Com o tema, “Favela não é carência, é potência”, evento busca romper com preconceitos e valorizar a cultura das quebradas
O fim de semana foi de muita resistência, inclusão e cultura pelas ruas de Londrina. Iniciando a programação da Semana da Favela 2023, na manhã do último sábado (4) foram distribuídas aos moradores de periferias da cidade 1 mil marmitas. A doação foi possível pela parceria firmada entre os organizadores do evento, Conexões Londrina e corre.social com o coletivo “Amigas do São Jorge”. Acompanhe:
Já à tarde, a Praça da Juventude, na Zona Sul da cidade, foi palco do “Festival da Favela”. Por oito horas ininterruptas, das 14h às 22h, as comunidades puderam acompanhar diversas atividades como batalhas de break, rima, discotecagem e Feira CriaAtiva. Esta última reuniu empreendedores e artistas locais como Jorgina Aparecida Cantuária, moradora do bairro Aquiles Stenghel e integrante do “Arteiras”, coletivo vinculado ao Centro Cultural Zona Norte.
De acordo com a artesã, a participação na Semana da Favela é uma chance para que os trabalhadores das periferias possam divulgar e comercializar seus produtos e serviços. “Uma forma de divulgar o trabalho da gente. É muito gratificante as pessoas olharem, muitas nem conhecem e quando elas elogiam, para gente é muito bom”, diz.
Estudo do Instituto Locomotiva, publicado em março deste ano, identificou que, atualmente, 50% dos moradores das favelas empreendem, o que somam 5,2 milhões de trabalhadores. Entre os tipos de negócios mais comuns estão: restaurantes e lanchonetes (15%), cuidados com beleza, saúde e estética (10%) e manutenção de roupas (8%).
“Lazer na Praça”
Já no domingo (5) foi a vez da Zona Leste abrigar a programação da Semana da Favela 2023. A praça Acquaville recebeu o “Lazer na Praça”. Os palhaços Arnica e Pouca Sombra, da Cia Clac foram duas das múltiplas atrações que ocuparam o local das 14h às 18h30.
“A gente que trabalha com alegria, arte e entende que todo mundo deveria ter acesso aos benefícios que a arte, cultura, educação traz para as pessoas. Estamos mais uma vez participando. Para gente é uma alegria, fazendo o que sabemos, a linguagem do palhaço, do circo, malabares, para afetar positivamente o dia das pessoas, para que elas levem um riso para casa, uma boa memória, uma lembrança desse momento”, assinala Luiz Henrique Silva, o palhaço Arnica, que participa do evento pela segunda vez.
Ele destaca a contribuição da Semana para a democratização do acesso à cultura. “A gente faz um esforço para aumentar a acessibilidade porque a gente sabe a importância que a arte tem na vida das pessoas, de qualquer cidadão, independentemente da idade. Quando se fala em palhaço, as pessoas podem pensar em criança, mas não é só criança, a arte afeta todo mundo”, observa.
A mesma opinião é compartilhada por Miguel Matoso, o palhaço Pouca Sombra. “Conseguir levar para estes lugares que tem difícil acesso à cultura, arte, educação é muito importante. Você vê as crianças chegando, se aproximando. Eu estava fazendo as bolhas de sabão até alguns adultos correram, acaba que cria uma interação muito boa. Gostamos de lugares mais calorosos onde o público dialoga mais com a gente, é mais vivo”, conta.
Para ele, as apresentações nas quebradas tendem a ter mais envolvimento do público. “Por não ter tanto, quando tem, eles querem tudo e um pouco mais, é bem caloroso, eu fico bem emocionado”, complementa.
Além dos espetáculos de contação de histórias, ocorreram brincadeiras de rua, oficinas de rima e apresentações teatrais.
Contra a criminalização das batalhas
As atividades do domingo (5) foram encerradas com batalhas de rima. A ação foi promovida em conjunto com grupo Batalha da Leste. Em entrevista ao Portal Verdade, Eliabe José da Silva, um dos integrantes do coletivo comenta as tentativas de criminalização das batalhas. Além da já conhecida repressão policial (saiba mais aqui), os coletivos também têm sido alvo de perseguições por parte de moradores.
“Tivemos alguns problemas com a população, fizeram falsas denúncias sobre a gente, falando que a gente passa do horário, mas a gente começa 18h e termina 20h30, todo domingo. Antes começávamos mais tarde realmente, mas mudamos o horário para começar mais cedo e eles entenderam que não estamos aqui para ofender ninguém, queremos apenas fazer nossos eventos”, adverte.
Ele ressalta que toda semana as batalhas são organizadas previamente e após a realização de cada um dos encontros, o grupo deixa Praça limpa. Ainda, Eliabe pontua que as reuniões reúnem, em média, 500 pessoas, e é um espaço para que, sobretudo, os jovens possam compartilhar suas experiências e, inclusive, expor dificuldades.
“A gente dá a voz para muitos jovens que precisam falar, que às vezes tem um problema dentro de casa, vive sufocado com alguma questão e aqui damos a oportunidade para eles falarem sem discriminar ninguém”, afirma.
Além disso, as batalhas tornam-se uma possibilidade de entretenimento e formação para muitos jovens das periferias que não tem acesso a outras formas de lazer. “Às vezes rola um futebol nas quebradas, um time ou outro, que faz até campeonato. Mas é muito difícil, tentam sufocar tudo que o jovem tenta colocar para fora. Igual ocorre com as batalhas, policial indo oprimir, talvez seja o trabalho deles, mas ir lá oprimir como se a gente tivesse com uma arma na mão, estamos reunindo pessoas com o intuito de fazer algo bom”, indica.
Projeto de Lei nº 241/202, de autoria da deputada estadual e presidenta da comissão de Defesa dos Direitos da Juventude da Assembleia Legislativa, Ana Júlia Ribeiro (PT), reconhece as batalhas de rima como patrimônio cultural imaterial do Paraná.
A Semana da Favela Londrina 2023 possui apoio institucional da Prefeitura de Londrina e patrocínio do Banco24Horas. As atividades seguem até a próxima quarta-feira (8).
Nesta segunda-feira (6), acontece a “Feira de Serviços”, das 9h às 14h, na Escola Municipal Zumbi dos Palmares, no União da Vitória. O bairro concentra a favela mais populosa da Zona Sul de Londrina. Serão ofertados serviços gratuitos a comunidade como emissão de documentos, instruções para abertura e legalização de negócios, entre outros. Também será promovido mutirão de vacinação contra a gripe para grupos vulneráveis (saiba mais aqui).
Já nesta terça-feira (7), a partir das 19h, no salão social do SESC Centro (Rua Fernando de Noronha, nº 264) será entregue o Troféu Luiz Gama a 20 homenageados. A intenção é valorizar ações emancipatórias desenvolvidas nas periferias da cidade por colaboradores e entidades. Os premiados serão distribuídos em dez categorias que vão desde trabalhos que reconhecem tradições e autoestima a esporte e transformação.
Esta é a primeira edição que o evento contará com a entrega do Troféu. O nome da premiação escolhido por Lua Gomes, coordenadora regional da CUFA (Central Única das Favelas) no Paraná e fundadora do Conexões Londrina, e referencia Luiz Gama, advogado e intelectual negro, antirracista, defensor do fim do trabalho escravizado no Brasil.
Encerrando a programação, no Calçadão de Londrina a partir das 17h45 desta quarta-feira, ocorre a “Favela Vive”, roda de samba tributo à Zeca Pagodinho, homenageado do Dia da Favela 2023 escolhido pela CUFA.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.