Comunidades travam luta por sobrevivência, cultura e justiça
Na última terça-feira (30) a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 490/07, que trata do marco temporal para demarcação das terras indígenas. Com a medida, a data proposta como critério para determinar a delimitação de terras passa a ser 5 de outubro de 1988, período de promulgação da Constituição Federal.
Em outras palavras, apenas terras tradicionalmente ocupadas no momento da promulgação da Constituição seriam reconhecidas pelo Estado. Mesmo que o projeto não tenha sido oficializado, centenas de processos de demarcações estão a anos estagnados entre a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e Ministério da Justiça.
A demarcação das terras indígenas é uma questão de sobrevivência e preservação de suas comunidades, culturas e tradições. “Esse PL afeta os nossos direitos de luta pela nossa cultura, nossas tradições e nossos modos de vida que são únicos e preciosos. Estamos numa luta pela sobrevivência das futuras gerações, para que elas possam viver e prosperar como indígenas. O marco temporal tenta negar a nossa existência ancestral, colocando limites temporais artificiais sobre a demarcação das nossas terras”, disse Reginaldo Alves, Cacique da Terra Indígena Pinhalzinho, localizada no Norte Pioneiro do Paraná.
Expectativas
Em relação às políticas governamentais, Alves afirmou que a comunidade espera o reconhecimento e respeito aos seus direitos territoriais, agilidade e eficiência nos processos de demarcação, participação e consulta dos povos indígenas. Também reivindicam a proteção e preservação ambiental de seus territórios e a implementação de medidas de desenvolvimento sustentável.
“Cada comunidade indígena pode ter expectativas específicas, levando em consideração sua diversidade cultural e as necessidades particulares de suas comunidades. O objetivo é garantir o reconhecimento e a proteção dos direitos territoriais dos povos indígenas, permitindo-lhes o uso sustentável de suas terras e o fortalecimento de suas comunidades”, acrescentou.
No Brasil, as 732 áreas terras indígenas existentes ocupam apenas 13,8% da extensão total do país, de acordo com dados do programa Povos Indígenas no Brasil. No Paraná, há 17 Terras Indígenas demarcadas. Uma delas é a Terra Indígena do Pinhalzinho, situada nos municípios de Pinhalão, Tomazina e Jaboti, com uma extensão de aproximadamente 1.275 hectares. Homologada em 2001, a TI é uma área de grande importância para a preservação da biodiversidade da Mata Atlântica e abriga comunidades Guarani Nhandewa, ricas em cultura e história.
Estas comunidades enxergam a luta contra o Projeto de Lei 490/07 não apenas como uma luta por terras, mas uma luta por dignidade, por autonomia e por justiça. “O que assusta é quando enxergamos um total descumprimento de direitos garantidos. E a grave ameaça à democracia. Pois sem demarcação das terras indígenas não há democracia. Então estamos diante de um desafio imenso: a luta contra o marco temporal. Uma batalha que não é apenas nossa, mas de todos que acreditam na justiça e no respeito aos direitos humanos”, disse.
A Constituição Federal estabelece que os povos originários têm direito à posse permanente de suas terras tradicionalmente ocupadas, além do usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existente, sem que haja delimitação temporal.
Protestos
Durante a última semana, o Brasil foi palco de protestos em resposta a aprovação do PL 490/07 pela Câmara. Rodrigo Tupã Luis, estudante de medicina na Universidade Estadual de Londrina (UEL), esteve em Cornélio Procópio manifestando repúdio contra a decisão juntamente com outros estudantes indígenas da UEL e Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP).
“Me envolvi para protestar porque a minha região é muito conflituosa, principalmente com o grande agronegócio que tem ali em volta. Somos engolidos por essa máquina de agronegócio. Estamos em uma beirada de estrada, numa beira de fazenda, na mata. Para nós é muito difícil viver isso todo dia. E a gente está em busca em busca da nossa demarcação do território Tekoha Guasu Guavirá”, disse.
O estudante Avá-Guarani é de uma das aldeias de retomada localizadas na cidade de Guaíra e Terra Roxa, região oeste do Paraná, na terra indígena Tekoha Guasu Guavirá. O termo “aldeia de retomada” refere-se a uma terra ancestral perdida por desapropriação ou exploração, mas que foi retomada pelos povos considerados historicamente como originários. Relatos de viajantes indicam a presença de aldeamentos guarani na região desde a década de 1530.
O território em questão ainda não foi delimitado e reconhecido oficialmente pelo Estado. Em relatório publicado este ano sobre os impactos da produção de commodities agrícolas às comunidades Avá-Guarani, a Comissão Guarani Yvyrupa denunciou que mais de 60% da área está apropriada pelo agronegócio, enquanto pouco mais de 1% está ocupada por roças e moradias indígenas.
Para Tupã Luis, a aprovação do PL resultará no genocídio de sua comunidade. “A gente chama de genocídio legislado. O genocídio atualmente é feito através desse PL contra indígenas”, adverte.
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomará o julgamento sobre o marco temporal no dia 7 de junho. As mobilizações seguem até então. “Para a gente, é importante isso, mostrar a nossa força, nossa ancestralidade. É uma resistência de mais de 500 anos. Então a gente vai continuar se mobilizando. E nós, estudantes indígenas, que também estamos nos organizando, fazendo nossa mobilização na nossa cidade e no nosso território ou no nosso município mesmo, para somar a força dos parentes que estarão em Brasília”, reiterou o estudante.
Mobilização civil
Existem várias maneiras pelas quais a sociedade civil pode fortalecer a luta dos povos indígenas contra o marco temporal. Isso inclui a educação e conscientização sobre os direitos indígenas, estabelecimento de alianças e parcerias com organizações indígenas e de direitos humanos, a mobilização e o protesto pacífico, a elaboração de petições, cartas abertas e campanhas de conscientização, bem como a busca de oportunidades de voluntariado em organizações que defendem os direitos indígenas.
“Pode envolver desde apoio logístico e administrativo. Além disso, considere fazer doações para fundos que apoiam a luta dos povos indígenas. Engajamento político, entrando em contato com representantes políticos, apoio jurídico na elaboração de recursos e ações legais. Essas ações combinadas podem fortalecer a luta dos povos indígenas, aumentar a conscientização pública e pressionar por mudanças políticas e jurídicas em defesa dos direitos e territórios indígenas”, finalizou o Cacique Reginaldo Alves.
*Matéria da estagiária Victoria Luiza Menegon, sob supervisão.