Dengue tem levado a maior procura por atendimentos, mas falta gestão dos leitos, aponta técnico de enfermagem
Pacientes internados em corredores, cadeiras substituindo macas. Esta é a situação enfrentada por pacientes que têm procurado atendimento nos Hospitais Doutor Anísio Figueiredo e Doutor Eulalino Ignácio de Andrade, localizados nas zonas Norte e Sul de Londrina, respectivamente.
O relato chegou ao Portal Verdade através de Gilson Luiz Pereira Filho, técnico de enfermagem e membro da diretoria estadual do SindSaúde-PR (Sindicato das Trabalhadoras e Trabalhadores do Serviço Público da Saúde e da Previdência do Estado do Paraná).
De acordo com ele, nos últimos meses, é possível observar um aumento exponencial de internamentos em Pronto-Socorro, além dos casos já sob acompanhamento nas enfermarias e centros cirúrgicos.
“No Hospital Zona Norte, por exemplo, esse aumento tem sido gradativo e constante apesar da variação da quantidade de pacientes internados no Pronto-Socorro. Como um exemplo, no dia 10 de abril, o Hospital Zona Norte registrou 30 macas de pacientes internados no Pronto-Socorro, um local que suportaria 10 pacientes internados. Então, nós tínhamos 20 pacientes a mais para serem acomodados entre poltronas, cadeiras de espera e macas do SAMU [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência], o que configura uma condição de acomodação muito ruim”, conta.
Ainda, segundo Filho, no último sábado, dia 13, o Hospital da Zona Sul, estava com 23 pacientes internados no Pronto-Socorro, sendo que partes deles necessitavam de atendimento psiquiátrico. O espaço é referência em tratamento de psiquiatria na região de Londrina. “Precisam de um cuidado especializado, de uma autovigilância, de um autocuidado, de um ambiente propício, calmo para o seu tratamento, e o que se tinha eram pacientes espalhados pelo corredor”, adverte.
A gestão das duas unidades foi repassada pela SESA (Secretaria Estadual de Saúde) para a FUNEAS (Fundação Estatal de Atenção em Saúde do Estado do Paraná), entidade de direito privado que, atualmente, administra 12 hospitais estaduais no Paraná.
A FUNEAS é constante alvo de críticas dos trabalhadores da saúde que apontam sucateamento dos serviços, aumento das contratações terceirizadas chegando ao questionamento dos seus critérios de admissão pelo Conselho Estadual de Saúde, o que levou à suspensão da análise das contas da organização no final de março, conforme denúncia do SindSaúde-PR (saiba mais aqui).
Com a superlotação, equipes médicas e de enfermagem, têm buscado alternativas para atender a demanda que não para de crescer, como a improvisação de leitos em macas do SAMU. Ofertando atendimento 24h por dia, o SAMU acionado a partir de contato telefônico (Disque 192), tem como principal objetivo atender emergências, prestando primeiros socorros e, se necessário, transportando pacientes até a unidade de atendimento mais próxima.
“Isso agrava muito a condição dos internamentos, quando esses pacientes estão nas macas do SAMU. Lembrando que a maca do SAMU foi projetada e tem por função o transporte de paciente. Não a acomodação para internamento qualquer que seja o período que se tem que ficar sobre ela. Ela é muito desconfortável, tem um colchão extremamente fino, pacientes obesos, pacientes com sobrepeso já sente um incômodo intenso durante um dia de permanência nessas macas, mas pela impossibilidade de acomodação é a alternativa que os trabalhadores encontram, a equipe de enfermagem, a equipe médica encontra para acomodar toda essa demanda, mesmo sabendo que não é o adequado”, acrescenta.
Dengue agrava cenário, mas falta de infraestrutura vem de antes
Filho pontua que um dos fatores que tem levado a alta procura dos postos de atendimento é a epidemia de dengue. “Apesar de ser sazonal, tem aumentado a frequência e o tempo de permanência desses pacientes internados em corredor. Nós entendemos que estamos passando uma situação de saúde pública, do enfrentamento da dengue, ainda há pacientes contaminados pela covid-19 também. Eles demandam cuidados específicos, entre o aumento de outras doenças, sazonais ou não, nós já temos um sistema de saúde em Londrina que está sobrecarregado”, observa.
Balanço divulgado pela Secretaria Municipal de Saúde, na última sexta-feira (12), apontou 2.339 novos casos de dengue confirmados e mais quatro óbitos somente na última semana. A cidade acumula, desde o dia 1º de janeiro, 13.335 casos e 20 mortes em decorrência da doença, 33.121 notificações e 12.014 casos ainda estão em análise.
Porém, a liderança salienta que a infraestrutura aquém da necessidade da população é anterior. “Nós temos um aumento na população ao longo do tempo e nenhum grande avanço em número de leitos nem na ampliação do atendimento primário do SUS [Sistema Único de Saúde] pelos postos de saúde, entre outros aparatos 24 horas como as UPAs [Unidade de Pronto Atendimento]. Não houve aumento de postos de atendimento proporcional ao aumento da população. Então reitero que essas doenças sazonais não influenciarem diretamente nas internações no Zona Norte e no Zona Sul”, indica.
Quem cuida de quem cuida?
Filho chama atenção que, juntamente com os pacientes que sofrem com a falta de atendimento adequado, os trabalhadores da saúde também adoecem face às dificuldades de prestar a assistência necessária. “Todos os profissionais, não só da enfermagem, mas todos os profissionais envolvidos no restabelecimento da saúde, nos cuidados dos pacientes, eles sofrem junto, adoecem, também sentem na pele por estarem de mãos atadas, não podendo dar o atendimento adequado para o paciente”, desabafa.
“As pessoas todas que precisam do atendimento em saúde e que, diante dessa situação caótica de superlotação, sofrem muito com as acomodações insuficientes e paralelamente o profissional de saúde também, os trabalhadores também sofrem pela incapacidade de não conseguir resolver o problema e ter que conviver com essa superlotação, com essa carga de trabalho aumentada, com condições físicas dificultadas. Um paciente idoso que está muitas vezes também instalado nessa maca do SAMU, para quem faz os cuidados de saúde, se torna muito difícil cuidar esse paciente dentro de uma maca extremamente estreita e inadequada”, exemplifica.
Ele avalia que as condições de trabalho tornam-se mais precarizadas mediante o “mal gerenciamento de leitos” no município. “Os trabalhadores se veem acuados, sobrecarregados do ponto de vista físico e do ponto de vista emocional por não saberem lidar com a solução efetiva desse problema”, diz.
Falta gestão
Filho salienta a importância da gestão para melhor oferta dos serviços de saúde, incluindo, a garantia das vagas para internação, principalmente, em períodos de grande pressão. “Por isso que é importante o debate com as gestões, com os gerenciamentos de leitos, com a busca de alternativas para que esses pacientes fiquem acomodados até que esse problema sazonal, transitório melhore, acalme e os hospitais voltem a fazer seus atendimentos com uma outra hora, quando esses atendimentos diminuírem e esses internamentos de corredor diminuírem”, afirma.
“É inadmissível um paciente que por muitas vezes fica numa maca do SAMU por três dias no corredor, esperando um leito e ele precisa talvez até terminar o tratamento no corredor. Às vezes, o médico opta para terminar esse tratamento em casa, porque as condições de permanecer ali por mais dias são insustentáveis. O paciente não consegue ter o descanso pleno, não consegue repousar, que também é parte da recuperação física”, reforça.
“É preciso ações concretas para que se possa resolver este problema da superlotação. É preciso que faça um planejamento, use estratégias de dimensionamento de leitos, de cancelamento de procedimentos eletivos até que se restabeleça o atendimento em Pronto-Socorro, que estas pessoas todas sejam atendidas de forma adequada, que a gente tenha estrutura para isso. O sistema público, por meio dos seus conselhos, reuniões devem encontrar uma alternativa para que a gente possa dar um atendimento para estes pacientes para que eles não permaneçam tanto tempo no corredor e isso torne o ambiente dos trabalhadores tão insalubre e difícil”, finaliza.
A reportagem encontrou em contato com a SESA solicitando o posicionamento da pasta sobre as queixas, porém, até o fechamento da matéria não obteve retorno.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.