Um dos grandes problemas relacionados à falta de moradia nos municípios é a inexistência de áreas urbanizadas para atender a demanda. A produção de lotes dotados de infraestrutura é um processo que depende, no capitalismo, da disponibilização de áreas brutas pelos seus proprietários, que geralmente querem transformar uma área rural em urbana. Muitas vezes essas áreas estão dentro do perímetro urbano do município, mas sua atividade principal ainda é rural.
Outras, são proprietários rurais que querem transformar em urbana, ou mesmo loteadores que visitam os proprietários nos limites do perímetro urbano oferecendo valores por metro quadrado bem acima do valor da terra agrícola e, muitas vezes, muito acima do valor que é extraído anualmente com a atividade rural. Para se ter uma ideia do que isso significa, em uma transação recente, um proprietário rural vendeu sua fazenda por 7 vezes o valor da área como propriedade agrícola.
Depois da aquisição é necessário fazer os levantamentos, elaborar os projetos atendendo a legislação urbanística e submeter à aprovação pelo executivo municipal, processo que leva em torno de 2 a 4 anos, se tudo correr bem. Somente após a aprovação e registro em cartório do novo loteamento é que o empreendedor poderá iniciar a obra de implantação da infraestrutura que compreende no mínimo a terraplenagem, o arruamento, os sistemas de drenagem, abastecimento de água, coleta de esgoto, energia e iluminação pública, arborização e demarcação dos lotes, que deverão estar em conformidade com o que foi aprovado no projeto, assim como a venda dos lotes.
O Perfil de Londrina publicado em 2024, tendo como ano-base 2023, apresenta alguns dados que merecem, no mínimo, certa atenção. A “Tabela 3.6.11 Número de inscritos para cadastro de aquisição de moradia e número de contemplado – Londrina 2017 a 2023” traz a informação que em 2023 tinham 59.657 inscritos para 536 contemplados. Ou seja, nem 1% dos inscritos teve a possibilidade de adquirir sua moradia no ano de 2023.
No mesmo Perfil, na tabela “3.7 Uso do solo urbano” tem a informação que na sede de Londrina existe o total de 140.888.753 m2 de área de terreno sendo que 72.065.419 m2 são área de terreno sem uso. Isso representa mais de 51% da área total da sede. A sede é o distrito principal do município, onde se localizam as funções de administração central e contém as atividades econômicas urbanas mais significativas tais como as de comércio, serviços públicos e privados, indústrias e a grande maioria das residências. É a parte mais urbanizada do município que, no caso de Londrina, está situada ao norte do território, tendo somente o distrito da Warta ainda mais ao norte.
Se toda essa área fosse loteada e, considerando um aproveitamento final de cerca de 50% para os terrenos, teríamos a possibilidade de produzir cerca de 144.130 lotes (ou datas) de 250m2. Considerando que Londrina tem 280.414 unidades existentes “com uso” de acordo com a “Tabela 3.7.4 Número de unidades, por uso, no município de Londrina – 2023”, do mesmo Perfil de Londrina, existe área suficiente para aumentar em mais de 50% de unidades, tomando cada lote como uma unidade.
Isso significa que dentro do atual perímetro urbano é possível construir moradias para atender totalmente a demanda atual e ainda sobrariam lotes para atender a demanda dos próximos 10 anos, aproximadamente, considerando o crescimento populacional projetado para a cidade. O investimento em infraestrutura será abordado no próximo artigo.
Este é mais um dado a comprovar que o déficit habitacional é estrutural no capitalismo, como explicado no artigo “A falta de moradia como problema estrutural da sociedade capitalista”, deste colunista. Com esses dados é possível afirmar que o objetivo do mercado imobiliário é forçar o aumento dos preços dos terrenos e das edificações, por meio da retenção de “estoques”, para aumentar ao máximo possível a acumulação por parte dos grandes detentores de lotes e moradias.
A alteração dessa situação só é possível por meio da mobilização popular, forçando o poder público a produzir moradias em maior quantidade, pois além de gerar empregos e renda no município, proporcionaria a melhoria das condições de vida de sua população. Assim, a Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social (ATHIS) é uma das formas que poderão acelerar a construção de novas moradias, ocupando mais rápido os terrenos vazios e sem uso, forçando a produção de mais lotes. Também poderá melhorar as habitações existentes, por meio de projetos direcionados a quem tem sua casa, mas precisa reformar e/ou ampliar para atender suas necessidades.

Gilson Bergoc
Doutor e Mestre pela FAU USP. Arquiteto e Urbanista, docente da Universidade Estadual de Londrina na área de urbanismo e planejamento urbano e regional. Integrante do Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Urbana. Coordenador de Projeto Integrado – Pesquisa e Extensão da UEL e do núcleo de Londrina do BR Cidades. Ex-Prefeito do Campus da UEL e ex-Diretor de Planejamento Físico Territorial do IPPUL.