivos.
Isto significa que as pessoas que nasciam, não conseguiam completar um ano de vida. E morriam por doenças torpes como diarreia, desidratação e desnutrição, principalmente. Ou por doenças que uma simples vacina evita, como sarampo, tétano, poliomielite, difteria e que tais. Atualmente, veja que diferença: em 2021, de cada mil crianças nascidas, morreram 11.
Quando conseguiam passar do primeiro ano de vida, uma simples infecção matava. Morria-se jovem, em idade produtiva, por causas infecto contagiosas como pneumonia, tuberculose, esquistossomose, doença de chagas, sífilis, malária, meningites, tifo, febre amarela, leishmaniose, infecções traumáticas externas, erisipela, cólera, hepatite, endocardite bacteriana, etc. Ou até mesmo uma simples amigdalite.
Qualquer infecção abria uma porta de entrada para bactérias, que acabavam tomando o corpo todo (septicemia), pois não existiam antibióticos para tratamento ou vacinas para a prevenção, como temos hoje. Nos anos 1930 estas doenças eram responsáveis por mais de 45% das mortes dos brasileiros e ainda até meados dos anos 1960, elas significavam mais de 25% das mortes. Isto mudou. Até 2019 elas causavam menos de 5% das mortes. Predominaram em 2020-21 com a Covid-19, e estão caindo novamente.
Vários outros fatores interferiram. As mulheres passaram a ter um número menor de filhos – de 6 em média em 1960, para dois em média no ano 2.000 e hoje menos de 2 filhos por mulher. Menos filhos, maior chance de cuidados, mulher consegue trabalhar fora, ajuda na renda familiar, maior probabilidade de sobrevida.
Mas, foi definitivo para isto a redemocratização do país nos anos 80, aumentando o acesso à educação formal, com mais escolas e inclusive de cursos superiores, mais livre informação às pessoas, urbanização da população, que se organiza melhor para defender seus direitos, conquistando mais infraestrutura como asfalto, água tratada, moradias populares, geração de empregos, acesso a bens como geladeira, chuveiro quente, esgotos, etc.
Isto desagua na maior conquista de todas, o SUS, garantindo atendimento àquela maioria do povo que não tinha nenhuma chance de assistência médico hospitalar de saúde. Multiplicam-se as UBS, vem o PSF, remédio público para tratar gratuitamente desde hipertensão arterial e diabetes, até doenças raras, mortais se não tratadas, mas de medicamentos caríssimos. Além de UPAS, SAMU, SIATE, transplantes, vacinas, etc.
Para resumir: a realidade brasileira mudou, evoluiu, isto impactou na defesa da vida das pessoas, que faz o brasileiro hoje viver mais do que em tempos passados.
Portanto, não somos nem mais fortes, nem mais fracos que nossos antepassados. Apenas temos mais chances do que eles.
Texto: Gilberto Martin, médico sanitarista