Parte dos professores continua sem saber se voltarão para sala de aula neste ano letivo. APP-Sindicato coleta denúncias e solicita revisão dos casos
Diversas irregularidades têm sido identificadas durante a distribuição de aulas para professores temporários nas escolas estaduais do Paraná, neste ano letivo de 2025. Os docentes têm relatado filas exorbitantes, atrasos, cancelamentos e falta de informações sobre a documentação solicitada, dificultando o acesso às vagas.
É o que aponta Élio Silva, secretário de Finanças e coordenador do Departamento de PSS (Processo Seletivo Simplificado) da APP-Sindicato (Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná). De acordo com ele, além do grande volume de documentos solicitados, não foram dadas orientações precisas por parte da SEED (Secretaria Estadual de Educação) sobre os formatos dos arquivos e tampouco acerca dos processos de entrega, o que levou muitos profissionais a serem desclassificados.
“A distribuição de aulas esse ano foi extremamente desorganizada, muito confusa. Primeiro, que houve mudanças basicamente na convocação dos candidatos. Isso aconteceu desde de janeiro, ou seja, os professores PSS sequer tiraram férias. A partir do dia 6 de janeiro, alguns Núcleos de Educação, aos quais a Secretaria delega esse processo de distribuição de aulas e entrega de documentos, começaram a convocar”, observa.
Ainda no final de 2024, a SEED determinou que os educadores e educadores contratados pelo modelo intermitente entregassem a documentação necessária em um envelope lacrado, sem devida checagem. Os Núcleos Regionais de Educação são responsáveis por realizar a distribuição de aulas, com base em diretrizes estabelecidas pela a SEED.
Para ele, o fato de a pasta orientar a coleta da documentação em um envelope lacrado, sem a conferência junto ao candidato é um dos principais motivos para a desordem e erros.
“Acho que um dos problemas graves que ocorreu foi justamente que alguns Núcleos Regionais de Educação coletaram os documentos em envelope lacrado, ou seja, não fizeram a conferência igual em anos anteriores, junto com o candidato”, indica.
Outro agravante, segundo Silva, foi que não deram nenhuma devolutiva prévia aos candidatos que só souberam das divergências durante a distribuição das aulas, ou seja, sem o tempo necessário para que pudessem interpor recursos.
“Não deram nenhuma devolutiva de deferimento ou indeferimento. Quando que isso foi acontecer? Só quando esses candidatos foram convocados novamente, já para o processo de distribuição de aulas. Isso trouxe um problema, ou seja, a falta de tempo hábil para os candidatos pudessem entrar com recurso, muitos foram enviados para o final da lista, justamente porque ficou faltando algum documento ou na interpretação do Núcleo Regional de Educação faltou alguma assinatura”, adverte.
Ainda, a liderança compartilha que, entre aqueles profissionais que conseguiram pegar aulas, ao chegar nas escolas se depararam com a informação de que a jornada já havia sido preenchida por outro docente, ou seja, as aulas não estavam mais disponíveis.
“A gente recebeu muitas denúncias, ou seja, as pessoas pegavam aula que estava disponível ali para no ato da distribuição e quando chegavam na escola aquelas aulas não existiam, ou já tinha ido para algum professor concursado ou um outro candidato já tinha até entregado o memorando, o memorando é o documento que registra ali o número de aulas que entrega no ato da distribuição, então essa pessoa era prejudicada, porque até retornar no momento da distribuição, muitas vezes a distribuição já tinha acabado, ou seja, a pessoa foi totalmente prejudicada”, adverte.
Silva reforça a falta de transparência e desorganização do Instituto Consulplan, empresa responsável pela seleção. A SEED destinou mais de R$ 5 milhões para que o Instituto Consulplan realizasse o processo.
De repente, sem salário
Um professor temporário, que atua no Núcleo Regional de Educação de Londrina e prefere não se identificar por receio de perseguições, relata que o caos na distribuição de aulas tem sido mais um fator para o adoecimento da categoria, que sofre com a incerteza, sem saber se estarão em sala de aula novamente.
“Vários professores entraram em no modo de choque, de ter que tomar remédio para abaixar a ansiedade. Teve professores que choraram, ficaram de cama, não tinham ânimo para seguir a vida porque, querendo ou não, quando você vai para o fim de lista, automaticamente você tem que esperar todo mundo ser convocado, escolher as aulas, e se sobrar, vão chamando os outros”, observa.
“Isso acaba dificultando a questão financeira, muitos têm contas já programadas. Têm professoras que estão há 20 anos de PSS e de repente acaba tendo que ficar sem nenhum dinheiro”, ele acrescenta.
Outra crítica levantada pelo docente refere-se ao tempo de espera, que chegou a ultrapassar três horas. De acordo com ele, muitos professores apresentavam dúvidas durante a distribuição, o que fez com que o tempo das reuniões aumentasse significativamente.
“A distribuição começou 13h30 e foi terminar próximo às 16h, mesmo assim, só três pessoas escolheram as aulas”, reforça.
Londrina
Em 29 de janeiro último, os diretores da APP-Sindicato Londrina, Bruno Garcia e Gilberto Mille se reuniram com assistente de chefia do Núcleo Regional de Educação, Juliana Sella. O encontro teve como principal finalidade solicitar a revisão dos documentos enviados pelos docentes, caso por caso.
Márcio André Ribeiro, presidente da APP-Sindicato Londrina, avalia que o encontro atendeu parcialmente as reivindicações.
“A APP é uma só, no Paraná todo, a regional de Londrina tem a função de agilizar o atendimento ao sindicalizado porém, não tem departamento jurídico ou a autonomia de agir separadamente, é importante que isto fique evidente. Às vezes, buscamos um contato com o Núcleo Regional da Educação apelando para o bom senso de forma que casos que não sejam graves possam ser reconsiderados, mas nem sempre temos resposta positiva, pois depende da boa vontade dos mesmos, visto que eles se apoiam no que está escrito no Edital. Houve o caso de pessoas com acento errado em seus nomes em alguns documentos que foram rejeitados”, assinala a liderança.
Escolas privatizadas
Entre as escolas selecionadas para integrar o programa “Parceiro da Escola”, uma série de arbitrariedades também têm sido evidenciadas pelos docentes.
Ribeiro sinaliza que, principalmente, os professores temporários que já lecionam nas unidades têm sido os mais impactados. A fragilidade do vínculo, os coloca em situação de ainda maior vulnerabilidade. Além disso, os professores contratados via CLT (Consolidação de Leis Trabalhistas) não integram a base do Sindicato, o que dificulta a intermediação.
“A realidade é que as escolas privatizadas pelo governo estadual não tem mais espaço para nenhum diálogo, os professores e funcionários lotados na instituição tem sua carga horária distribuída porém, os demais profissionais são terceirizados e já não têm nenhuma relação trabalhista conosco o que inviabiliza qualquer ação de nossa parte e claro que o governo já sabia que isto iria acontecer”, pondera.
Conforme informado pelo Portal Verdade, um professor procurou o coletivo para denunciar discriminação em processo seletivo para admissão de profissionais em uma das escolas privatizadas assumidas pelo grupo Salta Edu. Segundo o docente, durante entrevista, os candidatos foram questionados sobre a orientação sexual (veja aqui).
“O PSS já é um processo extremamente precário, e toda essa desorganização precarizou ainda mais. Vale destacar que muitos professores PSS ainda continuam sem aula”, complementa Silva.
Atualmente, o quadro de professores que atuam nas escolas estaduais do Paraná é formado, majoritariamente, por temporários, chegando a 51%, de acordo com mapeamento da ONG Todos pela Educação. Em uma década, de 2013 a 2023, o número de efetivos caiu 18% enquanto o de temporários aumentou 15%. Ao todo, aproximadamente 20 mil docentes atuam neste modelo de contratação no estado.
A importância da denúncia
A APP-Sindicato segue recebendo denúncias. As lideranças ressaltam a importância de todos os docentes que se sentiram prejudicados, independentemente de concursado ou temporário, formalizar a queixa, pois é a partir dos relatos que o coletivo pode acionar instâncias superiores como o Ministério Público do Paraná.
“A APP continua apresentando essas denúncias que têm chegado, que envolve todo esse processo e coletando todas as informações. Seguimos defendendo a escola pública, a escola pública que é da comunidade, que é dos funcionários, que é dos professores”, reforça Silva.
“Sempre fazemos a mesma orientação, o primeiro ponto é estudar o edital e seus complementos com muito detalhamento, pois qualquer equívoco é de responsabilidade individual, porém se o educador tem certeza que o erro é do NRE, que nos procure pessoalmente na sede do nosso Núcleo que nossos funcionários farão o atendimento, estudarão o caso e ajudaremos a resolver, pois cada caso é diferente um do outro, a análise tem que ser individualizada”, conclui Ribeiro.
A APP-Sindicato Londrina está localizada na avenida Juscelino Kubitschek, nº 1.834, centro. A entidade também está coletando denúncias, via formulário, disponível aqui. A queixa pode ser realizada de forma anônima ou identificada. Mais informações podem ser solicitadas pelo telefone (43) 3323-2662.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.