Juntamente à APP-Sindicato, bancada de oposição tem se mobilizado para tentar barrar venda das escolas estaduais
Uma das principais críticas direcionadas ao programa “Parceiro da Escola”, iniciativa que concede à iniciativa privada a administração de 179 escolas estaduais, é a proibição de estudantes com 16 anos participarem da consulta pública, que definirá a implementação do projeto.
Conforme resolução da SEED (Secretaria Estadual de Educação) terão direito ao voto “responsáveis legais de estudantes regularmente matriculados nas escolas selecionadas, alunos com 18 anos completos até a data da consulta, docentes e funcionários pertencentes ao quadro de servidores da instituição, exceto terceirizados” (saiba mais aqui).
A impossibilidade de decidir sobre o futuro de sua própria escola tem sido denunciada pelo movimento estudantil, a APP-Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Paraná) e também chegou à ALEP (Assembleia Legislativa do Paraná) através da deputada estadual, Ana Júlia Ribeiro (PT).
Em entrevista ao Portal Verdade, a parlamentar questiona o impedimento estabelecido pela pasta e salienta que o posicionamento está em desacordo com marcos legais como a Constituição Federal de 1988, que garante direito ao voto para jovens a partir de 16 anos nas eleições municipais e nacionais, também em relação ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e o Estatuto da Juventude.
Para a deputada, a exclusão desta parcela dos estudantes acontece porque o governador Ratinho Júnior (PSD) sabe que a maioria é resistente à privatização das escolas públicas.
“Nas eleições para presidente, governador, senador e prefeito, por exemplo, os jovens desta faixa etária podem votar. Inclusive, nas consultas para escolha de diretor, esta é a idade definida. Acontece que o governo sabe que os estudantes serão contra esse absurdo e por isso quer impedi-los, de maneira ilegal, de participarem do processo”, afirma.
Ainda, segundo Ana Júlia, a restrição desestimula a participação da juventude na vida pública. “Além de ilegal, é um péssimo exemplo, pois desestimula o jovem a ter uma participação cidadã e democrática na sociedade, quando impede que eles possam decidir sobre sua própria realidade”, evidencia.
Conforme anunciado pelo Portal Verdade, a divulgação do programa, que pretende terceirizar serviços como segurança, limpeza e, inclusive, a administração financeira das instituições de ensino, tem sido marcada por uma série de ilegalidades.
Proibição da participação de dirigentes sindicais, lideranças comunitárias e estudantes, negação do direito ao contraditório e uso da fala nas reuniões, ausência de transparência e publicidade sobre o dia e pauta das reuniões foram alguns dos abusos identificados (relembre aqui).
Questionada sobre a postura autoritária da equipe de Ratinho, a deputada avalia: “São vários os ataques deste governo à educação, à APP Sindicato, às professoras e professores e às funcionárias e aos funcionários de escola. O decreto do governo do estado em relação às consultas nas escolas está repleto de irregularidades, como a proibição que os estudantes possam votar, a possibilidade de a Secretaria de Educação decidir o resultado caso não haja quórum e, ainda, de realizar novas eleições se o resultado contrariar os interesses do governo”.
Também segundo o regulamento, nas escolas em que o quórum não for atingido, “será vedada a divulgação do conteúdo das urnas” e, portanto, o programa será implementado compulsoriamente.
Impactos para estudantes e profissionais da educação
Para Ana Júlia, um dos principais reflexos do programa é o desmantelamento do vínculo entre estudante e professor, considerado um dos pilares para o processo de ensino aprendizagem. Além disso, a liderança ressalta o cerceamento à autonomia docente, princípio também garantido pela Constituição Federal vigente.
“A educação é a principal máquina da democracia e ferramenta de transformação social. Por isso, não pode ser tratada como uma mercadoria, na qual se visa apenas o lucro. Além disso, a privatização terá interferência pedagógica, deixará os professores vulneráveis, sem estabilidade e com baixos salários, havendo grande rotatividade de profissionais, o que prejudica o vínculo e a relação dos alunos com os docentes e compromete a qualidade do ensino”, indica.
O sucateamento da profissão docente, cuja atratividade tem sido cada vez menor, e o adoecimento da categoria também é apontado pela parlamentar.
“A lógica da privatização deve diminuir ainda mais – ou até extinguir – novos concursos públicos para professores, que é o melhor caminho de entrada para termos profissionais qualificados e minimamente valorizados. Os professores que forem contratados pelas escolas privatizadas ganharão menos e não terão proteção. Isso acentua um quadro já grave no Paraná, que é de adoecimento dos profissionais da educação devido às más condições de trabalho impostas pelo governador Ratinho Junior”, ela complementa.
Mesmo com suspensão, SEED divulga consulta
Conforme informado pelo Portal Verdade, na última semana, o TCE-PR (Tribunal de Contas do Estado do Paraná) suspendeu as novas contratações para o programa “Parceiro da Escola”.
O pedido de medida cautelar foi protocolado pelo deputado estadual Professor Lemos (PT), que alegou ausência de estudos técnicos e violações à Constituição Federal. Entre as irregularidades, o conselheiro sinalizou a ausência de garantia ao fornecimento de alimentação adequada aos alunos e a possibilidade de contratação de profissionais sem concurso público.
A medida cautelar foi concedida pelo conselheiro do TCE, Fábio Camargo, que também determinou que a ALEP fiscalize os contratos.
Nesta terça-feira (19) o deputado Professor Lemos apresentou um novo pedido, atualmente em análise pelo TCE-PR, solicitando a suspensão da consulta pública, prevista para o próximo dia 6 de dezembro.
O deputado aponta possíveis irregularidades, destacando que o Edital nº 17/2024, aberto pela SEED, inclui prazo para envio de documentos até 22 de novembro, antes mesmo da realização da consulta pública, ou seja, mesmo intimada e ciente da suspensão, a SEED continua praticando atos visando às contratações das empresas.
Ainda, a Secretaria permanece divulgando os supostos benefícios do programa, a exemplo de matéria publicada nesta última segunda-feira (18), em que apresenta resultados de uma pesquisa encomenda pela pasta ao Instituto Paraná Pesquisas, sobre a aprovação da medida entre os paranaenses.
Atualmente, o projeto-piloto está em andamento no Colégio Anita Canet, em José dos Pinhais. Segundo denúncias da deputada Ana Júlia, a empresa Apogeu Mágico, que administra a escola, recebeu R$ 6 milhões do governo do Paraná sem prestar contas.
“A transparência do governo é zero. Nas escolas-piloto, as primeiras a serem privatizadas, não sabemos até hoje como as empresas que passaram a administrar as escolas aplicam os recursos. Esse governo é inimigo da educação, da democracia e da participação popular. Mas nós seguiremos fazendo o nosso trabalho, com os questionamentos necessários e cruzando os poucos dados a que temos acesso. Muita coisa ainda virá à tona”, sinaliza.
A segunda unidade em que o programa já está implementado é o Colégio Anibal Khury, em Curitiba. As terceirizações das duas escolas foram feitas por meio de decreto, em dezembro de 2022, sem passarem pela ALEP (veja aqui).
“Parece ser uma grande ferramenta para transferir dinheiro público para empresas alinhadas ao Palácio do Iguaçu. É uma máquina de lucro. Não vai melhorar em nada a nossa educação, mas vai dar lucro para muitos amigos do Palácio”, pontua.
Ainda, em nota, a APP-Sindicato informou que obteve uma importante vitória parcial na ação civil pública movida contra o estado do Paraná, relacionada ao “Parceiro da Escola”. A juíza da 5ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba reconheceu a necessidade de preservar a gestão democrática nas escolas estaduais. Foi suspenso o trecho do Decreto nº 7.235/2024, que permitia à Secretaria de Educação decidir unilateralmente pela adesão de escolas ao programa, em casos de ausência de quórum mínimo na consulta pública (acompanhe documento na íntegra aqui).
Ministério Público de Contas pede exoneração de Roni Miranda
Ainda em julho, a pedido da deputada Ana Júlia Ribeiro, o secretário Roni Miranda foi chamado na ALEP para fornecer mais informações sobre o programa “Parceiro da Escola”. Porém, apesar de ter confirmado presença, ele não compareceu, desmarcando de última hora.
“Ele [Roni Miranda] continua fugindo e descumprindo um acordo que fizemos com a liderança do governo para que comparecesse à Assembleia. Imagino que seja porque simplesmente ele não tem como responder a tantos questionamentos que temos feito, diante de tantas irregularidades que estão acontecendo neste processo. Não há como defender esse projeto, nem justificar as diversas irregularidades, por isso ele se esconde”, adverte.
“Seguimos lutando no STF [Supremo Tribunal Federal], com uma ação que pede a inconstitucionalidade da lei que instituiu o programa. Estamos acompanhando um parecer no TCE, que pede a condenação do secretário Roni Miranda, e vamos lutar firmemente junto à comunidade escolar para vencer as consultas nas escolas. Estamos convictos que teremos grandes vitórias e derrubaremos a privatização na maioria dos colégios que o Ratinho Junior colocou na lista da privatização”, observa Ana Júlia.
A deputada também reforça a importância da população participar do pleito. “A privatização de escolas afronta a concepção de sociedade que buscamos, na qual a educação pública de qualidade é indispensável para o futuro de nós jovens, é ferramenta de transformação social. Precisamos de uma educação emancipadora. Por isso, temos de intensificar as nossas lutas nas escolas e não abaixar a cabeça para o governo do Ratinho Junior, baixar a cabeça para o mimado do palácio”, assinala.
“O risco de o governo Ratinho Júnior perder nas consultas públicas sobre a privatização da educação junto à comunidade escolar é muito alto, mas para isso acontecer precisa que a comunidade escolar se mobilize. Você aluno, pai, mãe, professores e funcionários, vamos para as urnas mostrar para o governo do estado que escola não se vende”, enfatiza a deputada.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.