Julgou o STJ, nesta terça-feira (4), em sua sexta turma, recurso tirado contra denúncia ofertada pelo ministério público de Coruripe, Alagoas, à desfavor de um cidadão brasileiro negro, por suposta injuria ‘racial reversa’, tisnada em troca de mensagens com cidadão italiano branco. Nas mensagens o brasileiro se referiu a seu interlocutor enquanto possuidor de uma cabeça ‘branca, europeia e escravagista’.
A defesa do cidadão afro descendente, patrocinada pelo instituto do negro de Alagoas, contextualizou que as mensagens foram motivadas por negócios frustrados entre eles, naquilo que o cidadão negro teria prestado serviços ao cidadão branco que, por sua vez, não teria cumprido o pagamento acordado.
Assim e com lastro na troca de mensagens, o ministério público de Alagoas investiu contra o cidadão afro descendente, sustentando uma tese de ‘racismo reverso’, com arrimo na lei 14.523/23, que equipara a injúria racial ao crime de racismo.
O caso ascendeu ao Tribunal de Justiça de Alagoas e o instituto do negro recorreu ao STJ, pleiteando obstar o julgamento da ação racial, ao argumento de que não existiria (como de fato não existe) o desenhado ‘racismo reverso’.
O STJ, no julgamento, recepcionou nota técnica da Defensoria Pública da União onde está sustentada a impossibilidade de se estabelecerem parâmetros existenciais de ‘racismo reverso’, naquilo que a lei de racismo (7.716/89) tem como objeto jurídico a tutela protetiva de grupos historicamente discriminados em razão de sua própria existência.
Com efeito, não estão na esfera de proteção da lei pessoas pertencentes a coletividades historicamente hegemônicas e privilegiadas que, por sua própria natureza, não são objeto da tutela da lei evocada.
Grande acerto do STJ que, em boa hora, encaminha à lata de lixo da história uma pretensão dessa natureza que, se recepcionada, negaria vigência ao objeto jurídico da tutela de uma lei cujo escopo é, em estreita medida, albergar os grupos étnicos minoritários, por sua própria condição de fragilidade em face da aventura humana na terra.
A só hipótese de verberar no serviço público (e o ministério público é, essencialmente, serviço público) imaginação dessa natureza, é deletério cultural da construção maior de um serviço coletivo ligado a ideia de proteção da sociedade.
No caso específico de Alagoas, respeitosa licença, andou mal o ministério público quando pugnou em juízo um não direto, tisnando um raciocínio precário e atentatório da dignidade minoritária de nossos dias.
Precisamos olhar para as minorias como jamais as tivemos em mira, naquilo que não há outro caminho para a humanidade além das fronteiras da inclusão social, suposto que urge a contratação de um novo modelo inclusivo que vá além do estado de bem-estar social, morto com Kenedy no Texas.
Adquire especial relevo a decisão do STJ neste momento dramático em que se inserem as minorias étnicas estadunidenses, em face da brutalidade da resposta estatal que as polícias migratórias de tio san têm posto em prática, na tentativa de estabelecer o neofascismo em norte américa – em que pese isso soar feito uma estapafúrdia conjuração de pequenos demônios ávidos por serem sodomizados ao som de um hino de ódio qualquer…
A outrora apelidada ‘terra da liberdade’ caminha a passos largos em direção ao próprio cadafalso, suposto que o neoliberalismo, ao convocar o fascismo em norte américa, repetindo o movimento histórico que o capitalismo reserva a seus instantes de crise, não levou em conta o alcance e a ‘independência dependente’ das mídias sociais, naquilo que não há como controlar o estouro de um gado educado para odiar…
Entrementes, nunca pareceu tão urgente observar atentamente o dilema de Tocqueville (Democracia na América), evidenciado na contraposição de um ‘diagnóstico científico’ da sociedade moderna em oposição a tendência desta mesma sociedade em inviabilizar liberdade política em situações igualitárias, naquilo que o espectro ético da política exigiria a exequibilidade desta conformidade.
Deveras, o prumo de Alexis de Toqueville apontava para a igualdade de condições enquanto ‘catalisador do respeito às instituições livres e à própria liberdade individual’, ao tempo e na medida em que este ‘equilíbrio de condições’ conduziria a uma tendência em favor de ‘governos criador de direitos’.
Lembro Tocqueville naquilo que sua ideia central sobre democracia pugna uma sociedade igualitária, onde diferenças de costumes se equilibram no tabuleiro da vida, conquanto este equilíbrio só teria lugar onde e quando o respeito às minorias fosse imperativo de estado.
Enquanto historiador Tocqueville jamais deixou de ser sociólogo e, talvez, seja essa a sua distinção mais sensível, em que pese sua visão remeter ao século XIX, quando o apanhado de circunstâncias e condições que dessumiam a história então estabelecida não assinalava os mesmos fatores epistemológicos de nossos dias, onde os meandros são sensivelmente alastrados pelas crises supervenientes às necessidades dos povos.
Há que se levar em conta, na moderna equação das gentes, o implemento de novas circunstâncias explorativas onde as antigas ‘necessidades dos povos’ não são mais ‘dos povos’ e sim dos grandes conglomerados (bigtecs) financeiros, que capturaram o próprio estado na consecução de seus interesses econômicos, suposto que ao financiarem campanhas políticas, estabeleceram o preço de suas valenças, parindo um arremedo de democracia que espera seguir capturando corações e mentes pelo medo que o ódio estabelece.
Esse bolsão de ódio é fato gerador da ‘moderna escravidão’, onde o navio negreiro está substituído pelo interesse da bigtec, projetado em seu poderio econômico e sustentado no efetivo exercício deste alcance, o que faz do próprio estado refém das ambições sócio-políticas do grande capital.
Para alimentar a fornalha dessa complexa desconsideração social, o grande capital capturou (economicamente) a outrora grande democracia (estados unidos) e catapultou discursos de ódio em manobra diversionista que equivalem ao exercício do moderno feitor, atuando feito verdadeiro capitão do mato.
E assim, as minorias de ontem em Alemanha nazista estão sendo substituídas pelas minorias de hoje – em norte américa.
É neste ambiente putrefato e acéfalo que as falas do presidente pilgrin recentemente empossado, desmerecendo etnias latinas, são exponencialmente valoradas em sua política de ódio, onde minorias estão sendo usadas feito bucha de canhão para apascentar as dificuldades que a economia estadunidense vem revelando há décadas.
Sem uma ilha feito as Malvinas para invadir ou um monte feito o Rushmore para esculpir um new deal contemporâneo, o gestor estadunidense se volta contra minorias latinas, ameaçando (again) a construção de um muro (Pink Floyd baby, Pink Floyd) separatista de México, ao tempo em que efetiva a perseguição aos imigrantes irregulares, na vã tentativa de dar um qualquer sentido de pertença a sua própria classe média – cada vez menos média.
A realidade socioeconômica estadunidense convolou a ascensão de um governo de extrema direita, conduzido pelas maiores fortunas do mundo e essa é a moderna estrutura explorativa de nossos dias, onde as minorias não são senão consectários de fortuna alheia.
Isso vai além da mais valia e estabelece o desvalor de quem não tem contato valorativo com o grande capital. Essa é a contrapartida que a outrora conhecida ‘terra da liberdade’ devolve ao mundo livre, ao ajoelhar-se ao grande capital.
Só esse retrato bem ilustra o tamanho do acerto e a importância do alcance da decisão tirada no STJ.
Tristes trópicos, onde a ilusão vem em gotas de fel.
Saudade Pai!
João Locco para o Canto do Locco
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João Locco
João dos Santos Gomes Filho, mais conhecido pelo apelido João Locco. Advogado, corintiano, com interesse extraordinário em conhecer mais a alma e menos a calma.