Para pesquisadora, discussões sobre trabalho escravo e abolição ainda não tabus e beneficiam a branquitude
Pesquisa intitulada “Percepções sobre o racismo no Brasil”, realizada pela Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec), sob encomenda do Instituto de Referência Negra Peregum e do Projeto Seta (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista), divulgada na última quinta-feira (27), observou que para 81% da população, o Brasil é um país racista.
Foram ouvidas 2.000 pessoas com 16 anos ou mais em 127 municípios. A margem de erro é de cinco pontos percentuais para mais ou para menos. A maior parte dos entrevistados também declararam já ter presenciado alguma situação de discriminação (51%), quase metade afirmaram conviver com alguma vítima (46%). Porém, somente 11% admitiram ter comportamentos racistas.
Ainda de acordo com o estudo, para os brasileiros, o racismo é o principal gerador de desigualdades (44%), seguido da classe social (29%). Para a maior parte, negros são os que mais sofrem com a intolerância (96%) acompanhados dos povos indígenas (57%).
Para os participantes, a violência verbal é a forma mais recorrente de manifestação do racismo na sociedade brasileira (66%). Em segundo lugar, está o tratamento desigual (42%) e em terceiro, a violência física (39%).
A grande maioria dos entrevistados também acreditam que há abordagem desigual entre brancos e negros por parte das forças policiais (71%).
Entre os que concordam que há racismo no Brasil, mulheres negras com renda de até um salário-mínimo são maioria (76%). Já entre os que discordam predominam homens brancos acima de 60 anos. Também é preeminente o grupo que considera ser justa a criminalização do racismo no país: 65%. Contrários são 30%.
Tamara Vieira é professora na educação básica e doutoranda em Sociologia na UEL (Universidade Estadual de Londrina). Ela considera que o estudo evidencia o consenso que de existe racismo no Brasil, porém, também demonstra que poderes públicos e população têm dificuldades de identificar os agressores, inclusive, de virem a se reconhecer como um deles.
“A dificuldade de reconhecimento do agressor está relacionado a fatores como criminalização do racismo, de desnaturalizar o privilégio de ser branco e consequentemente os ganhos que se tem por ser branco, apenas pelas características físicas. Por outro lado, temos a diminuição da dor que sentimos pela violência do racismo e suas consequências psicológicas, sociais e econômicas”, diz.
Para a docente as discussões do trabalho escravo e processos de abolição ainda são tabus e contribuem para a perpetuação das violências. “A abolição não significou a inserção dos negros na sociedade brasileira como mulheres e homens livres, detentores de direitos, de uma cidadania plena como bem pontua José Murilo de Carvalho na obra ‘Cidadania no Brasil’. Falar sobre abolição significa falar do ressarcimento das populações negras e indígenas”, avalia.
De acordo com a pesquisadora, a falta de debate beneficia os grupos dominantes, mantendo uma lógica de poder baseada no pertencimento étnico-racial e sob o qual a negritude é alvo de opressões diversas.
“Reconhecer quem é o agressor implica saber quem são as pessoas que se privilegiam com a exclusão do negro na sociedade brasileira e, consequentemente, puni-las por serem beneficiadas por esta violência. Temos que garantir mecanismos de eficiência de ressarcimento, de políticas de ações afirmativas seja no que diz respeito a obrigatoriedade dos conteúdos africana e afro-brasileira, estabelecidos pela Lei nº 10.639, ou seja, eu tenho uma lei, mas não tenho recursos para avaliar a aplicação”, ressalta.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.