Entidade também têm sido impedida de participar de reuniões promovidas pela SEED e Núcleo Regionais de Educação
A Federação das Associações de Pais, Mestres e Funcionários das Escolas Públicas do Estado do Paraná (Fepamef-PR) declarou-se contrária à implementação do programa “Parceiro da Escola”. O posicionamento foi publicado em agosto através de nota divulgada em rede social (confira aqui).
Em entrevista ao Portal Verdade, Paulo Cesar Ferreira, assistente jurídico e presidente da Fepamef-PR, ratificou o rechaço ao projeto, que pretende repassar para a iniciativa privada a gestão de pelo menos 204 escolas estaduais.
“A Fepamef-PR se posiciona contra o projeto por entender que irá trazer vários prejuízos aos alunos de escola pública, entre eles os que necessitam de atendimento especializado, por exemplo, estudantes autistas. A empresa que gerir a escola pública, conforme aponta o projeto, não irá despender de investimento para tal necessidade e o aluno que necessita de tal atendimento é sinônimo de ainda mais gastos para o investidor. Ademais, os valores dos cofres públicos serão destinado para empresas terceirizadas, indo na contramão da Constituição Federal”, indica.
O texto aprovado pela Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP), em junho, com caráter de urgência e sob grande rejeição popular, não prevê nenhum tipo de atendimento personalizado aos estudantes com deficiência.
Segundo Paulo, a Fepamef-PR, surgiu em 2006, com a finalidade de representar o segmento de pais, mães e responsáveis legais por alunos e alunas de escola pública do Paraná. O coletivo que, atualmente, conta com representantes de diferentes regiões do estado, procura orientar, reivindicar e determinar procedimentos de ação conjunta com as instituições e organismos governamentais e em instituições privadas.
O grupo compõe uma série de órgãos, como o conselho do Paranaeducação, serviço estabelecido pela gestão de Jaime Lerner para prestar assistência ao estado na administração das escolas, também o Conselho Estadual de Alimentação Escolar, o Fórum Municipal de Educação de Curitiba, entre outros.
A liderança compartilha que, desde o anúncio do programa pelo governador Ratinho Júnior (PSD), a Fepamef-PR tem procurado acompanhar as reuniões promovidas pela Secretaria Estadual de Educação (SEED) em parceria com os Núcleos Regionais de Educação e as respectivas comunidades escolares impactadas.
Porém, os pais têm encontrado dificuldades para participar das reuniões quando mencionam que integram a Federação. “As tratativas os funcionários da SEED demonstram despreparado em responder as perguntas dos pais, mães e responsáveis legais de alunos”, avalia.
Pais e mães ouvidos pela redação, após reuniões promovidas pela SEED no Colégio Estadual Jardim San Rafael, em Ibiporã, e no Colégio Estadual Dom Geraldo Fernandes, em Cambé, ambos situados na região metropolitana de Londrina, apontaram a dificuldade para obter informações sobre o programa e afirmaram que, mesmo com o encontro, as dúvidas persistiam.
Londrina
Ana*, mãe de uma estudante da rede estadual, integrante da Fepamef-PR, conta que teve acesso negado ao Colégio Estadual Doutor Willie Davids.
“Fui a uma escola onde houve reunião, como representante da Fepamef-PR, mas não pude entrar. A representante do Núcleo Regional de Educação mostrou uma orientação escrita da SEED, que diz que somente pais da comunidade em que está sendo realizada a reunião é que podem participar. Ela informou, na ocasião, que seria uma reunião informativa com um tempo para perguntas e não uma discussão”, diz.
“A gente chegou, tinha um policial no portão, na sequência um professor [representante do Núcleo Regional de Educação] perguntando de qual aluna eu era mãe. Eu falei que a minha filha era aluna da rede pública, mas que não estudava no Willie Davis, em outro colégio, mas que eu tinha interesse na pauta da reunião. Ele disse que eu não podia entrar. Eu insisti, dizendo que eu queria entrar, mas veio a diretora, já nervosa, pedindo para a gente se retirar”, reforça Patrícia Taconi de Moraes Scotton Alves, assistente social, mãe de uma estudante do 6º ano, também integrante Fepamef-PR.
Tanto Patrícia como a outra mãe que, prefere não se identificar, possuem filhos matriculados em escolas estaduais que ainda não foram selecionadas para implementação do programa.
No total, em Londrina, cinco escolas foram selecionadas para consulta pública, que deve ocorrer na primeira quinzena de novembro: Colégio Estadual Professora Cleia Godoy Fabrini da Silva, Escola Estadual Professora Kazuco Ohara, Escola Estadual Nossa Senhora de Lourdes, Colégio Estadual Doutor Willie Davids e Colégio Estadual Professora Ubedulha Correia de Oliveira. Em Ibiporã, passará pelo processo, o Colégio Estadual Jardim San Rafael, e em Cambé, o Colégio Estadual Dom Geraldo Fernandes.
Ampliação para outras escolas
Patrícia aponta a preocupação de que o programa, a médio prazo, seja expandido para outras escolas. Ela questiona o argumento emitido pelo mandatário do Palácio do Iguaçu de que uma das intenções do projeto é melhorar a aprendizagem, aumentando o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).
“Ele [Ratinho Júnior] está escolhendo, primeiro, colégios em que ele tem o apoio da direção, eu acredito. E está escolhendo colégios bem estratégicos. São colégios localizados em áreas centrais. Colégios que têm o IDEB bom. Então, por quê? Porque as empresas não vão se interessar por colégios que estão na periferia, colégios que têm o IDEB lá embaixo. Esses colégios que o governo deveria investir”, pondera.
As 204 escolas selecionadas correspondem a 10% de toda rede estadual de ensino.
Uma auditoria técnica do Tribunal de Contas do Paraná (TCE), concluída em setembro, apontou sete irregularidades na contratação das duas escolas-piloto em que o projeto já foi implementado, a saber: Colégio Estadual Anita Canet, em São José dos Pinhais, e Colégio Estadual Anibal Khury, em Curitiba.
Entre as irregularidades, o TCE concluiu que o programa “Parceiro da Escola”, instituído no ano passado, usou de maneira indevida a modalidade de credenciamento na licitação.
Além disso, houve ausência de dotação orçamentária específica; de estudo técnico preliminar, e detalhamento dos custos na formação de preços, prejudicando a análise da viabilidade econômica. A SEED não conseguiu comprovar a origem de recursos para um programa que já custou R$ 220 milhões aos cofres públicos.
Aulas vagas se resolvem com concursos públicos
As representantes da Fepamef-PR também sinalizam a precarização ainda maior da carreira docente e o desmantelamento do vínculo entre estudantes e professores, visto a alta rotatividade de profissionais. Além da quebra do sentimento de pertença à comunidade, há prejuízo na qualidade do ensino ofertado.
“A educação deve ser um serviço prestado por servidores públicos de carreira, concursados, com formação continuada, plano de carreira que contemple diferentes momentos de aperfeiçoamento, com avaliação institucional e inseridos na comunidade escolar. Passar esta responsabilidade para terceiros quebra o vínculo com alunos e pais, responsáveis, além de estabelecer uma lógica de lucratividade”, pondera a mãe cuja identidade será preservada.
“Com a falta de vínculo, os alunos deixam de ser vistos em suas singularidades e passam a ser ‘mais um’ entre todos. Isso interfere diretamente na aprendizagem”, ela complementa.
Patrícia também contesta a justificativa que o programa irá acabar com as aulas vagas. “Os argumentos do governo para o projeto ser implantado, menos aulas vagas, que com a contratação da empresa isso vai acabar. Ora, basta ele contratar mais professores. Isso está acontecendo justamente por falta de recursos humanos, por falta de contratação, por falta de concurso público”, assinala.
Conforme informado pelo Portal Verdade, desde 2018, o número de professores concursados tem diminuído ano a ano no Paraná, passando de 47.889 para 37.938 em 2023. Isto equivale a quase 10 mil trabalhadores a menos em cinco anos.
Ainda, mesmo com cerca de 7 mil professores aguardando nomeação, face ao último certame realizado em 2023, Ratinho comunicou a realização de novo processo seletivo para admissão de 30 mil docentes temporários a partir de 2025. Atualmente, o Paraná possui aproximadamente 20 mil professores temporários para atender a educação básica, ou seja, ensinos fundamental e médio nas escolas públicas.
“A gente tem excelentes professores no estado. O que eles precisam é de incentivo, de respeito e de mais valorização, inclusive, do seu salário. O que o professor enfrenta na sala de aula todos os dias é muito difícil e o governo não valoriza esses profissionais tão importantes”, observa Patrícia.
“É claro que uma empresa que tem fins lucrativos vai usar o dinheiro que recebe do estado com a lógica da lucratividade. E sempre que isso acontece, não tem limites. Por exemplo, com a precarização do trabalho, redução do salário dos trabalhadores, retirada de direitos trabalhistas como férias e 13º salário, sobrecarga de trabalho, descontinuidade do trabalho com rompimentos constantes de contratos de trabalho”, complementa Ana.
O “Parceiro da Escola” permite a contratação de professores via regime celetista, ou seja, sem a realização de concurso. Além disso, possibilita que licenciandos, que estejam no último ano da graduação, acompanhem os alunos.
Por que empresas para comprar uniformes com dinheiro do próprio estado?
Patrícia também discorda do suposto benefício apresentado pela SEED acerca da distribuição de uniformes sem custos. Atualmente, a gestão Ratinho não fornece uniformes gratuitos para os estudantes das escolas estaduais. Em média, as camisetas são vendidas pelo valor de R$ 35 cada.
“O governo alega que com o programa, os pais não vão precisar comprar mais uniforme, porque a empresa vai fornecer. Ora, vai fornecer com o dinheiro do próprio estado. Então, por que o próprio estado já não compra esse uniforme? Não tendo que passar essa responsabilidade de comprar o uniforme e desperdiçando o nosso dinheiro, porque a empresa não vai comprar e não vai cobrar nada por isso, vai cobrar e vai cobrar caro”, evidencia.
A assistente social também expõe sua contrariedade a declarações da SEED que afirma não se tratar da privatização das escolas públicas.
“É pior que privatização, porque é uma parceria público-privada onde a empresa não tem responsabilidade nenhuma. A responsabilidade e o ônus ficam todos com o estado e o bônus fica com a empresa. O estado vai ficar com os encargos se essa empresa vier à falência. O projeto é bastante raso, ele não explica vários pontos”, alerta.
“Escolas viram balcão de negócios”
Conforme apontado pela APP-Sindicato, durante audiência pública realizada pelo Setor de Licitação da Secretaria de Estado da Educação, no último dia 23 de setembro, gestores de empresas que demonstraram interesse em assumir a administração das escolas estaduais, solicitaram a revisão de valores.
As organizações querem também a previsão de pagamentos extras para cobrir supostas despesas que não estariam incluídas no cálculo de R$ 800,00 por aluno. Caso isso não aconteça, afirmam que “poderão ter prejuízo e que o programa não vai funcionar”.
Ainda, discordaram de resolução que estabelece que parte da remuneração das empresas deve estar atrelada ao resultado pedagógico dos estudantes.
Hoje, a SEED repassa R$ 8,00 por estudante, ou seja, um montante dez vezes inferior. “É uma discrepância muito grande. Essa empresa vai lucrar bilhões por ano. É como se a escola virasse um balcão de negócios. Nós não queremos o nosso dinheiro usado dessa forma. Só que não estão perguntando para nós”, analisa Patrícia.
Núcleo Regional de Educação faz propaganda
Ainda, Patrícia chama atenção para a atuação do Núcleo Regional de Educação de Londrina que tem defendido e divulgado o programa, sem espaço para contestações. Como repercutido pelo Portal Verdade, em outubro, a chefe da pasta, Jessica Pieri, concedeu entrevistas à CBN e RPC Londrina (veja aqui) apontando supostos benefícios do programa “Parceiro da Escola”. A reportagem checou as declarações e as repercutiu com a presidenta da APP-Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Paraná), professora Walkiria Mazeto (acompanhe aqui).
“O Núcleo Regional faz propaganda para os projetos do governador. E isso não poderia acontecer. É um órgão público, poderia falar do projeto, mas não vender o projeto. Colocando todos os pontos, os prós e os contras, porque tem contras e eles não mostram, não falam disso”, avalia Patrícia.
Além disso, nas reuniões realizadas nas escolas para apresentar o projeto, representantes do Núcleo de Educação de Londrina têm impedido a participação de professores vinculados à APP-Sindicato bem como de moradores dos bairros em que as instituições estão localizadas. No Colégio Estadual Professora Ubedulha Correia de Oliveira, no Conjunto Luís de Sá, zona Norte de Londrina, lideranças de movimentos sociais foram impedidos de ingressar na escola sob a justificativa que estariam sendo manipulados pelo Sindicato.
Também no Colégio Estadual Professora Cleia Godoy Fabrini da Silva, na zona Sul da cidade, membros do Núcleo Regional de Educação alegaram que a reunião seria restrita aos pais de estudantes matriculados no Colégio, impossibilitando a presença de moradores e diretores da APP-Sindicato.
“Se apropriam da máquina pública para fazer a sua própria propaganda. Isso que a gente tem visto do governador. Uma prevaricação mesmo. Ele não faz a responsabilidade dele e ainda ganha com isso, com fins e interesses próprios. O ano todo eu fiz algumas críticas em redes sociais contra o projeto. Eles andaram apagando minhas mensagens. Eles não deixam a gente falar. Não tem voz. É só eles que apresentam de uma forma muito imposta”, relata Patrícia.
Consulta pública para cumprir protocolo
Conforme Decreto 7.235/24, publicado em setembro pela SEED, a implementação do programa “Parceiro da Escola” nas instituições de ensino da rede estadual está condicionada ao desenvolvimento de “reuniões com a comunidade escolar e a divulgação da consulta pública em todas as instituições”.
A SEED permite que apenas maiores de 18 anos possam participar da votação. “Um adolescente de 16 anos já pode votar pelo representante do seu país, da sua cidade, pode votar, inclusive, para governador, mas não pode decidir sobre a sua própria escola? Então, é de uma arbitrariedade, de uma autoridade muito terrível”, avalia Patrícia.
Ainda, com base na normativa, nas escolas em que o quórum não for atingido, “será vedada a divulgação do conteúdo das urnas” e, portanto, o programa será implementado compulsoriamente.
“Essa consulta pública é só para cumprir um protocolo legal porque sem a consulta pública, ele [Ratinho Júnior] não pode implantar. Então, está fazendo da forma mais ineficaz, porque isso não está chegando nos pais, não está sendo debatido, ao contrário, está bem escondido, inclusive, essas reuniões que foram marcadas falaram para os pais que era para entrega de boletim, não estão divulgando a pauta. É um absurdo atrás do outro”, afirma Patrícia.
Conforme noticiado pelo Portal Verdade, no Colégio Estadual Nossa Senhora de Lourdes, localizado na zona Leste de Londrina, pais foram convocados para “entrega de boletins”, mas se deparam com reunião para propagandear o programa “Parceiro da Escola”. Além disso, a SEED extrapolou o tempo previsto para apresentação, impossibilitando que houvesse um momento para questionamentos.
Ana também classifica a medida como autoritária e destaca uma relação extremamente desigual de forças. “A mobilização é um trabalho de conta gotas, enquanto o estado faz o dele com uma enxurrada. Basta ver que recebemos em nossos contatos, utilizados na documentação de matrícula, um vídeo fazendo propaganda da escola integral. Isso demonstra que o governo do Paraná continua utilizando nossos dados sem permissão para fazer propaganda de seus projetos”, relembra.
Em caso mais recente, a SEED usou dados internos, para enviar para o celular de pais e responsáveis, um vídeo contrário a greve dos professores e funcionários de escola, realizada em junho deste ano. O movimento dos trabalhadores da educação procurava impedir a aprovação do programa “Parceiro da Escola” e foi marcada por uma série de assédios e práticas antissindicais.
Segurança
Outro ponto levantado pelas mães refere-se à segurança no ambiente escolar. “Eu não me sentiria bem de pessoas que eu não conheço dentro da escola. Essas pessoas, dessas empresas que não são concursadas, que são pessoas contratadas. A gente sabe que com condições de trabalho precários, então, a rotatividade pode ser que seja grande, um fluxo de pessoas que a gente não conhece, não sabe a formação. Eu confiaria muito mais de ter servidores públicos, pessoas em quem você possa confiar, que você sabe quem é”, compartilha Patrícia.
“A educação tem que ser totalmente gratuita e de qualidade. Nós pagamos por essa educação, então, o governo tem obrigação legal, constitucional, de promover essa educação de qualidade. Contratar uma empresa com o nosso dinheiro para fazer aquilo que é de responsabilidade dele, ele assume que faliu como governo, está assumindo a incompetência dele de não conseguir gerenciar, de ter que terceirizar esse trabalho que lhe foi conferido nas urnas. Se ele não está conseguindo fazer o trabalho dele, ele que se retire. Esse é um ponto, eu acho que é o governo se eximindo da responsabilidade constitucional que é dele”, defende Patrícia.
Deputado aciona Tribunal de Contas do Paraná
O deputado Professor Lemos (PT) protocolou na última sexta-feira (1) uma medida cautelar no TCE-PR (Tribunal de Contas do Paraná) pedindo a suspensão imediata do Programa “Parceiro da Escola”. Segundo o parlamentar, o projeto ameaça a transparência e a qualidade da educação no estado, caracterizando um movimento de privatização da educação pública.
O deputado também ressaltou que a implementação do programa ocorreu sem consulta à comunidade escolar e sem um estudo técnico prévio.
A redação solicitou à Secretaria Estadual de Educação o posicionamento da pasta sobre a proibição de professores e lideranças sindicais acompanharem as reuniões e se manifestarem, mas até o momento, não obteve retorno.
*O nome de uma das mães entrevistadas foi alterado para preservar sua identidade.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.