Romance sobre racismo estrutural está sendo recolhido de escolas pelo governo de Ratinho Jr.
Políticos conservadores do Paraná usaram os mais grosseiros adjetivos nos últimos dias para se referir ao premiado livro “O Avesso da Pele”, do romancista Jeferson Tenório. O livro, vencedor do Prêmio Jabuti, mais prestigiado da literatura brasileira, se transformou em alvo da direita no país na última semana depois de um vídeo feito por uma diretora de escola no Rio Grande do Sul. O governo do Paraná mandou os Núcleos Regionais de Educação recolherem o livro em todos os colégios estaduais, num claro ato de censura.
Incluído no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) pelo Ministério da Educação, o livro foi recomendado para uso no Ensino Médio (alunos em geral de 15 a 17 anos) e enviado para as escolas para que os professores decidissem se queriam indicar a seus estudantes. A grita, porém, tem a ver com descrições de atos sexuais no livro.
Na Assembleia Legislativa, a primeira a falar sobre o assunto foi Cantora Mara Lima (PSD), que deu parabéns ao governo por retirar os livros das escolas. A cantora gospel chegou a dizer que o teor do livro poderia levar a casos de abuso sexual – estudos indicam, na verdade, que o abuso sexual ocorre com maior frequência com pessoas que não são informadas sobre fatos da sexualidade, e que se tornam vítimas justamente por não saberem do que deveriam se proteger em certas circunstâncias.
O comentário da deputada rendeu diversos apartes. Num deles, o deputado Ricardo Arruda (PL), missionário de uma igreja evangélica, afirmou que a inclusão de livros como “O Avesso da Pele” é uma “obra satânica da esquerda”. Não mudou de ideia nem mesmo quando informado de que o livro foi incluído no PNLD durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
Integrante da bancada da bala, Tito Barichello (União) disse que o livro tem “cunho pornográfico”. Em seguida, o líder do governo Ratinho na Assembleia, Hussein Bakri (PSD), disse que “não quer nem chegar perto do que está escrito no livro” e disse para os colegas ficarem tranquilos porque o livro já estava sendo recolhido.
Curiosamente, nem mesmo os deputados mais informados sobre educação e literatura rebateram os ataques ao livro de Tenório, tido como um dos textos mais importantes sobre racismo na literatura brasileira contemporânea. O único membro da oposição a se manifestar foi Arilson Chioratto (PT), que se resumiu a dizer que a inclusão no PNLD não se deu no governo Lula. Ou seja: tratou apenas de jogar a “culpa” para a direita.
Na sessão da Câmara de Curitiba nesta quarta (6), o vereador Ezequias Barros (PMB), pastor evangélico e membro da base de Rafael Greca (PSD), classificou o livro de Jeferson Tenório como “um lixo”.
Defesa da cultura
Os ataques ao livro de Jeferson Tenório tem sido rebatidos por intelectuais de todo o país, que inclusive geraram um manifesto coletivo sobre o tema. O próprio autor também concedeu entrevistas e escreveu um texto para o Uol.
Tenório explica que o livro é sobre racismo estrutural, e não sobre sexo. E diz que as menções à sexualidade incomodam o ultraconservadorismo porque isso faz o leitor pensar sobre si mesmo – o que segundo ele pode ser doloroso.
A Companhia das Letras, editora que publica os livros de Tenório, se pronunciou publicamente contra a decisão da Secretaria de Educação do Paraná, afirmando que isso restringe a liberdade dos alunos e mina a autonomia dos professores.
Fonte: Jornal Plural