A ideia da SEED é terceirizar a gestão de 82 escolas, mesmo apenas 11 colégios tendo aprovado a implementação do programa. Três grupos empresariais foram selecionados
Na última quinta-feira (16), a Justiça do Paraná, através de decisão liminar, suspendeu o Edital de Chamamento Público 17/2024, referente ao programa “Parceiro da Escola”, que permite repassar a gestão de escolas estaduais para a iniciativa privada.
Marlei Fernandes, secretaria de Assuntos Jurídicos da APP-Sindicato (Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná) e vice-presidenta da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), explica que ação civil pública movida pelo MPPR (Ministério Público do Paraná) contra o programa foi motivada por uma notícia fato protocolado pela APP junto ao órgão, apontando ilegalidades e pedindo providências.
“É muito importante esta suspensão porque nós estamos denunciando este programa desde o início, desde a sua aprovação na Assembleia Legislativa do Paraná, tentamos com ação direta de inconstitucionalidade, também tentamos barrar a consulta pública que foi acompanhada por toda a população paranaense, assim como saímos vencedores da consulta pública que só aprovou 11 escolas, mesmo assim o governo continua com as ilegalidades, passando por cima de todas as decisões, inclusive, da comunidade escolar, realizando todas as etapas”, observa.
Conforme informado pelo Portal Verdade, apesar de apenas 11 das 177 escolas selecionadas terem dito ‘sim’ ao programa “Parceiro da Escola”, a SEED (Secretaria Estadual de Educação) divulgou, em dezembro último, que “poderia” implementar o projeto em 95 escolas a partir deste ano letivo, marcado para iniciar em 3 de fevereiro (relembre aqui).
A medida suspende o edital e todos os atos relacionados ao programa até o julgamento final da ação.
“Essa ação civil pública é muito importante, é mais robusta, demonstra as diversas irregularidades que o programa tem e, de fato, nós entendemos que essa suspensão deve ser mantida até o julgamento final de todo este processo que, reitero, a APP já denunciou, segue denunciando e fazendo toda a luta contrária à privatização das escolas”, ela complementa.
Contratação de professores deve ser via concurso público
A decisão da juíza Diele Denardin Zydek, da 5ª Vara da Fazenda Pública, considerou que o processo seletivo viola a Constituição Federal ao permitir que empresas terceirizadas contratem professores e pedagogos, atribuição que exige concurso público.
Marlei destaca que contratação dos professores via a contratação celetista é “flagrantemente inconstitucional”. Ainda, ela pontua o déficit de professores na rede estadual paranaense, estimado em 20 mil profissionais.
“Não é possível que um servidor público possa ser contratado via regime celetista. Isso está consagrado na Constituição Federal, está consagrado nas várias decisões do Supremo Tribunal Federal. Então, nós entendemos que este é um ponto dos mais importantes, nós sempre defendemos o concurso público, mesmo o governo tendo chamado vários professores neste último período via concurso público, ainda há uma carência muito grande de concursadas e concursados na rede estadual”, adverte.
Outra arbitrariedade identificada pela APP-Sindicato, foi a divulgação da contratação de professores antes mesmo do resultado da consulta pública ser anunciado. Segundo o coletivo, a empresa Tom Educação estaria impulsionando anúncios nas redes sociais e fazendo contato por meio de ligações e mensagens para oferecer vagas para professores em escolas da rede estadual. A seleção seria para contratação de docentes em Londrina, Cambé, Andirá, Porecatu, Apucarana e Ibiporã (saiba mais aqui).
“Nós defendemos que os servidores, professores e funcionários de escola, devam passar por concurso público, que já é uma prova rígida, exigente, o governo deve fazer mais concursos, porque há a necessidade de mais contratações”, ela ressalta.
Contratos temporários se tornam permanentes
Sob a gestão de Ratinho Júnior (PSD), o Paraná já tem mais da metade do seu quadro de professores da rede de ensino estadual ocupada por professores temporários. A informação parte de um estudo divulgado no ano passado pela organização Todos Pela Educação, com base em dados coletados pelo MEC e pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).
De acordo com o levantamento, em 2023, a maioria dos professores no estado eram temporários (51%), 48% efetivos e 1% contratados via CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
O quadro não diverge em outros estados já que a contratação intermitente é mais barata. Os salários dos temporários é menor que o dos efetivos. No Paraná, o salário por hora do professor efetivo é de R$ 21,70, enquanto o dos temporários é quase três vezes menor, de R$ 7,70.
“Nós entendemos que todos são bons profissionais, mas claro que há uma diferença muito grande em se tornar um professor concursado e estatutário do que um professor em regime temporário, que todo ano aparece as dificuldades, ele não sabe para onde vai, não sabe como será contratado, não fica com salário integral o ano todo, cria, de fato, uma estabilidade muito grande. Temos um déficit de professores concursados, atualmente, no estado do Paraná na ordem de em torno de 30 a 40%”, salienta Marlei.
A liderança também evidencia as consequências da contratações temporárias irrestritas para o ensino aprendizagem.
“Os contratos temporários, eles precisam existir, mas eles devem ser usados somente para as substituições previstas na rede estadual de ensino e não de forma permanente. Hoje, nós temos mais de 45% da rede estadual de forma temporária, isso é um absurdo, isso é contra a legislação, isso deixa o professor em uma instabilidade permanente, é muito ruim, inclusive, para os estudantes que sofrem com a alta rotatividade de professores. A medida do concurso público, na atividade pública, é a medida mais correta, mais concreta, mais segura e que dá maior qualidade para a educação como um todo”, observa.
A decisão também aponta escolha inadequada da modalidade licitatória, insuficiência de estudos técnicos sobre os custos, ausência de parcelamento das contratações e falta de previsão para prestação de contas pelas empresas parceiras.
Além disso, o órgão demonstra que o edital desrespeita o princípio da gestão democrática do ensino público e permite o uso de logomarcas de empresas particulares nas escolas, o que gerou críticas sobre a mercantilização do espaço educacional.
Encaminhamentos
Marlei compartilha que a expectativa é que o governo estadual aguarde o desfecho judicial. “O passo agora é que o governo respeite a decisão judicial, é uma decisão bastante robusta, que coloca vários elementos que nós já vínhamos denunciando, como essa centralidade de que não é possível haver contratação por CLT no regime jurídico único para os servidores públicos do estado do Paraná”, afirma.
Porém, ela chama atenção para a manobra de Ratinho de maneira autoritária recorrer das decisões sem estabelecer nenhum diálogo com os trabalhadores da educação.
“Infelizmente, o governo vem se utilizando do seu poder político para derrubar as medidas judiciais, nós vimos isso durante todo o processo da consulta pública. Nós tínhamos uma liminar, o governo não recorreu da liminar, na última hora, protocolou um recurso ao presidente do Tribunal de Justiça, que tomou uma decisão monocrática por cima de toda a decisão tomada anteriormente, é muito ruim tudo isso, parece que estamos em um estado sem lei ou um governo que mesmo tendo a interpretação jurídica de que ele está errado, não quer cumprir as decisões jurídicas apresentadas”, alerta.
‘Nós esperamos que o programa “Parceiro da Escola” seja definitivamente interrompido até o seu julgamento que nós sabemos será considerado ilegal. Então, é necessário que o governo cumpra a medida judicial”, conclui.
O custo da terceirização está orçado em R$ 1 bilhão em três anos. Só três dos nove grupos empresariais credenciados foram selecionados: Apogeu, Tom Educação (com apoio do grupo Positivo e Rede Decisão) e Salta, que tem entre seus acionistas o bilionário Jorge Paulo Lemann.
PGE vai recorrer
A PGE (Procuradoria-Geral do Estado) afirmou que já está com um recurso pronto contra a decisão. Confira a nota:
A Procuradoria-Geral do Estado ainda não foi notificada da decisão, que tem caráter liminar, mas já prepara o recurso. O Governo do Estado tem convicção que o Parceiro da Escola vai ajudar a transformar a educação pública estadual, que é a melhor do Brasil. O programa passou pelo crivo da Assembleia Legislativa e tem aceitação superior a 90% nas escolas que participaram do projeto-piloto.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.