Docente classifica violência como misoginia e criminalização das atividades sindicais
Na última quarta-feira (15), durante paralisação convocada por servidores da Universidade Estadual de Londrina (UEL) para chamar atenção da sociedade paranaense sobre o descaso que o governo Ratinho Júnior (PSD) tem dedicado às reivindicações da categoria (saiba mais aqui), uma professora foi agredida por outro docente.
Fernanda de Freitas Mendonça, vinculada ao Departamento de Saúde Coletiva e primeira secretária do Sindicato dos Professores do Ensino Superior Público Estadual de Londrina e Região (Sindiprol/Aduel), conta que estava percorrendo as salas do Centro de Ciências da Saúde (CCS) para averiguar se havia aulas no dia da manifestação, prática frequente a fim de identificar o grau de adesão à mobilização, quando notou que uma turma do 1º ano de Medicina estava no intervalo.
Ela pontua que se aproximou dos estudantes e questionou quem era o docente responsável pela disciplina, que de imediato se apresentou. “Perguntei se ele sabia que era um dia de paralisação. A resposta do professor já foi agressiva, pois disse que por se tratar de um docente temporário não se importava com essas “bobagens”. Tentei contra-argumentar dizendo que era uma decisão de assembleia e ele continuou com as agressões. Mesmo sem qualquer relação com a intervenção em si, ele afirmou ganhava melhor do que eu”, relata.
Mendonça indica que face à falta de respeito e dificuldade de diálogo, informou que aguardaria os alunos retornarem para sala de aula com o intuito de explicar as motivações que levaram trabalhadoras e trabalhadores a suspenderem suas jornadas. Docentes, técnicos-administrativos das instituições de ensino superior estaduais sofrem com constantes ofensivas que precarizam cada vez mais as condições de trabalho, a exemplo da Lei Geral das Universidades (LGU).
Aprovada com ampla vantagem na Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP), a medida estabelece novos parâmetros para a gestão de recursos, incluindo, o pagamento de pessoal. A regulamentação é criticada pelo professorado, demais colaboradores e estudantes por ferir a autonomia universitária e sucatear ainda mais a educação no estado. Além disso, sem reajuste salarial desde 2016, o funcionalismo público perde, em média, cinco salários por ano. Em maio, período de vencimento da data-base, a defasagem do pagamento chegará a 42% (acompanhe mais informações em matéria anterior).
“Nesse momento, o docente mais uma vez me agrediu dizendo que “é bom mesmo você ficar e assistir a minha aula, quem sabe assim você aprende alguma coisa”. Com a chegada dos alunos na sala, tomei a palavra e comecei a explicar, e, foi quando mais uma vez o professor se levantou de sua cadeira, ficou na minha frente e interrompeu minha fala diante dos estudantes. Além da postura corporal (de se colocar à minha frente) e da interrupção da minha fala ele ainda desqualificou meu discurso dizendo aos estudantes que eu só falava “abobrinhas” e mesmo eu dizendo que ainda não havia terminado o meu discurso, ele continuou a me interromper”, comenta.
Misoginia e criminalização das atividades sindicais
Para a professora, a violência também é perpassada pelo machismo e misoginia, pois considera que o fato de ser uma mulher e estar desacompanhada contribuiu para que o colega de trabalho se sentisse mais confortável para abordá-la e iniciar a série de ataques. “Classifico como uma violência direta contra mim e que a minha condição de mulher – que se encontrava sozinha no momento da intervenção – foi determinante para que o agressor se sentisse mais empoderado para praticar contra mim tantos insultos”, afirma.
Ela também classifica a agressão como uma tentativa de criminalização do movimento sindical. As incursões que procuram deslegitimar as lutas dos trabalhadores cresceram com a ascensão de Jair Bolsonaro (PL) à presidência da República, em 2018. Sua gestão foi reconhecidamente marcada pelo desrespeito aos direitos da classe trabalhadora e grupos subalternizados. Contudo, como lembrado pela liderança, tais discursos foram incorporados também por segmentos dos grupos atingidos pelo desmonte.
“A criminalização das atividades sindicais não é de hoje, sempre foi uma conduta adotada por movimentos mais conservadores e neoliberais. O Brasil, nos últimos anos, sobretudo, na gestão bolsonarista, trouxe à tona com muito mais força movimentos que buscam barrar a luta dos trabalhadores. Tais movimentos, não podemos negar, tiveram seus ganhos. Ganhos que se expressam quando a própria classe trabalhadora, que se beneficia das lutas sindicais, se coloca contra o movimento, como é o caso do professor em questão. Ele na condição de professor temporário, o qual possui condições de trabalho bastante precárias, deveria ser um dos primeiros a se somar a luta, contudo, o que observamos foi exatamente o contrário”, avalia.
Política institucional
De acordo com a docente, depois da agressão sofrida, diversas pessoas a procuraram elogiando seu enfrentamento e desejando que alguma medida seja tomada. O professor, acusado das agressões, foi denunciado à Ouvidoria. “A denúncia formal é fundamental para que se passe a mensagem de que “não, não é normal”. Agora, tal denúncia não pode morrer no vazio da ausência de mecanismo de combate a esse tipo de situação. Uma política institucional motiva que as vitimas ao denunciarem serão amparadas e terão, mesmo que não em sua plenitude, a sensação de acolhimento, segurança e de justiça”, analisa Mendonça.
Com a chegada da professora Marta Regina Favaro à Reitoria, um grupo de trabalho foi criado com a finalidade de levantar mais informações sobre violências de gênero ocorridas no campus e demais espaços vinculados à UEL. A expectativa é que o relatório elaborado por esta comissão subsidie a formação de uma política institucional de combate ao assédio e outras opressões cometidas contra mulheres e comunidade LGBTQIA+ na Universidade.
Atualmente, a UEL possui frentes que realizam o acolhimento de vítimas como canal disponibilizado pela administração, especificamente, para formalização de queixas de preconceitos e abusos contra a mulher e comunidade LGBTQIA+. Mendonça acrescenta que o Sindiprol/Aduel disponibilizou seu grupo de advogados para que a orientem sobre quais são os caminhos para registro da ocorrência em demais instâncias. O coletivo também emitiu nota de repúdio e apoio à docente. Veja o documento completo:
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.