Os serviços públicos de saúde estão, mundo afora, sofrendo as consequências do subfinanciamento. E, talvez, o caso mais emblemático seja a situação pré falimentar do Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra. O famoso NHS, no qual o nosso SUS se baseou. Foi sistema de saúde mais notável desde o fim da segunda guerra. Concebido quando o mundo inteiro se reorganizava após a tragédia do conflito sem precedentes. Milhões de vida destruídas em toda parte. A reconstrução dos países incorporou assistência à saúde como pilar importante da vida social.
Não deixa de ser interessante o fato de que o conceito de que saúde é direito e não benesse desenvolveu-se como parte inseparável da composição de estados social democratas, ou o célebre “estado do bem estar social”. Baseado nas ideias econômicas de Keynes, de fazer dos impostos não só indutor de crescimento econômico, mas também de mitigação dos problemas sociais. Em outras palavras, distribuir renda era também oferecer saúde e educação de boa qualidade para a população. Financiada, é claro pelos impostos.
Na época, a carga tributária quase confiscatória necessária para financiar a guerra, foi transferida para o bem-estar. Nesse momento da história, os donos do dinheiro não conseguiram impedir que a taxação dos lucros revertesse em ganhos sociais expressivos.
O sucateamento dos serviços de saúde e a crescente “privatização” da sua administração no Brasil segue a tendência global de retirar do estado responsabilidades sociais. Deixa assim de ofertar à população serviços essenciais. Situação exatamente oposta ao que descrevemos acima. Há movimentos poderosos de setores financeiros que, em nome de equilíbrio fiscal, organização monetária da economia e outros mantras cortam gastos da saúde. E tentam vender a mercadoria (que não entregam) de que serviços privatizados são mais eficientes. Não são.
Via de regra serviços privatizados rumam para a deterioração da qualidade do serviço prestado, sucateamento dos equipamentos e edificações e consequente insatisfação com resultado. Assistimos aumento das filas para consultas, exames e procedimentos de alto custo. E, altos custos, diga-se de passagem, sempre acabam por ser pagos pelo SUS, um setor de déficit de financiamento crônico. O modelo de saúde pública segue um roteiro já conhecido. Minguam recursos, piora o padrão e vem a cantilena de que só privatizando vai melhorar. Não vai.
O governo federal, de orientação à esquerda tem destinado recursos para o setor público. Mas, a demanda é tão grande que permanece sempre insuficiente. O SUS, que sofreu deformações desde sua criação na constituinte de 1988, continua sendo um patrimônio importante da saúde brasileira. Em grande medida o único lugar onde população de baixa renda consegue ser atendido, apesar da precariedade. A onda privatista que vem atingindo setores como energia, água e ensino público, só não destruiu o SUS, porque sua relevância ficou clara na pandemia.
Talvez o grande desafio para os progressistas do Brasil seja convencer a população de que o estado não deveria ser um gerente de interesses financeiros, mas, entre outras funções ser um prestador de serviços essenciais de qualidade. O individualismo tem limites estreitos.
Pelo andar da carruagem, no momento, estamos perdendo a luta do convencimento.
Por Marco Antônio Fabiani