Na atividade foram citados apenas os supostos “benefícios” do programa, sem espaço para o debate. Os comentários na publicação também foram desativados
O NRE (Núcleo Regional de Educação) de Londrina tem utilizado suas redes sociais para divulgação do programa “Parceiro da Escola”, iniciativa proposta pelo governador Ratinho Júnior (PSD), que permite privatizar a gestão de 177 escolas estaduais no Paraná.
Na noite desta quarta-feira (4), a pasta realizou live intitulada “Conversa sobre as principais características do programa”. A atividade foi mediada pela chefe do órgão, Jessica Pieri e Tiaraju Pez, técnico pedagógico, que apontaram a intenção de “esclarecer aqueles que ainda têm dúvida” sobre o projeto.
Durante a conversa, foram apresentados apenas os supostos “benefícios” do programa como a distribuição de uniforme pelas empresas credenciadas.
“Vocês [alunos] terão uniforme que poderão fazer a logo. É importante lembrar que o uniforme é uma questão de identidade, de segurança”, argumentou o técnico pedagógico.
“A instituição parceira vai oferecer todo o uniforme de verão e inverno”, complementou a chefe do Núcleo.
A promessa do “fim das aulas vagas” também foi uma das benfeitorias indicadas. “No caso de falta de algum professor, a instituição parceira tem que oferecer um professor para o seu filho, para que não perca nada de conhecimento, e quando sair do 3º ano esteja capaz de adentrar em uma universidade”, argumenta Pieri.
Esta não é a primeira vez que o NRE-Londrina utiliza canais oficias de comunicação para propagandear o programa. Em outras postagens no Instagram, o órgão tem disseminado “vantagens” do programa como oferecimento de “merenda de qualidade” e “atividades esportivas”, além de “mais apoio” para os professores.
“A live da chefe do Núcleo Regional de Londrina apresentando apenas os supostos benefícios do programa Parceiro da Escola sem nenhum tipo de contraditório, sem a possibilidade de comentários durante a apresentação do material, infelizmente, não é algo isolado, mas caracteriza como o processo de privatização das escolas públicas paranaenses tem sido conduzido pelo governo do estado e especificamente no Núcleo Regional de Londrina”, avalia Rogério Nunes professor da rede estadual e secretário de Assuntos Jurídicos da APP-Sindicato Londrina.
“É importante lembrar que desde o meio deste ano, com a nossa greve, o governo do estado do Paraná tem desenvolvido um conjunto de ilegalidades e arbitrariedades relacionadas a prática antissindical, a impossibilidade do contraditório nas reuniões nas comunidades escolares e a live está dentro desse contexto, o uso da máquina pública para fazer propaganda”, complementa.
Conforme informado pelo Portal Verdade, uma série de ilegalidades foram relatadas durante as reuniões promovidas pela SEED (Secretaria Estadual de Educação) em parceria com o NRE a fim da divulgação do programa “Parceiro da Escola”.
Proibição da participação de dirigentes sindicais, lideranças comunitárias e estudantes, negação do direito ao contraditório e uso da fala nas reuniões, ausência de transparência e publicidade sobre o dia e pauta das reuniões foram algumas das arbitrariedades verificadas (veja aqui).
“A qualidade da educação é uma defesa também dos trabalhadores e trabalhadoras da educação, isso passa por garantir condições de permanência como uniforme, melhora da merenda, contratação de serviços relacionados a nutricionistas, a psicologia, este desejo é legítimo e nesse ponto quem mais defende isso é a APP. O governo do estado parte desse desejo legítimo e constrói falsas informações em um processo de mentira e enganação das comunidades escolares”, pontua Rogério.
Suspeitas de irregularidades não aparecem
Em nenhum momento, foi citado que novas contratações do programa foram suspensas pelo TCE-PR (Tribunal de Contas do Estado do Paraná) após suspeitas de irregularidades como ausência de dotação orçamentária e estudo preliminar técnico, falta de garantia ao fornecimento de alimentação adequada aos alunos, entre outras.
Também não foram mencionados erros no edital de credenciamento das empresas interessadas e denúncias de assédio à comunidade escolar, conforme nova ação protocolada no TCE-PR, pela deputada estadual Ana Júlia Ribeiro (PT), nesta segunda-feira (2).
A SEED tem utilizado seus meios de comunicação para defender a privatização das escolas. Conforme apuração do Jornal Plural, a pasta enviou mensagens, via WhatsApp, para pais e demais responsáveis de todo estado, em que afirma que o programa irá “ajudar as escolas e melhorar a qualidade para toda a comunidade escolar. Instituições especializadas em educação assumem a gestão administrativa e de infraestrutura, permitindo que os diretores foquem no ensino e apoiem mais os professores”, diz a mensagem da SEED.
“Em linhas gerais, toda a estrutura do estado, seus funcionários, seus canais de comunicação oficiais, os grupos de WhatsApp nas escolas, o tempo de trabalho das direções e dos técnicos pedagógicos, tem sido utilizada para defender e desinformar sobre a proposta de privatização. Do outro lado, nesse cenário de desigualdade, a APP e os demais movimentos em defesa educação têm sido cerceados”, avalia Rogério.
Nesta quinta-feira (5), o MPT (Ministério Público do Trabalho) reiterou à SEED que cumpra integralmente determinação anterior e interrompa as práticas antissindicais na votação das comunidades escolares sobre o programa “Parceiro da Escola”.
Conforme edital de chamamento público, o governo de Ratinho Júnior (PSD) quer repassar mais de R$ 1,8 bilhão em recursos públicos para as empresas que forem selecionadas para participar do programa Parceiro da Escola
Mesmo com a suspensão pelo conselheiro Fábio Camargo, a SEED deu continuidade ao credenciamento e agendou a consulta pública para os dias 6, 7 e 9 de dezembro.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.