Ivanilda Maria de Almeida trabalhou como auxiliar administrativa até 2017, ano em que adoeceu e acabou perdendo o emprego. Sem saúde para trabalhar fora de casa, começou um pequeno negócio de revenda de roupas usadas. O brechó funciona no seu apartamento em São Bernardo do Campo (SP) e era uma fonte de renda que ajudava a pagar as contas da casa. Neste ano, o cenário mudou.
As vendas minguaram e a estabilidade financeira oferecida por um trabalho com carteira assinada se tornou bastante atrativo. “Tenho vendido duas peças de roupa por dia, no máximo. Tudo ficou muito caro, o custo de vida subiu muito e não estou dando mais conta”, afirma. Desde o começo deste ano, Ivanilda procura emprego, fez algumas entrevistas, mas ainda nada deu certo. Ela cursa psicologia para aumentar suas chances de conquistar uma posição com carteira assinada.
O caso de Brunna Costa é semelhante. Ela trabalhou com carteira assinada como recepcionista por alguns meses e resolveu se tornar autônoma, realizando trabalhos de fotografia, o que a levou a criar um pequeno estúdio em casa. Durante a pandemia, os negócios ficaram muito reduzidos e ela apostou na criação de um e-commerce para vender fotos impressas com estilo Polaroid e presentes ligados ao mundo da fotografia.
Com a redução das vendas nos últimos meses, Brunna agora considera voltar a trabalhar com carteira assinada e manter a loja online como um negócio paralelo. “O principal motivo é a estabilidade, ter salário todo mês. Como autônoma, o faturamento flutua muito”, diz. Brunna também considera ingressar em um curso superior para se inserir no mercado de trabalho com carteira assinada no futuro.
Ivanilda e Bruna não estão sozinhas nesse movimento crescente. Nos últimos anos, o aquecimento do mercado de trabalho tem levado mais brasileiros a migrar de vagas com remunerações mais baixas para oportunidades com mais estabilidade e melhores salários. O contingente de trabalhadores com carteira assinada no setor privado segue batendo recordes.
Entre os que permanecem trabalhando como autônomos, a maioria deseja migrar para uma vaga com carteira: sete em cada dez trabalhadores por conta própria no País gostariam de passar a atuar com esse tipo de vínculo formal. O dado faz parte de um recorte da Sondagem do Mercado de Trabalho apurada pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) e obtida pelo Estadão/Broadcast.
“As pessoas que estão na informalidade, muitas vezes, estão lá porque querem flexibilidade e independência, acham que esse método de trabalho é mais favorável”, explica Rodolpho Tobler, coordenador das Sondagens Empresariais e de Indicadores de Mercado de Trabalho do Ibre/FGV. Mas, segundo ele, o que se vê é que boa parte dessa população continua lá por uma necessidade, porque precisava de alguma ocupação. São pessoas que estavam desempregadas há algum tempo e se tornaram autônomos porque naquele momento precisavam ter alguma renda.
O estudo revela que 67,7% dos trabalhadores que atuavam por conta própria no primeiro trimestre deste ano gostariam de trabalhar com carteira assinada. Esse desejo era majoritário mesmo entre os autônomos que tinham CNPJ, ou seja, estavam formalizados: 54,6% declararam vontade de ter carteira assinada. Essa fatia sobe para 72,1% entre os autônomos atuando na informalidade, sem CNPJ.
“De 2023 para cá, quando teve uma melhora mais forte do trabalho formal, a gente vê a economia e o mercado de trabalho reagindo. Com essa possibilidade de emprego formal, esse grupo com certeza acaba migrando para esse tipo de trabalho”, afirma Tobler.
Trabalho formal x autônomos
O total de trabalhadores com carteira assinada no setor privado alcançou um ápice de 38,326 milhões de pessoas no trimestre encerrado em maio, 330 mil a mais que no trimestre anterior, apontou a última divulgação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O contingente de ocupados atuando por conta própria também cresceu, 40 mil a mais em um trimestre, para um total de 25,473 milhões de pessoas.
Por outro lado, algumas categorias de emprego menos atraentes perderam trabalhadores: 100 mil pessoas deixaram o trabalho doméstico sem carteira assinada, e o contingente de trabalhadores familiares auxiliares encolheu em 84 mil pessoas. O número de trabalhadores por conta própria com CNPJ também diminuiu. Caiu 33 mil em um trimestre, e o de empregadores com CNPJ encolheu em 52 mil.
“Geralmente o trabalho formal com carteira tem uma renda maior, mas, além disso, tem um pouco mais de estabilidade. Você tem uma previsibilidade de renda. Porque os trabalhadores por conta própria têm dificuldade de prever sua renda no próximo mês e, mesmo quando preveem, às vezes a renda varia muito”, diz Tobler. Segundo ele, há realmente alguns fatores que o trabalho com carteira traz como uma possibilidade que atrai essas pessoas, especialmente aquelas que estão no trabalho informal, com uma renda mais baixa.
Com a taxa de desemprego em 7,1%, menor nível em quase uma década, acompanhada de um aumento consistente na geração de vagas formais, a renda média do trabalho tem crescido continuamente, aproximando-se de picos históricos. Desta vez, no entanto, há uma melhora disseminada, derivada de uma maior qualidade do emprego, aponta Adriana Beringuy, coordenadora de Trabalho e Rendimento do IBGE.
O rendimento médio dos trabalhadores ocupados teve uma alta real de 1% em um trimestre, para R$ 3.181 no trimestre terminado em maio de 2024, maior patamar para esse período do ano de toda a série histórica da Pnad Contínua, iniciada em 2012.
O nível atual se assemelha ao pico alcançado em 2020, em meio à pandemia de covid-19, quando a crise reduziu drasticamente o número de vagas informais e de menores rendimentos, fazendo o rendimento médio subir. A elevação atual na renda do trabalho é totalmente distinta da que ocorreu na crise sanitária, porque agora há mais pessoas ganhando maiores salários.
Para o economista Bruno Imaizumi, da LCA Consultores, há alguns fatores por trás dessa alta na renda do trabalhador, como reajustes acima da inflação tanto no setor privado quanto no setor público, maior poder de barganha dos trabalhadores em meio à elevada demanda por mão de obra e ainda um aumento na escolarização da força de trabalho.
“As pessoas que estão entrando no mercado de trabalho hoje tendem a entrar mais escolarizadas do que as pessoas que estão saindo, e isso pode ter algum tipo de ganho na renda”, lembrou Imaizumi, acrescentando que os ganhos salariais acima da inflação sucedem um período em que os reajustes ficaram congelados, em meio à pandemia.
Há um conjunto mais amplo de dados que atestam esse momento de mercado de trabalho forte, entre eles a alta contínua dos salários de admissão pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho, apontou Claudia Moreno, economista do C6 Bank.
“Estamos vendo um mercado bastante aquecido, e eu diria que está no seu melhor momento. A taxa de desemprego é compatível com uma taxa de 2015. Quando ajustamos a sazonalidade (desconta influências sazonais), temos uma taxa ficando até um pouquinho abaixo de 7%, e isso está acontecendo com o aumento da população ocupada”, frisou Moreno. “Essa taxa de desemprego baixa do jeito que está deve manter a inflação de serviços pressionada à frente, então isso é algo que nos preocupa um pouco.”
Qualidade do emprego
Apesar do mercado de trabalho aquecido, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou na sexta-feira, 12, que alcançar um nível baixo de desemprego não é suficiente, e que é preciso também investir na qualidade dos empregos formados. Segundo ele, é preciso ampliar o acesso para o ensino superior, mas que isso resolve apenas o lado da oferta de emprego.
“Tem de pensar também na demanda (por emprego), senão a pessoa se formou como engenheiro, mas exerce uma atividade que não tem nada a ver com a sua formação”, disse.
O ministro também disse que é preciso “voltar a pensar” no ensino médio, em que o estudante já pode sair profissionalizado. “Porque nem todo mundo vai para a universidade”, disse, citando que essa é uma realidade também de países desenvolvidos, como Alemanha e Coreia do Sul.
Fonte: Estadão